Dados
recentes revelam que cerca de metade da população portuguesa
vive em situação de menor qualidade de vida. E, nalguns casos, mesmo de pobreza.
Um estudo da OCDE evidencia que Portugal é um dos países onde existe maior desigualdade
na distribuição do rendimento. A pergunta é se, efetivamente, há (ou não) uma co-relação
entre pobreza e desigualdade. A pobreza é já, também, uma forma de exclusão
social, o que significa que não existe pobreza sem exclusão social. Pese embora,
o contrário não seja verdade. Existem formas de exclusão social que não
implicam pobreza. O exemplo mais visível é o do isolamento social a que os
idosos são remetidos, resultante não necessariamente da pobreza, mas da
estrutura organizativa da sociedade, que desvaloriza o estatuto e o papel
social da pessoa idosa. Mas disso falaremos outra hora. A pretexto de a
economia familiar não permitir a atenção devida, opção feita entre os estudos dos
filhos/netos. Ou de a harmonia familiar sair lesada com a convivência eventualmente
conflituosa de gerações. Ou de, simplesmente, os filhos não terem a estrutura
moral/educacional devida para devolver a dedicação prestada.
A incidência da pobreza diminui à medida
que a densidade populacional aumenta, dizem os especialistas. No meio rural, a
incidência de pobreza é consideravelmente maior relativamente às áreas mais
urbanizadas, fator em parte devido ao elevado grau de envelhecimento
populacional de algumas zonas de baixa densidade. O mundo em que vivemos
depara-se com grandes problemas suscitados
pelo envelhecimento populacional, desde o declínio da população ativa, ao
envelhecimento da mão-de-obra, à pressão sobre os regimes de pensão e as
finanças públicas, à premência de se criarem redes formais de prestação de
cuidados e serviços aos idosos. Mas não esqueçamos, ainda, aliado a tudo isto,
situações de maus-tratos infligidos em contexto familiar e institucional. Estudos
recentes da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apontam para uma
primeira sociografia da vítima (mulher, entre os 65 e 75 anos, reformada, a
residir no meio urbano) e do agressor (cônjuges, filhos do sexo masculino entre
os 35-45 anos).
A definição do conceito
de abuso de idosos não é consensual, nem social nem sequer juridicamente, mas é,
pelo menos, certo que se trata de um comportamento destrutivo dirigido a um
adulto idoso num contexto de confiança e cuja frequência (única ou regular)
provoca sofrimento físico, psicológico e emocional: Para além de constituir uma
séria violação dos direitos humanos. Esta é uma definição adotada pelo Conselho
de Europa e pelas Nações Unidas. O conceito integra vários tipos de mau trato, do
abuso físico, psicológico, material e financeiro, à negligência ativa e
passiva. Todos igualmente preocupantes e reprováveis.
Os idosos tendem, na incompreensão
das atitudes a que são vetados mas na tentativa de as aceitar, minimizando as
expetativas de um culminar de vida com o sossego merecido, a inculcar atitudes
de culpa, de baixa auto-estima, de isolamento social, de comportamentos
depressivos, reforçando as suas dependências e agravando o estigma social que
sentem gerado à sua volta.
Os maus-tratos às
pessoas idosas são, diria que são essencialmente, um problema de Direitos
Humanos. O que deve chamar a nossa atenção para essa violência, camuflada ou
percetível, do dia-a-dia, explicando ao idoso que nada nem ninguém tem o
direito de infligir na sua honra ou na sua pessoa qualquer tipo de destrato, negligência
ou menosprezo. E denunciando à comunidade, e, sendo caso disso, às autoridades
competentes, situações deste tipo.
Um país mede-se pela sua
atitude para com as crianças, mas é bom que não nos esqueçamos que se mede,
igualmente, pela sua atitude para com os mais velhos. A quem devemos,
nada mais nada menos que a vida. Ou seja, muito do somos. A seu tempo,
trataram-nos com enlevo e dedicação. Hoje, chegou a nossa vez de retribuir. É um
género de justiça distributiva de afetos.
A via das políticas sociais é claramente
insuficiente, importa pensar em políticas económicas que, em paralelo com as
políticas redistributivas, potenciem a interrupção do ciclo persistente da
vulnerabilidade e da exclusão social. Parece, a final, relativamente evidente
que, em Portugal, existe uma forte relação entre desigualdade social e pobreza.
A luta contra a pobreza e pela solidariedade global não pode ser travada sem primeiro
se reconhecer que, independentemente dos avanços civilizacionais no
desenvolvimento social e humano, a pobreza, a exclusão e as desigualdades
sociais se agravaram em todo o mundo nos últimos 50 anos. Combater a pobreza e
a exclusão social implica tomar consciência deste fenómeno complexo e
multidimensional ponderando as principais causas que levaram à atual crise
económica, financeira e social. É preciso reconhecer que a institucionalização
de uma vida consumista e sem uma
orientação clara e ética da economia para as pessoas contribuiu para esta grande
disparidade, agravada pela atual crise, entre muitos ricos e muito pobres, e em
que os idosos estão confrontados, como nunca, com condições de subsistência não
experimentadas por gerações anteriores.
Em prejuízo do princípio da
transparência e da verdade, os agentes económicos, sociais e políticos acomodaram-se
num comportamento aparente em que, por detrás de uma ilusória saúde de status
quo, se escondia uma realidade que é, hoje e sê-lo-á, cada vez mais, uma doença
crónica. Esta cedência fácil à aparência e à ilusão em nada ser viu o combate à
pobreza, à exclusão e às desigualdades sociais, mas limitou-se a servir prémios
de gestão e a uma redistribuição injusta do rendimento disponível, num círculo
vicioso de agravamento das desigualdades sociais e da coesão económica e
social.
O grande, grave, e talvez, maior,
problema destes tempos críticos é ter permitido, em termos globais, que as
sociedades, nomeadamente, as gerações dos tais “filhos” se endividassem face ao
estímulo de um consumo incentivado pelo crédito fácil e que redundou em enormes
sacrifícios para as atuais e para as gerações vindouras. Com os idosos a sofrer
de permeio. Esta globalização (mercantil e não humana) agravou as desigualdades
sociais, orientada numa perspetiva agressiva de mercado, e, que se tendeu –
muitas vezes, conscientemente - a esquecer a pessoa humana como principal destinatária
e centro principal do progresso económico e social.
Concluindo, distrairmo-nos um minuto que
seja neste propósito de forte e persistente combate à pobreza e à exclusão
social é já suficientemente oneroso face à dimensão quantitativa e qualitativa
do fenómeno.
E a prova de que esta é uma preocupação
sentida é acordar às duas da manhã para escrever estas linhas e, com o coração
nas mãos, perguntar-me, como é que um animal solitário como eu acabará os seus
dias numa casa em que perderá pelos cantos, de que esquecerá os recantos, e em
que os livros e os seus objetos de culto serão, por fim, a sua única e certa
companhia.