Os políticos que queremos? (do mural do Aires Pedro)
"...O actual sentimento de desencanto com os políticos vem, pelo menos em parte, deste sistema de acesso à classe. Actualmente, para aceder à vida política as formas mais seguras são as das juventudes partidárias ou, aparentemente, as que passam pelo ambiente de determinadas áreas de “formação”. Desta forma, as qualidades privilegiadas no político são sobretudo a obediência, a lealdade e a capacidade de networking. Para segundo plano ficam a capacidade intelectual e o espírito de serviço público. E o curso superior não serve para outra coisa senão para garantir o acesso ao meio e para a validação pessoal, na forma do indispensável título de “Dr.”.
Este processo de formação do político promove ainda o agravamento da situação de outsourcing das competências do Estado. Os deputados, estudantes medíocres que foram, mas conectados socialmente que são, uma vez na Assembleia, são capazes de reconhecer os antigos colegas que tiveram melhor percurso académico do que eles, e que estão agora a trabalhar em escritórios de advogados ou em consultoras. Assim, gerou-se um sistema que se auto-propaga: os futuros políticos são criados no ambiente partidário, em que a formação académica é secundária, mas em que o networking é essencial; enquanto que os indivíduos com mais capacidades intelectuais transitam para as instituições privadas e são eles que informam os governos das políticas a adoptar. Isto não só é desgastante para os cofres do Estado, como é um factor de vulnerabilidade dos governantes a ideologias exógenas. Ou seja, sendo os governantes, em geral, pessoas com fracos percursos académicos, são também facilmente influenciáveis pela opinião dos especialistas desta ou daquela área. Isto é bastante patente no contexto actual, com os economistas a disporem dos governos e a decidir as políticas de acordo com as suas ideologias, embrulhadas no brilhantismo académico e vastos conhecimentos da economia. Os políticos, inseguros, aceitam a doutrina dos especialistas. Há quem diga que temos demasiados economistas na política nacional, mas isso é uma ilusão. O que temos são bastantes economistas na sociedade que exercem a sua influência sobre os políticos, que em geral não têm o espírito crítico suficiente para contrariar os argumentos que lhes são apresentados.
Haverá maneira de corrigir esta trajectória? Parece-me difícil. Uma medida que me pareceria saudável seria a interdição das juventudes partidárias a menores de 18 anos. Felizmente, para quem esteja interessado em actividades que beneficiem o bem comum, existem inúmeras instituições e grupos de intervenção apartidários em que os jovens se podem envolver. Aderir a uma juventude partidária aos 14 anos (como Pedro Passos Coelho) tem como consequências a progressão na hierarquia política, o desleixo dos estudos e o entrincheiramento ideológico.
Acima de tudo, a política como discussão clubística – aquela que temos – é um reflexo deste entricheiramento, que gera ódios e impede discussões francas, leais e inteligentes. E só neste contexto se compreende que líderes políticos se incompatibilizem, ou que recusem determinado interlocutor do outro lado da trincheira.
Quanto à sobre-representação de alguns sectores sociais (aqui mencionei os advogados), não há muito a fazer, senão estimular o maior envolvimento político de todos (incluindo os juristas) e o reconhecimento de que também há políticos com bastante capacidade intelectual e competência. E que ser politico não tem de vir com um rótulo negativo, para que se olha com desconfiança. E possivelmente precisamos de novas formas de democracia, em que valores pessoais e competências se juntem à ideologia, em que os eleitores tenham uma palavra mais activa na escolha dos candidatos a representá-los, e em que se possa olhar para a ocupação política com admiração.
Em breve apresentarei algumas ideias a este respeito." (Prof. Jorge Miranda)