Não resisto a acompanhar um artigo do Mário Soares sobre a União Europeia, naturalmente subvertido pelos meus devaneios.
Somos cidadãos desta aldeia global há 25 anos. Dizem os especialistas que as crises conjugais estalam ao fim de sete anos, mais coisa menos coisa. Ora, numa união em que já se celebraram bodas de prata, qualquer um dos cônjuges já teve tempo para “assentar” e ter juízo, a não ser quando o juízo é o que os impele a pôr fim à dita união.
O Tratado de Lisboa não foi uma aposta romântica assim tão bem sucedida que tenha dado à Europa uma voz de comando única. E os mais recentes actores chamados à cena não ajudam. O novo presidente, Van Rompuy, e a diplomata inglesa, Catherine Ashton, que se ocupa da diplomacia da União, a que se junta a Comissão Europeia, presidida por Durão Barroso – cada vez mais distante do espírito europeísta - e da Bélgica que assume, nos próximos seis meses, a presidência rotativa, que passou, no fim de junho, de Rodriguez Zapatero para Yves Leterme, vieram alimentar ainda mais a fogueira, já profusamente acesa.
Uma vez que os Estados que se assumem como as estrelas hollywoodescas ¬ o motor franco-alemão, o Reino Unido, a Itália, eventualmente a Espanha e a Polónia também – mostram uma esquizofrenia narcisista, completamente descontextualizada face à crise em que se vive – que se evidencia na divergência de medidas a tomar – quando pensam nelas – e num zigue-zague estonteante – quando as aplicam sem nelas ter pensado cum grano salis, a luz ao fundo do túnel teima em se deixar ver.
Este casamento, nalguns casos foi-o, noutros ficou-se pela união de facto, chegou a um ponto em que os 27 Estados que se uniram neste projecto comum se desentendem quanto ao essencial e estão em desacordo quanto ao acessório¬ nem os 16 do euro salvam a discussão¬ sobre qual a estratégia a encetar para ultrapassar a crise. Dir-se-ía que uma boa parte está disposta ao divórcio. Concertação e convergência começam a parecer utopias. Ou seja salvar a Europa parece ser agora um sonho tão grande quanto foi o de a unir num ideário.
O Banco Central Europeu (BCE), presidido por Jean-Claude Trichet, um nado em França com alma alemã (até porque reside em Frankfurt, sede do Banco, e aqueles ares têm um efeito hipnotizador, a julgar pelo adormecimento que provocou na população alemã quando nem davam conta da grande actividade das SS de Hitler, que, sabe-se lá, para quê e porquê, entravam porta adentro dos seus vizinhos não-alemães ou contra-regime) vai lançando umas medidas altamente restritivas visando reduzir os défices e os endividamentos externos, públicos e privados, e (que raio, será coincidência?!) esquecendo a projecção que as mesmas têm na vida das pessoas, com o desemprego crescente, a pobreza, a exclusão social e as desigualdades e os fossos sociais sempre a cavarem mais fundo.
Ao contrário das posições defendidas pelo presidente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, um francês que vive na América e que jura, a pés juntos, que as receitas neoliberais só podem agravar a depressão dos países que as seguem.
A chanceler alemã, Angela Merkel, afinal sem o sexto sentido que se presumia ter, não consegue manter relações de boa vizinhança com o Presidente Sarkozy que, no seu país, desceu a pique e se posiciona agora no mais baixo índice de popularidade que jamais um presidente francês atingiu, desde De Gaulle (e este não tinha Carla Bruni). A Itália de Berlusconi vai dando sinais de colossais ruturas sociais e políticas e a popularidade do primeiro-ministro cai vertiginosamente todos os dias. A Espanha lá respirou fundo à conta do balão de oxigénio que acompanhava a taça que a premiou com a vitória naquela festa que move multidões em que uns cidadãos, a maior parte sem a escolaridade mínima obrigatória, corre atrás de uma esfera (que nem é manuelina!). O que não aquece nem arrefece as dificuldades, económicas e políticas, entre as periferias e o Centro ¬ Castela. O Reino Unido vive a maior crise económica, financeira e política desde a última Guerra Mundial. Quanto à Irlanda, à Bélgica ou a alguns países do Leste... nem vale a pena chover no molhado.
Os que querem manter vivo este sonho e o projecto europeísta têm de conseguir reagir a esta morte lenta, a começar dentro do espaço nacional até ao europeu. A União Europeia é, recordemo-lo, “o mais interessante e original projeto de paz e de bem-estar social que se conhece” (Mário Soares).
Os homens são, por natureza, fortes, e juntos, invencíveis. Não há porque ceder e deixar que a crise mate este casamento. Mas corre-se esse risco. Perder um casamento, em sentido próprio e institucional, já é suficientemente mau. Este casamento, que envolve cônjuges separados territorialmente por imensidões de espaços e com culturas pertencentes a pólos antípodas, é um desafio maior e por isso maior é o gozo de o manter vivo. Somos os maiores interessados. Porque escolhemos estar nele. Mas, como se faz para tentar salvar um casamento, é chegada a hora de nos impormos, como cidadãos europeístas, de lutar pela sua sobrevivência desta união, em que todos temos tudo para ser felizes. Mas, reconheçamos, há que mudar as políticas. Tem de se evitar a fatalidade de uma União desagregada, que arraste consigo o Ocidente.
Seria uma tragédia para o mundo. E o mundo somos nós.
Somos cidadãos desta aldeia global há 25 anos. Dizem os especialistas que as crises conjugais estalam ao fim de sete anos, mais coisa menos coisa. Ora, numa união em que já se celebraram bodas de prata, qualquer um dos cônjuges já teve tempo para “assentar” e ter juízo, a não ser quando o juízo é o que os impele a pôr fim à dita união.
O Tratado de Lisboa não foi uma aposta romântica assim tão bem sucedida que tenha dado à Europa uma voz de comando única. E os mais recentes actores chamados à cena não ajudam. O novo presidente, Van Rompuy, e a diplomata inglesa, Catherine Ashton, que se ocupa da diplomacia da União, a que se junta a Comissão Europeia, presidida por Durão Barroso – cada vez mais distante do espírito europeísta - e da Bélgica que assume, nos próximos seis meses, a presidência rotativa, que passou, no fim de junho, de Rodriguez Zapatero para Yves Leterme, vieram alimentar ainda mais a fogueira, já profusamente acesa.
Uma vez que os Estados que se assumem como as estrelas hollywoodescas ¬ o motor franco-alemão, o Reino Unido, a Itália, eventualmente a Espanha e a Polónia também – mostram uma esquizofrenia narcisista, completamente descontextualizada face à crise em que se vive – que se evidencia na divergência de medidas a tomar – quando pensam nelas – e num zigue-zague estonteante – quando as aplicam sem nelas ter pensado cum grano salis, a luz ao fundo do túnel teima em se deixar ver.
Este casamento, nalguns casos foi-o, noutros ficou-se pela união de facto, chegou a um ponto em que os 27 Estados que se uniram neste projecto comum se desentendem quanto ao essencial e estão em desacordo quanto ao acessório¬ nem os 16 do euro salvam a discussão¬ sobre qual a estratégia a encetar para ultrapassar a crise. Dir-se-ía que uma boa parte está disposta ao divórcio. Concertação e convergência começam a parecer utopias. Ou seja salvar a Europa parece ser agora um sonho tão grande quanto foi o de a unir num ideário.
O Banco Central Europeu (BCE), presidido por Jean-Claude Trichet, um nado em França com alma alemã (até porque reside em Frankfurt, sede do Banco, e aqueles ares têm um efeito hipnotizador, a julgar pelo adormecimento que provocou na população alemã quando nem davam conta da grande actividade das SS de Hitler, que, sabe-se lá, para quê e porquê, entravam porta adentro dos seus vizinhos não-alemães ou contra-regime) vai lançando umas medidas altamente restritivas visando reduzir os défices e os endividamentos externos, públicos e privados, e (que raio, será coincidência?!) esquecendo a projecção que as mesmas têm na vida das pessoas, com o desemprego crescente, a pobreza, a exclusão social e as desigualdades e os fossos sociais sempre a cavarem mais fundo.
Ao contrário das posições defendidas pelo presidente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, um francês que vive na América e que jura, a pés juntos, que as receitas neoliberais só podem agravar a depressão dos países que as seguem.
A chanceler alemã, Angela Merkel, afinal sem o sexto sentido que se presumia ter, não consegue manter relações de boa vizinhança com o Presidente Sarkozy que, no seu país, desceu a pique e se posiciona agora no mais baixo índice de popularidade que jamais um presidente francês atingiu, desde De Gaulle (e este não tinha Carla Bruni). A Itália de Berlusconi vai dando sinais de colossais ruturas sociais e políticas e a popularidade do primeiro-ministro cai vertiginosamente todos os dias. A Espanha lá respirou fundo à conta do balão de oxigénio que acompanhava a taça que a premiou com a vitória naquela festa que move multidões em que uns cidadãos, a maior parte sem a escolaridade mínima obrigatória, corre atrás de uma esfera (que nem é manuelina!). O que não aquece nem arrefece as dificuldades, económicas e políticas, entre as periferias e o Centro ¬ Castela. O Reino Unido vive a maior crise económica, financeira e política desde a última Guerra Mundial. Quanto à Irlanda, à Bélgica ou a alguns países do Leste... nem vale a pena chover no molhado.
Os que querem manter vivo este sonho e o projecto europeísta têm de conseguir reagir a esta morte lenta, a começar dentro do espaço nacional até ao europeu. A União Europeia é, recordemo-lo, “o mais interessante e original projeto de paz e de bem-estar social que se conhece” (Mário Soares).
Os homens são, por natureza, fortes, e juntos, invencíveis. Não há porque ceder e deixar que a crise mate este casamento. Mas corre-se esse risco. Perder um casamento, em sentido próprio e institucional, já é suficientemente mau. Este casamento, que envolve cônjuges separados territorialmente por imensidões de espaços e com culturas pertencentes a pólos antípodas, é um desafio maior e por isso maior é o gozo de o manter vivo. Somos os maiores interessados. Porque escolhemos estar nele. Mas, como se faz para tentar salvar um casamento, é chegada a hora de nos impormos, como cidadãos europeístas, de lutar pela sua sobrevivência desta união, em que todos temos tudo para ser felizes. Mas, reconheçamos, há que mudar as políticas. Tem de se evitar a fatalidade de uma União desagregada, que arraste consigo o Ocidente.
Seria uma tragédia para o mundo. E o mundo somos nós.