domingo, 24 de junho de 2012

Ciúmes:carta-branca para matar, por Vítor Rainho



"Olhando para trás, facilmente se percebe que Portugal melhorou muito nas últimas duas décadas, em áreas como a saúde ou a segurança rodoviária.
As famosas listas de espera para cirurgias reduziram-se significativamente e nas estradas passou-se de quase 2.000 mortos anuais para 700. A esperança de vida não pára de aumentar e, apesar da crise, muitos outros sectores apresentam melhores índices do que há 20 anos.
Também muito mal iria o país se nada tivesse melhorado. Muito do que melhorou aconteceu porque sistematicamente se foi chamando a atenção. As pessoas foram-se sensibilizando – as estradas são um belo exemplo – e passaram a ter outros comportamentos. Mesmo na área dos costumes, apesar dos exageros, houve melhorias. Hoje se alguém vê um pai a espancar brutalmente um filho chama as autoridades ou procura defender a criança. Antigamente era normal o progenitor poder agredir selvaticamente o descendente. «Não se meta onde não é chamado. O filho é meu», ouvia-se com alguma frequência em meios rurais e não só. Actualmente até se assiste a um fenómeno contrário. Um simples puxão de orelhas é logo considerado uma agressão. Esperemos que nunca se chegue aos exageros dos americanos...
Vem esta conversa a propósito de um campo onde as coisas, a julgar pelos relatos diários do Correio da Manhã, não melhoraram, bem pelo contrário. Falo da quantidade de crimes cometidos, com bastante frequência, por maridos ou namorados, em fase de o deixarem de ser, que matam as companheiras. O caso é muito mais grave porque, numa boa parte dos casos, as vítimas apresentaram dezenas de queixas às autoridades e pouco ou nada foi feito. Até ao momento da tragédia. Sem querer ser injusto, parece-me que as autoridades policiais e judiciais não estão devidamente sensibilizadas para o fenómeno da violência doméstica. Um homem louco de ciúmes que ameaça várias vezes a ex-mulher não pode deixar de ser levado a sério.
Não sei se as autoridades seguem a velha máxima de que cão que ladra não morde. A verdade é que os casos relatados na imprensa começam a ser assustadores. Não há praticamente uma semana que passe que não se tenha conhecimento de alguém que tentou matar a ex-mulher/namorada e os filhos só porque foi abandonado.
Quando nas estradas se morria tanto, fizeram-se campanhas brutais para chamar a atenção para o flagelo. A violência contra as mulheres (ou homens, de acordo com o casamento em questão) merece que os responsáveis na matéria adoptem medidas mais severas. É certo que não se pode encher mais as cadeias, mas as pessoas indefesas não têm culpa que os ciúmes sejam uma espécie de carta-branca para se matar ou ferir com gravidade."