Não sendo área da minha
especialidade, sou naturalmente sensível, como cidadã, à aplicação que, em Portugal,
se faz do Direito do Ambiente, ainda visto como um parente pobre do Direito.
Apesar de, no tempo (desde a
Constituição de 1822 que se atribui o dever das câmaras municipais plantarem
árvores nos baldios e terrenos concelhios, já nos finais do século passado
(Decreto n.º8 de 5 de Dezembro de 1892) se falava em "inquinamento"
no regime sancionatório do Regulamento dos Serviços Hidráulicos, em 1919, (Decreto
com força de Lei n.º 5787 iiii de 10 de Maio) tínhamos uma Lei de Águas!) sermos
precoces a legislar, tardou, mesmo após a entrada de Portugal
na C.E.E. em 1986 (e de aí, efetivamente, se ter registado uma dinamização e
reestruturação do corpo institucional da política do ambiente, desde a criação
de um ministério; promulgação da Lei de Bases e regulamentações) a que se atribuísse
a este ramo do Direito a importância devida.
Registo, agora, uma decisão
histórica em matéria de ambiente.
O Tribunal Administrativo e
Fiscal de Loulé condenou, por despacho de sentença de 31 de Maio, a empresa
proprietária da Quinta da Rocha, situada na Ria de Alvor, Portimão, protegida
pelo sistema europeu Natura 2000, a repor as espécies e habitats ali
destruídos, na sequência de intervenções realizadas sem projeto ou autorizações
e de que resultaram prejuízos ambientais. As seis organizações ambientalistas
autoras deste processo consideram a decisão histórica no direito ambiental
português. Os Autores, A Rocha – Associação Cristã de Estudo e Defesa do
Ambiente e Outros, intentaram uma ação administrativa comum sob a forma ordinária contra a Butwell
– Trading Serviços e Investimentos, SA, pedindo que esta se abstivesse de
atos lesivos do ambiente e da natureza e repusesse o coberto vegetal destruído,
e que fosse reconhecida a existência de bens (espécies e habitats) protegidos
por direito interno e comunitário. Apreciadas as seguintes questões: a) A Ré
praticou na Quinta da Rocha atos lesivos contra direitos fundamentais do
ambiente, conservação da natureza e da biodiversidade? b) Aqueles atos foram suscetíveis
de acarretar os danos ambientais que as Autoras invocaram na ação? c) A
salvaguarda dos bens e valores ambientais
existentes em propriedade privada é devida aos seus proprietários? A Decisão:
a) Reconheceu a existência dos habitats e espécies protegidos e prioritários e sua distribuição na Quinta
da Rocha de acordo com a matéria provada; b) Condenou a Ré na abstenção, por si
ou por intermédio de outrem, na realização de quaisquer trabalhos ou ações de mobilização
de terrenos e remoção do coberto vegetal, nas zonas da Quinta da Rocha
nas quais se deu como provada a existência de espécies e habitats
protegidos e prioritários; c) Condenou a Ré na interdição de acesso aos sapais
na Quinta da Rocha, quer por maquinaria de qualquer tipo, quer de qualquer
gado, bovino ou outro, por um período mínimo de dez anos; d) Condenou a Ré na
reposição das espécies e habitats destruídos na Quinta da Rocha; e) Condenou a
Ré a apresentar no prazo de seis meses ao Instituto da Conservação da Natureza
e da Biodiversidade, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do
Algarve e ao Município de Portimão, um projeto para a reposição de todas as
espécies e habitats destruídos na Quinta da Rocha.
A sentença surgiu três meses e meio depois de o Tribunal de Portimão ter
também condenado a proprietária da quinta, de 199 hectares, parte dos quais em
zona húmida, a dois anos de prisão com pena suspensa pelos crimes de dano
contra a natureza e prática de crime de desobediência. O empresário
Aprígio Santos, proprietário da Quinta da Rocha, junto à ria de Alvor, foi
condenado pelo crime de dano contra a natureza e pela prática de crimes de
desobediência. O acórdão teve em conta a "experiência comum" do que
se passou no litoral algarvio nas últimas décadas: "Tomado de assalto pela
construção civil." A pena teve em conta não apenas os valores da natureza
destruídos, mas também os objetivos por detrás da "destruição completa de
um sapal com habitats protegidos e a remoção de bioindicadores de habitats
protegidos". O acórdão refere que as intervenções efetuadas nesta zona
sensível "visavam seguir o exemplo do que sucedeu noutras zonas da
região": dentro do aparente respeito pelas normas ambientais,
"inicia-se a construção e outras obras de desenvolvimento, que lentamente
vão absorvendo (fazendo desaparecer) os obstáculos naturais" e legais,
levando a construção de um "lucrativo empreendimento até onde for
permitido".
Esta
primeira decisão do Tribunal de Portimão constituiu já um marco em termos de
jurisprudência ambiental: foi a primeira condenação por crimes relacionados com
o ambiente; foi uma das únicas, verificada pela prática do "crime de danos
contra a natureza". O precedente único conhecido era o de um caso em
Cantanhede, 2005, em que o tribunal local puniu com 1600 euros de multa um empresário
que extraiu ilegalmente areias das dunas da Tocha.
Este
último acórdão, já filho daqueloutro, fará história, e pode mudar o rumo da
Vida algarvia, louvável porque fez da letra da lei letra viva, conteudizando o
conceito de crime ambiental, e, espera-se, seja impulsionador de outros que,
igualmente, apliquem, de forma tangível, sanções pela violação de outros crimes
de danos contra a natureza, como os de poluição, atividades perigosas contra o
ambiente e poluição com perigo comum.
Algarve mais verde. Justiça
mais eficaz! Nota positiva.