quarta-feira, 30 de maio de 2012

Joana d'Arc - 30 de Maio - O martírio


30 de maio de 1431. Com apenas dezenove anos, Joana d'Arc é morta. A cerimónia de execução aconteceu na Praça do Velho Mercado (Place du Vieux Marché), às 9 horas, em Ruão. O pedestal erguera-se num nível superior e, abaixo, colocaram os feixes de lenha para iniciar a fogueira. Sobre estes, havia um poste encimado pela inscrição, em grandes letras: “Joana, que se fez conhecer pela Donzela, mentirosa, perniciosa, abusadora do povo, advinha, supersticiosa, blasfemadora de Deus, presunçosa, malcrente na fé de Jesus Cristo, jactanciosa, idólatra, cruel, dissoluta, invocadora de diabos, reincidente, apóstata, cismática e herética.” Foi condenada pelos crimes de heresia, bruxaria e por todos os outros de que tinha sido acusada nos “Doze Artigos”. Quarenta e dois “juízes” condenaram Joana. “Jesus!” - disse, ao falecer. Um secretário do rei inglês dizia bem alto: “Estamos perdidos; queimamos uma Santa!”.
"A Joana d’Arc" é um poema magnifico de Santa Teresa do Menino Jesus. "Quando o Deus das Nações te concedeu vitória, E, expulsando o invasor, sagraste o rei, ó Joana, teu nome se tornou famoso em toda a história, diante de ti os heróis perderam brilho e fama. Mas aquela era ainda a glória passageira; ao teu nome faltava a auréola dos santos. O Bem-Amado deu-te, amarga, a taça inteira, e te tornaste a rejeitada dos humanos. Numa escura masmorra, entre grilhões e horrores, o cruel invasor cobriu-te de amarguras. Nenhum amigo teu partilhou tuas dores, nenhum se apresentou para enxugar teu pranto. Vejo-te, neste horror, mais reluzente e bela, do que no dia-luz do rei em sagração. Donde te veio a luz, este fulgor de estrela, que hoje te faz brilhar? De uma ignóbil traição! Se um dia o Rei do amor, neste vale de prantos, não tivesse buscado a traição e a morte, para todos nós a dor já não teria encantos… Mas hoje a amamos como um tesouro e uma sorte." (Santa Teresa do Menino Jesus)

MEC - a sua história de amor (o cancro rendeu-se!)


Miguel Esteves Cardoso e Maria João Pinheiro vivem uma história linda de amor. O cancro, malvado diabo, quis pôr-se entre os dois, de permeio. O amor fez com que o Miguel escrevesse breves textos absolutamente magníficos sobre esse estado especial e privilegiado de alma e sobre a maldade das linhas do destino que quis intervalar esse amor. Esses textos merecem ser lidos com o coração aberto e com as lágrimas a marejar os olhos. Que bom amar assim!
Ficam aqui essas crónicas desde o dia em que descobriram que o malvado queria acabar com aquela extraordinária história até ao dia de hoje em que o malvado saiu derrotado pelas armas da medicina e pela vontade de um deus maior. 
Aos dois, o maior abraço do mundo. 
«Às vezes encontramo-nos com a cabeça nas mãos. Tudo o que poderia ter corrido bem correu mal. O mundo, que era igual à vida, afasta-se de repente. Distancia-se e continua a existir, como se nada tivesse a ver ou a haver connosco, como se fizesse questão de mostrar a independência dele, mundo, que não existe só porque nos damos conta dele. A má notícia é má, mas a pior, para quem cá está, é a pessoal. A minha pessoa é a Maria João e a Maria João passa mal. Nem o amor nem a sabedoria médica a podem salvar. Só uma conjunção das duas coisas, mais um acrescento de milagre. O cabrão do cancro alastra-se. Exterminado no pulmão ou na mama, foge para o cérebro, onde se refugia e cresce. Forma uma força da morte, aproveitando as barreiras antigas entre o sangue e o cérebro, que infiltra conforme lhe apetece. Hoje, domingo, é o último dia em que estaremos juntos, dois amores, felizes há quase vinte anos. Amanhã, logo às nove da manhã, estaremos na consulta dos excelentes neurocirurgiões do Hospital de Santa Maria, onde nos avisarão das complicações possíveis. Obama deveria inspirar-se na perfeição clínica e humana do serviço de saúde português e francês. Mas a dor não diminui. Nem a tristeza abranda. Vai morrer o meu amor. Não vai. Como o meu amor por ela, nunca há-de morrer. As coisas acontecem sem acontecer o pensamento nelas. A alma, o coração e a cabeça são coisas diferentes. Que se dão bem. E são amigas. E deixam de ser quando morrem».
«É hoje, quarta-feira, às sete e meia da manhã, que deixei de poder estar ao pé da Maria João. Entreguei-a a Alexandre Campos, que vai tirar-lhe o tumor que ela tem no cérebro, sob o olhar de João Lobo Antunes.
Sempre quis conhecer um neurocirugião. Na segunda-feira de manhã conheci logo três. O terceiro foi o primeiro que recebeu a Maria João no Hospital de Santa Maria: Martin Lorenzitti. Fiquei impressionado. Não resisto a dizer que são uber-cool. Quando eu era pequenino, a profissão que usava para indicar grande complexidade não era rocket scientist. Dizia-se de um problema que não era dificílimo que não era preciso ser um brain surgeon para o perceber.
Note-se que os neurocirurgiões não são só cirurgiões do cérebro como de todo o sistema nervoso, espinha abaixo, pela rede elétrica do corpo inteiro, até às pontas dos pés. É a minha Maria João inteira que eles têm de ter na cabeça, nos olhos e nos dedos das mãos. É graças a médicos e cirurgiões que ela está viva. Será graças a médicos e cirurgiões que ela não morrerá.
Prometeram-me que hoje, às cinco da tarde, durante quinze minutos, voltarei a ver a Maria João. É pouco tempo, depois de muito tempo um sem o outro. Mas há-de saber pela vida. Mentira. Há-de saber-me por quinze minutos.
É o tempo que não estamos um com o outro que nos mata. Que nos tira a vida. Que nos tira a vontade de viver. Separadamente. É hoje às cinco da tarde que vamos voltar um para o outro. Durante pouco, pouco tempo.»
«Deus, Bem avisaste que eras um Deus invejoso e vingativo. Também sei que Job era um caso-limite: uma ameaça do que eras capaz. Nem eu nem a Maria João temos um milésimo da obediência e da resignação de Job. E castigaste-nos menos. Mas foi de mais.
De certeza absoluta que nos amamos mais um ao outro do que te amamos a Ti. Sabemos que isto não está certo. Mas foste Tu que nos fizeste assim. Admite: deste-nos liberdade de mais. Foste presunçoso: pensaste que Te escolheríamos sempre primeiro. Enganaste-Te. Quando inventaste o amor, esqueceste-Te de que seria mais popular entre os seres humanos do que entre os seres humanos e Tu. Por uma questão de tangibilidade. E, desculpa lá, de feitio. Tu, Deus, tens o pior das arrogâncias feminina e masculina. Achas que só existes Tu. Como Deus, até é capaz de ser verdade. Mas, para quereres ser um Deus real e humanamente amado, tens de aprender a ser um amor secundário. Sabemos que és Tu que mandas e acreditamos que há uma razão para tudo o que fazes, mesmo quando toda a gente se lixa, porque não nos deste cabeça para Te compreender. Esta deficiência foi uma decisão tua: não quiseste dar-nos a inteligência necessária.
Mas deste-nos cabeça suficiente para Te dizer, cara a cara, que nos preocupamos mais com os entes amados do que contigo.
Ajuda a Maria João, se puderes. Se não puderes, não dificultes a vida a quem pode ajudar. Faz o que só um Deus pode fazer: reduz-te à tua significância. Que é tão grande»
“Voltámos para casa anteontem [sexta-feira], nesse dia sagrado. Não há no mundo maior delícia do que a normalidade”, disse o jornalista na crónica que escreve para o jornal Público, onde tem partilhado os sentimentos inerentes ao momento difícil que está a viver em textos repletos de emoção. Miguel Esteves Cardoso referiu também que, apesar da fase delicada pela qual está a passar, a mulher mantém o seu sentido de humor e que escrever sobre o assunto funciona como uma espécie de terapia. “Escrever sobre ela é a coisa mais fácil que faço: é uma preguiça e um prazer, como se conseguisse enganar quem me lê. É virar as costas ao mundo, que vai tão mal”, confessa.
«Desta vez, a Maria João teve sorte. Nunca tinha visto uma médica a chorar. Foi a Maria João que puxou as lágrimas, quando a Dra. Teresa Ferreira lhe disse que não havia mais metástases dentro dela. Ficámos os três a chorar e a olhar para os outros olhos a chorar.
A minha amada já tinha esquecido o futuro. Já não queria saber da casa nova, do tecido para forrar os sofás, do Verão seguinte. Estava convencida que estava cheia de metástases. Doía-lhe o corpo todo. Tinha desanimado. Estava preparada para a morte. Só a morte é mais triste. Tinha-se preparado para ouvir o que já sabia, para não se assustar quando lhe dissessem que o cancro na mama tinha voltado e que se tinha espalhado por toda a parte.
Depois - mas não logo, porque não é de momento para o outro que se desmorre - voltou a ver vida pela frente. Reapareceu um horizonte e um caminho até lá, com passos para dar. "São tão raras as boas notícias", disse a médica, "e é tão bom dá-las, vocês não imaginam". Nós não imaginámos. Começámos a chorar. As lágrimas ajudam muito. As dos outros especialmente. Chorar sozinho não tem o mesmo efeito. A Maria João tem chorado por razões tristes. Desta vez estava a chorar de felicidade.
Como chora cada vez que ouve ou lê palavras doces, a dar força, a partilhar a dor, a juntar-se para que ela saiba que há muita gente a sofrer com ela, tal é a vontade delas que ela não sofra. Ou sofra pouco. Embora isto de se ficar vivo também se estranhe um bocadinho.»

terça-feira, 29 de maio de 2012

Portugal não é a Grécia, o Niger não é aqui (ladrões de bicicletas, blog)


Portugal não é a Grécia, o Niger não é aqui (ladrões de bicicletas, blog)
"«Decca Aitkenhead (jornalista do The Guardian): Quando analisa as contas gregas e exige medidas que sabe podem significar que as mulheres não terão acesso à assistência no parto, que os doentes deixam de poder aceder a medicamentos que lhes salvam a vida, e que os idosos vão morrer sozinhos por falta de cuidados - deixa de pensar em tudo isso e concentra-se nas contas?
Christine Lagarde (directora-geral do FMI): Não, penso sobretudo nas crianças da escola de uma pequena aldeia no Niger, que apenas têm duas horas de escola por dia e que partilham, cada três, uma cadeira, felizes por estar a aprender. Tenho-as no meu pensamento o tempo todo. Porque acho que elas precisam ainda mais do que as pessoas em Atenas. (...) Sabe que mais? No que diz respeito a Atenas, eu também penso naquelas pessoas que estão sempre a tentar fugir aos impostos.
DA: E pensa mais nesses do que naqueles que estão a lutar pela sua sobrevivência, sem emprego nem serviços públicos?
CL: Penso em todos por igual. E acho também que todos têm que se ajudar colectivamente. (...) Pagando os seus impostos. Sim.
DA: E os filhos deles, que não podem ser responsabilizados?
CL: Bem, os pais deles são responsáveis, certo? Por isso devem pagar os seus impostos.»
Não era de certeza este o destaque que Christine Lagarde tinha em mente com a entrevista concedida ao The Guardian. A mensagem pretendida era seguramente outra («É tempo de pagar, não esperem complacência») e insere-se na estratégia de pressão que diferentes instituições internacionais (nomeadamente o FMI, BCE e Comissão Europeia) têm estado a exercer sobre a Grécia.
Às portas de um acto eleitoral que pode conduzir o Syriza à vitória, estas instituições temem, sobretudo, que seja finalmente desmascarado o «bluff» com que tentam intimidar os gregos (como se estes não fossem, afinal, quem mais pode sair beneficiado desse desenlace), e com que procuram, simultaneamente, disfarçar as suas responsabilidades pelo fracasso da receita austeritária (o que implica manter a todo o custo a tese da culpa dos gregos pela ineficácia dessa terapia salvífica, apesar de a Grécia ter procurado cumprir os compromissos estabelecidos, num grau muito maior do que é comum pensar-se).
Christine Lagarde sabe que o aprfundamento da recessão económica, a contracção dos serviços públicos e a degradação das condições de vida na Grécia constituem, acima de tudo, o resultado da austeridade imposta àquele país (e da qual o FMI é empenhado cúmplice). Foi aliás a própria instituição a reconhecê-lo recentemente e está aí, à vista de todos, o impacto da estratégia da troika no aumento galopante do desemprego: desde o início da intervenção, foram destruídos cerca de 600 mil postos de trabalho na Grécia (isto é, 600 mil cidadãos que não só deixaram de poder continuar a pagar impostos como passaram a ter que viver de subsídios de desemprego, entretanto encolhidos e emagrecidos). O falhanço consecutivo das optimistas previsões macro-económicas fixadas é, aliás, uma das mais sintomáticas evidências da fraude intelectual que constitui a doutrina austeritária e que a realidade trata constantemente de demonstrar (em Janeiro do corrente ano, por exemplo, as receitas fiscais gregas diminuíram cerca de 7% face a Janeiro de 2011, quando se previa que aumentassem cerca de 9% nesse período).
E Christine Lagarde sabe também, melhor que qualquer comum mortal, que a «ajuda» internacional à Grécia é essencialmente canalizada para o sistema financeiro nacional e internacional (sendo por isso reduzido o montante que é colocado à disposição do Estado grego). Surpreende-se com o aumento da fuga ao fisco? E tenta emendar a mão, dizendo que pretendia referir-se, com as suas declarações, à necessidade de cumprimento das obrigações fiscais, sobretudo pelos mais favorecidos? Deveria então consultar, por exemplo, um estudo da própria Comissão Europeia, que reconhece que as medidas de austeridade induzem um agravamento das desigualdades sócio-económicas nos países sujeitos a curas de ajustamento como as que o FMI continua a defender.
Para lá de tudo isto choca, evidentemente, a insensibilidade de Lagarde perante situações como a de pais que se vêem forçados a deixar os filhos em instituições de solidariedade, de mães que tentam acalmar bebés que choram, dando-lhes água para substituir o leite que não podem comprar, ou crianças que desmaiam durante as aulas por não terem comido. Quando é preciso invocar o exemplo do Niger, como faz Lagarde, para tentar desvalorizar o drama social e humano em que a Grécia se encontra, estamos certamente conversados quanto aos efeitos devastadores que decorrem da aplicação da receita austeritária a um país europeu, não estamos?"

segunda-feira, 28 de maio de 2012

"A vergonha da Europa", por Gunter Grass

"A vergonha da Europa" - "À beira do caos porque fora da razão dos mercados, Tu estás longe da terra que te serviu de berço.
O que buscou a Tua alma e encontrou rejeita-lo Tu agora, vale menos do que sucata.
Nua como o devedor no pelourinho sofre aquela terra a quem dizer que devias era para Ti tão natural como falar.
À pobreza condenada a terra da sofisticação e do requinte que adornam os museus: espólio que está à Tua cura. 
Os que com a força das armas arrasaram o país de ilhas abençoado levavam com a farda Hölderlin na mochila.
País a custo tolerado cujos coronéis toleraste outrora na Tua Aliança.
Terra sem direitos a quem o poder do dogma aperta o cinto mais e mais. 
Trajada de negro, Antígona desafia-te e no país inteiro o povo cujo hóspede foste veste-se de luto.
Contudo os sósias de Creso foram em procissão entesourar fora de portas tudo o que tem a luz do ouro.
Bebe duma vez, bebe! grita a claque dos comissários, mas Sócrates devolve-Te, irado, a taça cheia até à borda.
Os deuses amaldiçoarão em coro quem és e o que tens se a Tua vontade exige a venda do Olimpo.
Sem a terra cujo espírito Te concebeu, Europa, murcharás estupidamente." Gunter Grass, Nobel da Literatura alemão


sábado, 26 de maio de 2012

Resumo do programa da Syriza - Grécia


Resumo do programa da Syriza, por Adão Cruz, aventar 
"1) Conceber um escudo para proteger a sociedade contra a crise
Nem um único cidadão sem um rendimento mínimo garantido ou subsídio de desemprego, assistência médica, proteção social, habitação e acesso a todos os serviços públicos.
Medidas de proteção e alívio para as famílias endividadas.
Controlo de preços e reduções de preços, redução do IVA e abolição do IVA sobre bens necessidade básica.
2) Eliminar o Peso da Dívida
A dívida é em primeiro lugar um produto das relações de classe e é desumana na sua essência. É produzida pela evasão fiscal dos ricos, o saque dos fundos públicos e a aquisição exorbitante de armamento e equipamentos militares.
As nossas reivindicações imediatas:
Moratória do serviço da dívida
Negociação do cancelamento da dívida, com uma provisão que proteja os fundos de segurança social e os pequenos aforradores. Isto deve ser conseguido através de todos os meios disponíveis,  como o controlo através de auditoria e a suspensão dos pagamentos.
Regulação da dívida remanescente com  cláusulas de provisão para o desenvolvimento económico e o emprego.
Regulamentação europeia para a dívida dos Estados europeus.
Mudança radical do papel do Banco Central Europeu.
Proibição de produtos bancários especulativos.
Imposto pan-europeu sobre a riqueza, transações financeiras e lucros.
3) A redistribuição do rendimento, a tributação da riqueza e da abolição de gastos desnecessários
Reorganização e consolidação de mecanismos de cobrança de impostos.
Tributação das fortunas acima de 1 milhão de Euros e dos rendimentos maiores.
Aumento gradual, até 45%, do imposto sobre os lucros distribuídos pelas empresas.
Tributação das transações financeiras.
Tributação especial sobre o consumo de bens de luxo.
Fim das isenções fiscais dos armadores e da Igreja Ortodoxa Grega.
Fim do segredo bancário e comercial, combate à evasão fiscal e à evasão da contribuição para a segurança social.
Proibição de operações realizadas através de empresas offshore.
Procura de novos recursos através de uma exploração eficiente dos fundos europeus e através das reivindicações sobre o pagamento do empréstimo da ocupação alemã e das indemnizações da II Guerra Mundial e, finalmente, através da redução drástica das despesas militares.
4) Reconstrução produtiva, social e ambiental
A nacionalização / socialização dos bancos e a sua integração num sistema bancário público, controlado pela sociedade e pelos trabalhadores, a fim de servir o objetivo do desenvolvimento. O escândalo da recapitalização dos bancos tem de parar imediatamente.
Nacionalização de todas as empresas públicas de importância estratégica que foram privatizadas até agora. Administração das empresas públicas baseadas na transparência, controle social e planeamento democrático. Suporte para a provisão de bens públicos.
Proteção e consolidação das PME e do sector social e cooperativo.
Transformação ecológica do modelo de desenvolvimento. Isso inclui uma transformação nos sectores de produção de energia, indústria, turismo e agricultura. Todos esses sectores terão de ser reformados de acordo com critérios de abundância nutricional e satisfação das necessidades sociais.
Desenvolvimento da investigação científica e da especialização produtiva.
5) Emprego estável com salário decente e segurança social
A degradação constante do trabalho, juntamente com os vergonhosos níveis dos salários, não atrai nenhum investimento nem desenvolvimento ou emprego.
Defendemos:
Emprego seguro, bem pago e bem regulamentado.
Reconstituição imediata do salário mínimo e dos salários reais no prazo de três anos.
Reconstituição imediata dos acordos coletivos de trabalho.
Introdução de fortes mecanismos de controlo para proteger o emprego.
Oposição sistemática aos lay-offs e à desregulamentação das relações de trabalho.
6) Aprofundamento da democracia. Direitos políticos democráticos e sociais para todos.
Há um déficit democrático no país.
A Grécia está gradualmente a transformar-se num Estado autoritário policial.
Defendemos:
A refundação da soberania popular e uma elevação do poder parlamentar dentro do sistema político. Introdução de um sistema eleitoral proporcional. Separação de Poderes. Revogar a Lei de Responsabilidade ministerial e extinguir privilégios económicos do MP.
Descentralização verdadeira e governo local com fortes recursos e jurisdição aumentada.
Introdução de democracia direta e instituição da autogestão sob controlo social e dos trabalhadores em todos os níveis. Medidas contra a corrupção política e económica.
Aprofundamento dos direitos democráticos, políticos e sindicais.
Melhoramento dos direitos das mulheres e dos jovens na família, no trabalho e na administração pública.
Acelerar o processo de asilo. Abolição do regulamento Dublin II e concessão de documentos aos imigrantes. Inclusão social dos imigrantes e proteção de direitos iguais.
Reforma democrática da administração pública com a participação ativa de funcionários públicos.
Desmilitarização e democratização da Polícia e da Guarda Costeira. Dissolução das forças especiais.
7) Um Estado de Bem Estar Poderoso
As leis anti-segurança, o encerramento de serviços sociais e a queda acentuada da despesa social tornaram a Grécia num país onde reina a injustiça social.
Precisamos de:
Um programa imediato de resgate do sistema de pensões que inclua o financiamento tripartido e retorno gradual das carteiras dos fundos de pensões num sistema público e universal de segurança social.
Um aumento no subsídio de desemprego até a taxa de substituição atingir os 80% do salário. Nenhuma pessoa desempregada deve ficar sem subsídio de desemprego. Introdução de um rendimento mínimo garantido.
Um sistema unificado de proteção social abrangente, cobrindo os estratos sociais vulneráveis.
8) Saúde é um bem público e um direito social
A Saúde deve ser fornecida gratuitamente e será financiada através dum Sistema de Saúde Pública. Algumas medidas imediatas:
Apoiar e atualizar os hospitais. Atualização de infra-estruturas de saúde do Instituto de Seguros Sociais (IKA). Desenvolvimento de um sistema integrado de cuidados médicos de primeiro nível.
Parar os lay-offs, cobrir as necessidades de tratamento médico tanto em termos de pessoal como de equipamento.
Acesso livre e sem custos ao tratamento médico para todos os residentes no país.
Tratamentos farmacêuticos e exames médicos gratuitos para os pensionistas pobres, os desempregados, os estudantes e aqueles que sofrem de doenças crónicas.
9) Proteção da educação e saúde pública, investigação, cultura e desporto em relação às políticas do Memorando.
No que diz respeito a educação, defendemos:
Consolidação da educação universal, pública e gratuita. Cobertura das suas necessidades urgentes em infra-estrutura e de pessoal nos três níveis. 14 anos de escolaridade obrigatória.
Revogar a Lei de Diamantopoulou. Consolidação da autonomia das universidades. Preservação do caráter académico e público das universidades.
10) Política externa independente, comprometida com a promoção da paz.
A adaptação da nossa política externa às exigências dos EUA e dos estados poderosos da UE põe em perigo a independência do país, a paz e a segurança.
Precisamos de:
Uma política externa multidimensional e orientada para a paz.
Retirada da NATO e encerramento das bases militares estrangeiras.
Fim da cooperação militar com Israel.
Ajudar as tentativas do povo Cipriota para reunificar a ilha.
Além disso, com base no direito internacional e no princípio da resolução pacífica de conflitos, vamos procurar uma solução para as relações greco-turcas, uma solução para o problema do nome oficial Macedónia, bem como uma identificação de Zona Económica Exclusiva da Grécia.
O actual sistema económico e social falhou e é preciso derrubá-lo!
A crise económica que abala o capitalismo global desfez as ilusões. Cada vez mais pessoas são testemunhas que a especulação capitalista é um princípio organizacional desumano para a sociedade moderna. Também é unânime que os bancos privados funcionam apenas para o benefício dos banqueiros prejudicando o resto do povo. Industriais e banqueiros absorvem biliões na Saúde, Educação e Pensões.
A saída da crise implica medidas corajosas que impedem aqueles que a criaram de continuar o seu trabalho destrutivo. Apoiamos um novo modelo de produção e distribuição de riqueza, que poderia incluir a sociedade na sua totalidade. Neste contexto, a grande propriedade capitalista é para ser tornada pública e gerida democraticamente de acordo com critérios sociais e ecológicos. O nosso objetivo estratégico é o socialismo com democracia, um sistema em que todos terão direito a participar no processo de tomada de decisão.
Estamos a mudar o futuro e fazer deles passado
Nós podemos vencê-los, construindo a unidade e criando uma nova coligação de poder que tem na Esquerda a pedra angular. As nossas armas nessa luta são a aliança do povo, a inspiração, o esforço criativo e as lutas do povo trabalhador. Com estes vamos moldar a vida e o futuro de um povo que se governa.
Agora, o voto é para o Povo! Agora as pessoas têm o poder!
Nesta eleição o povo grego pode e deve votar contra o regime de memorandos e da Troika, virando assim uma nova página de esperança e otimismo para o futuro.
Para a Grécia e para a Europa, a solução é com a esquerda."

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Fome, Fausto, Austeridade, e Parcerias Público-Privadas: tristeza!


O secretário-geral do PS desceu do alto dos seus tamanquinhos e afirmou que advertiu os representantes da troika que Portugal "atingiu o sinal vermelho", designadamente quanto ao nível do desemprego. Mas este não é o único dado com que os portugueses se preocupam, embora muitos dos problemas secundem este. A começar pelo endividamento que ensombra quase 40% das famílias. Acabando no flagelo da pobreza, indiciada pela fome, com 19 bancos alimentares a apoiar 2110 instituições que, por sua vez, ajudaram já 337.500 pessoas. A cara da pobreza em Portugal está a mudar, com o surgimento de uma nova classe de pobres, ex-classe média, a braços com um dos cônjuges (ou os dois nos casos mais extremos) no desemprego. Crianças a evidenciarem má nutrição logo de manhã nas escolas, fruto de situações precárias de fome não assumidas. Até os emigrantes portugueses recém-chegados a França e à Alemanha experimentam a miséria num cenário inimaginável há uma década. Não esquecendo os 40 mil idosos sem capacidade financeira sequer para comprar alimentos. Falando em pobreza e em fome, indignou-nos saber que perdiz, porco preto alimentado a bolota e lebre são alguns dos produtos exigidos pelo Caderno de Encargos do concurso público para fornecer refeições e explorar as cafetarias do Parlamento. Sinal de que por lá a crise não se faz sentir! E nem por isso de barriga cheia os deputados decidem melhor, talvez se recomendasse até algumas restrições/contenções no pecado da gula. Para melhor compreenderem o comum dos mortais que vive fora dos muros de São Bento. Quem diria que convento beneditino ali albergou gente santa!
E se dentro de portas, o ministro das Finanças se limita a vaticinar, no debate do Documento de Estratégia Orçamental, aquela constatação de la palisse, dizendo de que o crescimento da economia exige a  dose necessária de austeridade (ou queria dizer reforçada?!), já fora de portas, Philippe Aghion, professor de economia na Universidade de Harvard (EUA) e conselheiro do presidente francês, François Hollande, melhor propôs uma reestruturação das dívidas públicas de Portugal e Espanha, para superar a crise na zona euro, chegando mesmo ao ponto de afirmar que a Grécia, a Espanha e Portugal não têm hipótese de crescimento sem um haircut (corte da dívida pública) que confira mais flexibilidade no Tratado para levar a cabo reformas estruturais. Haverá luz ao fundo do túnel?
Falando em túneis, pontes e afins, o juiz jubilado do Tribunal de Contas, Carlos Moreno, por quem nutro admiração e respeito desde os meus tempos de auditora do TC, chamou, sem dó nem piedade, como é seu timbre, ‘incompetentes’ os políticos que negociaram as Parcerias Público-Privadas, defendendo que as empresas devem aceitar baixar os seus lucros, face ao especial contexto de crise em que vivemos. A verdade é que os contratos foram visados pelo TC, cujos juízes se dizem “enganados” pelos precedentes governos. E é também curioso que este Governo que tanto falou isto antes de ser eleito, tenha agora, com o Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de Maio, impedido que, da sua aplicação, resultem alterações aos contratos de parcerias já celebrados, ou derrogações das regras neles estabelecidas, nem modificações a procedimentos de parceria lançados até à data da sua entrada em vigor. Ou seja, tanta acusação de “incompetência” e de “incapacidade técnica do sector público’ na negociação de PPP’s – ainda nos recordamos do episódio mais recente com a Lusoponte – deu em coisa nenhuma, para não variar àquela máxima de que, por cá, as montanhas parem ratos.
E é assim em cenário de desemprego, pobreza e fome e de fausto e abundança beneditino, de soluções de maior flexibilidade no Tratado a partirem mais de fora que de dentro, e de “bloqueios” reforçados a contratos leoninos que se vai vivendo num País em que toda a gente fala que se desunha e nada faz de protesto efetivo e sério.
O que é certo é que o pano de fundo desta opereta triste está cada vez mais negro e nós ora nos sentimos palhaços ora pierrots. Enfim, de todo o modo, tristes! 

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Prémio Camões para Dalton Trevisan

O escritor curitibano Dalton Trevisan, 86 anos, é o vencedor da 24.ª edição do Prêmio Camões. descrição de um amigo: “Seu nome: Dalton Trevisan. Seu instrumento de trabalho: o conto. Sua vítima: o leitor incauto. Sua meta: amedrontar, deliciando. Sua cara: pouco veiculada. Seu endereço: desconhecido. Seu diálogo com o público: um monólogo interior. Sua foto mais conhecida: a tirada por um repórter com teleobjetiva atrás de uma árvore emuma tarde de outono. Seu número de telefone: nem mesmo sua família sabe.” O primeiro livro que dele li, A Guerra Conjugal (1969), marcou-me. descobri originalidade, estilo, enredo, análise das almas e das situações, a aparente simplicidade de todos os personagens se chamarem João e Maria... espantou-me. O autor é assim como que o Clausewitz da guerra conjugal e o seu livro a versão caseira de Vom Kriege. "Porque intramuros, como no mundo dos generais, cada um tem a sua estratégia, e a guerra ou a guerrilha, a luta de trincheiras, o bombardeamento, o corpo-a-corpo, podem começar por um nada. Um esquecimento, uma tolice, um desarrumo..." dizem. 

Aqui fica um pequeno trecho de “Apelo”: "Amanhã faz um mês, ai não, a Senhora longe de casa. Primeiro dia, na verdade, falta não senti. Bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho. Com os dias, Senhora, o leite primeiro vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa um corredor vazio, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, onde o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia? Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate – meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não poupei água e elas murcharam. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nem um de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha pra casa,  Senhora, por favor""

Cooperação "clandestina" com a Palestina em São Bento?

grande polémica instalada no Parlamento. tudo por causa de uma acção de cooperação com a Palestina, desconhecida de muitos dos deputados. em Março e agora este mês, dois funcionários parlamentares estiveram durante uma semana, em Ramallah, na Palestina, em missão de cooperação com o Conselho Legislativo da Palestina. A colaboração com a Palestina não passou pelo Conselho de Administração, nem pela Presidente da Assembleia da República. foi assim mais ou menos "secreta"! o único vestígio reconhecido pela secretaria-geral do Parlamento, foi de um pedido, em Agosto do ano passado, da União Interparlamentar (UIP) para que Portugal aderisse a um projecto da UIP e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para «consolidar o secretariado do Conselho Legislativo da Palestina». A participação no projecto, através de peritos portugueses, foi autorizada pela então secretária-geral da Assembleia, Adelina Sá Carvalho. Estão ainda envolvidos no projecto a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns do Reino Unido, a Assembleia Nacional e o Senado da França, os Parlamentos alemão e da Jordânia e a Câmara de Representantes de Marrocos. Todas as despesas inerentes ao projecto são encargo da UIP, do PNUD e da União Europeia, que financia o projecto. O que não chega para justificar o secretismo. aliás, a recente viagem a Ramallah ocorre numa altura em que o próprio Parlamento enviou uma delegação a Israel. Desde segunda-feira que estão neste país seis deputados do PSD, PS e CDS, como Pedro Alves, Duarte Marques e Michel Seufert. São seis dos mais jovens deputados, que viajam a convite do Governo de Israel. A delegação cumpre um programa apertado e intenso que inclui ainda uma visita a uma localidade do sul de Israel atingida pelos rockets do Hamas – partido político dominante em Gaza e considerado terrorista pela generalidade dos Estados. reconhece-se que a Palestina é um assunto sensível para a diplomacia portuguesa. Portugal reconhece o Estado Palestiniano e em 2010 até aumentou o nível da representação portuguesa no território, nomeando um embaixador (ministro plenipotenciário) pela primeira vez. Mas também não quer ser inimigo de Israel. de forma que a modos que temos mais uma demonstração de diplomacia assim-assim!

terça-feira, 22 de maio de 2012

Evergetismo e plutocracia


"Evergetismo", disfunção contemporânea do capitalismo, por João Pinto e Castro, Jornal de Negócios
"Felizmente, dir-se-á, nem todos os milionários têm o mau gosto de santificar as suas fortunas aplicando-as no futebol, ou a falta de senso de as usarem para conquistar poder político.
Um conhecido empresário nacional afirmou numa entrevista ser o primeiro da sua família a trabalhar em sete gerações. A diferença entre ele e os seus antepassados será mais semântica do que real, pois jamais ocorreria a Luís XIV chamar trabalho ao exercício do poder ou a actividades de representação social, que é basicamente o que os CEO hoje fazem.
Trabalho era outrora recurso de necessitados, não uma ocupação digna das classes superiores. Mas o triunfo do espírito democrático tornou o ócio vergonhoso: não trabalhar parece mal, pois equivale a viver à custa do suor alheio; de modo que a palavra trabalho abarca agora qualquer forma de agitação quotidiana e sistemática não inteiramente desonrosa.
É assim que o hiper-milionário desta era pós-ociosa circula, hoje, nos mesmos ambientes que a camada superior dos assalariados que asseguram a gestão profissional dos seus empreendimentos. Distinguir entre ambos tornou-se tarefa árdua para o povinho, para o qual presidentes executivos como António Mexia ou capitalistas como Américo Amorim são farinha do mesmo saco.
Trivializaram-se do mesmo passo certos sinais de opulência, por estarem ao alcance tanto duns como doutros. Porém, milionário a valer sabe que menos é mais: Gates, Buffet ou o malogrado Jobs vestem-se sobriamente. A farda de trabalho do super-rico contemporâneo, de que Zuckerberg vale como ícone, resume-se a jeans, t-shirt e sapatilhas.
Por outro lado, na eterna busca de bens posicionais que os distingam dos pequenos e médios ricos, cujas fileiras engrossam a olhos vistos, mansões na Côte d’Azur, iates de 150 metros e ilhas privadas não bastam hoje para sinalizar o nababo genuíno. De modo que, quem quer ser alguém, compra antes um clube de futebol, como fizeram Abramovich ou o xeque Mansour Nayhan. Ou então, imitando Berlusconi, opta por comprar um cargo de primeiro-ministro, com os resultados que se sabe. Num plano incomensuravelmente mais perverso, pode fazer como Bin Laden, que aplicou a riqueza familiar na construção de uma rede terrorista internacional dedicada a chacinar infiéis.
Felizmente, dir-se-á, nem todos os milionários têm o mau gosto de santificar as suas fortunas aplicando-as no futebol, ou a falta de senso de as usarem para conquistar poder político. Assim, Gates, Buffet, Soros e Bloomberg criaram instituições de solidariedade social dotadas de meios financeiros superiores àqueles de que muitos estados dispõem para promoverem o combate à malária ou a melhoria dos sistemas educativos.
A vulgarização das magnânimas excentricidades dos ricos faz lembrar irresistivelmente o "evergetismo", expressão cunhada pelo historiador André Boulanger para designar a prática, comum na Roma Antiga, consistente em os ricos e poderosos oferecerem generosamente à comunidade bibliotecas, templos, banhos públicos e escolas, mas também espectáculos de circo, combates de gladiadores e festividades diversas.
Implícita nestas ofertas está a mensagem: "Disponho-me a contribuir para o bem-estar da comunidade, com a condição de poder decidir como o dinheiro será gasto, visto ter provado que uso melhor os recursos financeiros do que os políticos." Ou seja, a classe dirigente reconhece ter deveres sociais, mas exige ser ela a decidir em que consistirão. O mecenato surge, assim, como uma alternativa (inteiramente satisfatória para ela) à redistribuição promovida pelo estado. Por um lado, exibe o seu poder e afirma a sua superioridade tanto material como espiritual; por outro, livra-se da má consciência que ao sucesso tantas vezes está associada e alcança o perdão dos seus privilégios.
Ora, isto mina os princípios da universalidade e da igualdade de direitos. A sociedade volta a cindir-se em dois campos: de um lado os "homens-bons" que assumem a título privado a gestão do bem-estar colectivo; do outro, uma plebe infantilizada e privada de tomar decisões de relevo no que toca à provisão de bens públicos.
Ouve-se às vezes perguntar qual será o mal de alguém acumular uma riqueza colossal, se isso não implica o empobrecimento dos seus concidadãos. A desigualdade só é nociva, diz-se, quanto resulta da miséria dos de baixo, não quando decorre do enriquecimento dos de cima. Mas o recrudescimento contemporâneo do "evergetismo" típico de sociedades plutocráticas sugere que a crescente desigualdade económica conduz em linha recta à desigual cidadania. Permanecemos na aparência iguais, mas alguns definitivamente mais iguais do que outros."

sábado, 19 de maio de 2012

A mudança, vista por Mário Soares


Vem aí a mudança, por Mário Soares, Visão
"A senhora Merkel vai sair mal da tragédia que provocou (...) E urge mudar. Porque se não o colapso europeu será tão amplo como o da velha União Soviética.
A nossa vizinha Espanha está a passar momentos difíceis. Pior do que nós. Como aliás também a Itália, o Reino Unido e a França, apesar do otimismo que lhe trouxe a vitória eleitoral de François Hollande. Mas refiro-me agora às dificuldades financeiras e ao aperto em que vivem quase todos os bancos europeus... Embora as dificuldades políticas, e sobretudo as sociais, também estejam em ebulição. O tempo o dirá.
Claro que a União Europeia (UE), por enquanto ainda está a ser comandada pela chanceler Merkel - apesar das sucessivas derrotas nos diferentes landers, que tem sofrido e começam a fazer mossa - mas por pouco tempo, como é inevitável. A chanceler ainda não foi capaz de mudar de política - como terá que fazer - para vencer a crise, que vai começar, cada vez mais, a afundar também a Alemanha. Os primeiros sinais estão já à vista.
Os quatro Estados mais poderosos da UE, depois dela - Itália, Espanha, Reino Unido e França -, obviamente que não podem ser tratados pela Alemanha, cada vez mais enfraquecida, nem pelas instituições europeias, sem qualquer visão estratégica, como foram os primeiros Estados ditos periféricos, agredidos sem mercê pelos mercados usurários: a Grécia, a Irlanda e Portugal. Porquê? Porque foram obrigados a pedir auxílio monetário, sempre a juros altíssimos, para evitar as iminentes ameaças de bancarrota.
Ora a Espanha, a Itália - e um pouco menos o Reino Unido - começam a sentir idênticas dificuldades e a ser pressionados para recorrer às execradas medidas de austeridade, as quais, como está visto e comprovado, nos conduzem a uma crescente recessão e a um desemprego nunca visto. Um beco sem saída que só agrava a crise. Quem ganha com isso? Os mercados e os magnatas que os utilizam, manobrando os Estados. Só eles!...
A França, que recomeça um novo ciclo - com um governo nos antípodas do anterior -, já se manifestou contra as medidas de austeridade e exige uma mudança da política europeia. Com razão. Não há outra maneira para vencer a crise. A oposição alemã à senhora Merkel - sociais-democratas, verdes e "piratas" - começaram a gritar que é preciso e urgente mudar de política. Na mesma linha do Presidente Hollande.
Como podem os nossos comentadores, direitinhas e ultraconservadores, pensar e dizer que a senhora Merkel vai meter na ordem François Hollande? É desconhecer a força das populações que está a surgir, por toda a parte, mesmo na América de Obama, afirmando que é indispensável mudar de política, sob pena de entrarmos todos em decadência. A Europa, a nossa União Europeia, o Estado Social, o Estado de Bem-Estar, a Democracia Social, o Estado de Direito, a Liberdade, enfim, estão a afundar-se como o velho Titanic, com a orquestra a tocar, como se nada fosse... Não é possível, ser tão irresponsável! A Europa merecia e merece melhores dirigentes.
Deixem o dinheiro e pensem nas pessoas. Os jovens espanhóis e italianos têm vindo para a rua gritar que basta de austeridade. A senhora Merkel vai sair mal da tragédia que provocou. Isso começa a ser claro. A França, por mais que custe aos seus interlocutores, terá de dar o impulso de mudança que dela é esperado. O Reino Unido, com o realismo e o sentido diplomático que lhe é peculiar, começa a perceber que urge mudar. Porque se não o colapso europeu será tão amplo como o da velha União Soviética...
Por outro lado, as instituições europeias têm de se entender com o povo europeu. Não podem propor cimeiras sobre cimeiras sem minimamente dialogar com os eleitores. Tudo passa à margem. O próprio Parlamento Europeu bem podia pedir contas à Comissão, quanto às medidas que toma, insensatas e sem lógica, e ao próprio Banco Central Europeu. Afinal, como se dizia na Revolução dos Cravos, é o Povo quem mais ordena. Ou já não será?"

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Notas da atualidade - ascendamos, Senhor!


Ainda é dia de Ascensão de Jesus Cristo quando escrevo este pequeno apontamento.
Corre um ano desde que foi aprovado o programa de ajustamento português acordado com a troika. Para a semana, na terça-feira, a troika faz-nos o favor de começar a quarta avaliação. Preocupações: os níveis de desemprego e a eventual saída da Grécia da Zona Euro.
Somente em 1988 (era Cavaco Silva primeiro-ministro deste paraíso à beira mar plantado) se conseguiu alcançar um número tão baixo de trabalhadores em Portugal. Só a construção e o imobiliário perderam 38 mil postos de trabalho no primeiro trimestre deste ano, cerca de 400 empregos por dia. No final do mês de abril, estavam inscritos nos centros de emprego do continente e regiões autónomas, 655.898 desempregados - mais 113.924 desempregados inscritos do que em abril de 2011 -, representando 83,6% de um total de 784.292 pedidos de emprego. Convertendo isto na linguagem do nosso atual Primeiro-Ministro (porque será que escrevi isto com maiúsculas?!): que extraordinárias oportunidades!
Paira uma “nuvem negra” sobre a União Europeia. Fala-se da saída da Grécia do euro. Falamos de prejuízos de que ordem? Circunscrevendo-nos às duas maiores economias do euro. A França enfrentaria um prejuízo de 66,4 mil milhões de euros. A Alemanha somaria até 89,8 mil milhões de euros. Da fatura não se livra Malta “apenas” 300 milhões de euros (que representam 4,5% do PIB), Estónia assumiria 700 milhões (4,5% do PIB) e Eslováquia a bater os 2,6 mil milhões (3,8% do PIB).
A assistir a tudo isto de plateia, o Governo soma e segue com as exceções/adaptações aos “cortes” da administração pública. A par da TAP Portugal, da SATA, da CGD e do Banco de Portugal, já temos privilégios firmados para vinte e três empresas e institutos públicos, que beneficiam de um regime “a leste” do geral: regras mais abertas e flexíveis no que toca às reduções salariais, quer dos trabalhadores, quer dos gestores (parabéns a estes últimos que tanto contribuíram para o descalabro das contas públicas!) que bem podem ver nisto “prémios de desempenho”! Ele há fenómenos ….
Passos Coelho encontra-se com Hollande, domingo, em Chicago, antes da cimeira da NATO. Agenda: crise europeia. O nosso Primeiro (porque será que continuo a escrever isto com maiúsculas?!) continua escravo do cumprimento das metas de austeridade – a apressada ratificação por Portugal do Tratado europeu foi por si só um “tratado”! – e dos tetos da dívida (agarrado ao teto e sem chão?!), enquanto François Hollande defendeu, na campanha, que o Tratado deve ser renegociado. Parece que na “carta” dirigida a Jean-Marc Ayrault, Passos disse estar convencido de que o empenho conjunto entre os dois países “dará os seus frutos para impulsionar uma nova dinâmica de crescimento, de criação de emprego e de prosperidade na Europa”. O homem de Massamá ao leme! Há nisto uma pinta de provincianismo!
E, voltando à Ascensão, estamos no caminho do céu. “Subiu abrindo o caminho na frente deles” (Mq 2, 13), Cristo. “Vou preparar-vos o lugar” (Jo 14, 2)), disse. E, pela penitência que cumprimos, suspeito que seja um “lugar” de honra. Haja paciência! E fé (não era isto que dizia a Assunção – nome apropriado ao dia – Cristas – também muito apropriado!).
“O orçamento nacional deve ser equilibrado. As dívidas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a governos estrangeiros devem ser reduzidos se a nação não quiser ir à falência. As pessoas devem, novamente, aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública.” (Cícero) – é o lembrete que deixo para o nosso primeiro (e agora em minúsculas!).

ZEGALHA E ACÍDIA: PECADOS CADA VEZ MAIS PORTUGUESES!


A zegalha e a acídia têm algo em comum. Podemos quase entendê-las como qualidades muito à portuguesa. Como "saudade" também podiam estar entre o património único, falado e sentido, dos portugueses. O Paulo Pinto disse há tempos que "o atormentou durante anos a fio, a maldita. A zegalha; uma espécie de virose pandémica que ataca o comum dos mortais, com especial incidência nos portugueses, e que durante muito tempo causou-me incómodos, ansiedade, dores de cabeça ocasionais e dinheiro desperdiçado. Sou um sortudo, vá lá, porque é um mal que pode causar a morte, própria ou alheia ou, em certos casos, lesões físicas e psicológicas profundas. A zegalha é uma doença crónica, misto de panca, estupidez, maria-vai-com-todos, ego inflamado e bravata. Uma mistura explosiva." O que me lembrou um artigo publicado há tempos aqui neste blog sobre a acídia. A tal indiferença, abatimento, torpor, depressão. O atual Catecismo da Igreja Católica apresenta como pecados ou vícios capitais: soberba, a avareza, inveja, ira, impureza, gula e preguiça ou acídia. Embora não perceba bem porque é que a preguiça aparece metida nisto, apesar de reconhecer que a acídia nos começa a entorpecer, a amolecer, a adormecer. São Tomás lá foi dizendo que a tristeza e a acídia não resultam de uma motivação exterior. Seriam assim como que um mal que aflige especialmente os solitários, a par dos tristes e dos desamados . Coisa muito portuguesa, portanto, já que, nos tempos que correm (alguma coisa ainda corre por cá?!)  não existem razões para grandes contentamentos. Estranha-se que a Igreja Católica classifique a tristeza como um pecado capital. Assim como São Gregório Magno. Ai, a tristeza! Dela provém o desespero, a timidez, o torpor, o rancor, a malícia e a divagação da mente. Isidoro dizia que a amargura provém da tristeza, advém do rancor. Ai que ódio! Logo eu que acredito que a ociosidade e a sonolência se reduzem ao torpor perante o sacro dever de procura da felicidade. Coisas há que não passam de "importunitas mentis". Sentimentos que abandonam o espírito e se perdem na inconstância. Como o conhecimento é a "curiositas"; ao falar, "verbositas"; ao corpo "inquietudo corporis"; ao peregrinar de lugar em lugar, sem sentir algum deles como "o seu lugar" é a "instabilitas", instabilidade de objectivos, de desígnios, por desapego aos que o podem desenraizar da sua confortável tristeza e mergulhar nessa desabrida aventura humanamente arriscada, irracional e ilógica, que é a felicidade. Vejo por aqui muita gente que cultiva um sentimento de direito à reivindicação da acídia. E está cheia de razão! Depois da avalanche de misérias dos últimos tempos, é certo que nos tornámos todos, variando a graduação, vítimas desta acídia. O que significa que andamos todos "em pecado". E ainda por cima: capital! Que paradoxo! Se a acídia nos incomoda sobremaneira pelo facto da constante agressividade de o estado-governo-troika nos "descapitalizarem"! Assim como assim, lembra Drummond: "Cidadezinha qualquer Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus." Tudo em pecado capital este santo povo, e logo nós que sempre fomos tão catolicozinhos.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

UE - há lugar a ideologias?


Com um Presidente francês e uma chanceler alemã politicamente opostos, a UE bem poderia aprender a discutir e a ressuscitar o interesse dos cidadãos.
O despertar dos desejos de ideologia, por Stefan Kornelius
"Quais são os limites da capacidade de consenso da União? A Europa precisará de alternativas, de confrontos, de ideologia? Quando François Hollande se lançou na campanha eleitoral com os seus cavalos de batalha socialistas, a chanceler não foi a única a mostrar o seu desagrado. Seria preciso a crise resultar num confronto em torno do credo político da direita? Estariam mais uma vez de regresso os "camaradas" e as suas ideologias cobertas de pó: os socialistas, os neoliberais, os defensores do controlo estatal e os partidários da redistribuição da riqueza?
Ao despertar os desejos de ideologia, o novo Presidente apontou involuntariamente o dedo àquilo que fazia falta na Europa: a liberdade de escolha, a polarização, o debate democrático – e, portanto, a paixão que leva as pessoas a envolver-se na política. O instinto de François Hollande provou que a paixão permitia vencer eleições.
Mas sejamos prudentes: a Europa não está suficientemente forte para acolher esse debate. Ainda não. François Hollande dar-se-á em breve conta, no seio do clube dos poderosos, de que os grandes problemas que o continente europeu enfrenta requerem grandes coligações. Realista como é, não tardará a tornar-se um mestre do consenso, ao lado da chanceler alemã. Mas, sendo como é também um idealista francês, não deveria abandonar a sua fibra ideológica. Se fossem suficientemente fortes, a Europa e as suas instituições seriam capazes de suportar a virulência política."

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Apoio a Jesuina Ribeiro - Ainda é tempo de feminismos?


Ainda há (ainda é) tempo de feminismos?
Desde 1788, data em que Condorcet reivindica direitos de participação política, emprego e educação para as mulheres, a 1840, data em que Lucrécia Mott luta pela igualdade de direitos para mulheres e negros dos Estados Unidos, a 1859, data em surge na Rússia, na cidade de São Petersburgo, um movimento de luta pelos direitos das mulheres, a 1862, data em que, nas eleições municipais, as mulheres podem votar pela primeira vez na Suécia, a 1865, data em que, na Alemanha, Louise Otto, cria a Associação Geral das Mulheres Alemãs, a 1866, data em que, no Reino Unido, John S. Mill exige o direito de voto para as mulheres inglesas, a 1869, data em que, é criada nos Estados Unidos, a Associação Nacional para o Sufrágio das Mulheres, a 1870, data em que, em França, as mulheres passam a ter acesso aos cursos de Medicina, a 1874, data em que, no Japão, foi criada a primeira escola normal para raparigas, a 1878, data em que foi criada, na Rússia, uma Universidade Feminina, a 1901, data em que René Viviani defende o direito de voto das mulheres, a Adelaide Cabete, portuguesa, médica, republicana, sufragista e maçona, foi percorrido um imenso caminho.
Há ainda (hoje e aqui) lugar para feminismos?
O Prêmio Nobel da Paz 2011 foi atribuído a três mulheres (Ellen Johnson Sirleaf, Leymah Gbowee e Tawakkul Karman) pela sua luta no feminino e do feminino. “Não podemos alcançar a democracia e paz duradoura no mundo ao menos que as mulheres obtenham as mesmas oportunidades que os homens para influenciar o desenvolvimento em todos os níveis da sociedade”, concluiu o Comité Norueguês do Nobel.
Maria Teresa Horta explicava: “Há quem defenda que já não existem razões para o feminismo! Nos EUA, em cada segundo, uma mulher  é espancada. Em cada minuto, uma mulher é violada. Será possível esquecer as violações das mulheres na guerra da Bósnia e ignorar o que se passa na Argélia? E a ablação do clitóris, diariamente praticada e que todos calam, e até aceitam, sob o pretexto da tradição e da cultura? Em Portugal, as mulheres são mais livres sexualmente? O pior são as humilhações quotidianas, neste tempo de paz podre... As mulheres são mais do que os homens nas universidades? Pois são, felizmente, mas onde estão os cargos compatíveis com os diplomas?”
Porque há, efetivamente, muito a fazer, acompanho, mais uma vez, a Jesuina Ribeiro nesta sua luta. Acredito em mulheres fortes! Em mulheres em que me revejo! Em mulheres capazes de ser a alavanca da mudança num partido que (ainda e sempre) é de causas! O partido da rosa merece uma lutadora que lute pelos direitos da mulher, pela causa da igualdade de género. Vai em frente, Jes. O momento é AGORA!

Novidades semanais


Com as eleições de 6 de maio ficou evidente a linha de rutura entre a elite do poder e os cidadãos. Talvez porque parte substancial dos primeiros vive num mundo que não é de parte substancial dos segundos. Fala-se de "viragem à esquerda" e "novo rumo para a Europa". Para manter de pé o sonho europeu há que abandonar o fundamentalismo do rigor cultivado (carinhosamente) pelas elites e encetar novas perspetivas de solidariedade e de integração verdadeiramente protetores dos cidadãos. A Europa é hoje um feudo encrustado de interesses de elites, alheada dos interesses dos cidadãos. O que este superdomingo revelou foi uma consciência inesperada de que a rutura pode ser o caminho para uma nova união (possível). O que não é, ainda,  um plebiscito negativo, é, sem dúvida, um alerta convicto. Circula, na Europa, uma petição a que chamam “da ingenuidade” cujo mote é - “Não perguntem o que é que a Europa pode fazer por vós, mas sim o que é que vocês podem fazer pela Europa”. Está assinada por um grupo de intelectuais europeus. Parte destes indaga-se “Quanto tempo mais?” tem a ditadura de Angela Merkel, que vai ficando com a sua tropa enfraquecida na Europa e se prepara para mais um revés eleitoral nas eleições da Renânia do Norte-Vestefália, a 13 de maio. À esquerda ou à direita, o que importa aos cidadãos é, primeiro, a sobrevivência à Troika, e, depois, o retorno possível (nada será como dantes!) à qualidade de vida que entendem como “mínima”.
Em Dezembro, Pedro Nuno Santos (então "vice" da bancada parlamentar do PS) disse "estou-me a marimbar para os credores", o que suscitou a indignação de algumas pseudo-virgens conformadas com a ditadura da abstenção violenta socialista. Dizer, na altura, que Portugal devia exigir outras condições no pagamento “arrepiou” a (in)disciplinada (por dentro, felizmente, vai havendo alguns indisciplinados – há esperança para o PS?) bancada parlamentar. Hoje, depois de domingo, soou o alarme com Soares a defender que o PS deve desvincular-se do acordo com a troika e o País "rasgá-lo". E António José Seguro lá vai falando conforme os outros vão falando, em jeito de boleia. Talvez sim, talvez não, ou nem por isso, diz.
Esta falta de oposição e esta incapacidade de lutar pelos direitos dos cidadãos (trauma da Europa que provocou o resultado eleitoral da França) é notória (tristemente), com as consequências da proposta de lei 46/XII, aprovada a 02 de fevereiro em Conselho de Ministros, entrada no Parlamento a 09 de fevereiro – o novo Código de Trabalho - e acabadinha de aprovar com os votos do PSD e CDS. O PS absteve-se. Ribeiro e Castro, do CDS, e 9 deputados do PS votaram contra. Depois de ter ouvido Jorge Miranda dizer que os deputados estão “domesticados”, afirmação que corroboro na sua infeliz generalidade, e que obedecem aos “diretórios políticos”, sem pestanejar, sob pena de a cadeira lhes deixar de servir de assento, renasceu a esperança quando vi Paulo Campos, Sérgio Sousa Pinto, Isabel Moreira, Isabel Santos, Renato Sampaio, André Figueiredo, Carlos Enes, Pedro Delgado Alves (o jota socialista que recomendou ao Presidente da República que retire a estátua da República depois da maioria aprovar no código do trabalho o fim do cinco de Outubro, o dia em que se comemora a implantação da República) e Rui Santos votarem contra. Políticos castrados, não!
O novo Código do Trabalho contém alterações à atual legislação laboral, e, desta nova golpada nos direitos sociais não destaco nem a questão dos feriados, nem a duração das férias, nem as “pontes”, mas a alteração na relação com a inspeção do trabalho (as empresas deixam de estar obrigadas a enviar à Autoridade para as Condições do Trabalho o mapa de horário ou o acordo de isenção de horário), o conjunto de novas regras que servem de base para o despedimento (a dispensa por inadaptação passa a ter critérios subjetivos e fica dependente da avaliação de produtividade e qualidade do trabalhador), o “preço” do trabalho suplementar (reduzido para metade: na primeira hora extra, um acréscimo de 25 por cento (contra os atuais 50 por cento) e de 37,5 por cento nas horas seguintes (contra os atuais 70 por cento) e, no trabalho suplementar ao fim de semana ou feriado, 50 por cento, contra os atuais 100 por cento); a compensação do trabalho extraordinário (que deixa de dar direito a descanso compensatório, que atualmente representa 25 por cento de cada hora de trabalho suplementar (15 minutos)); a criação de um banco de horas (após negociação, por proposta escrita, ou, se o trabalhador não responder a essa proposta, ao fim de 14 dias, tacitamente aceite) e, por fim, a alteração de critérios de extinção do posto de trabalho (com o funcionário mais novo a desocupar a linha da frente do despedimento e a permissão da aplicação de critérios arbitrários pela empresa que decide quem dispensa e deixa de ter a obrigação de procurar um posto de trabalho compatível com o trabalhador antes de o despedir). Isto, a par, do que espera os trabalhadores da Função Pública com a mobilidade geográfica forçada alargada, a mobilidade interna temporária com unidades orgânicas desconcentradas e o despedimento por acordo, faz prever “sangue”. Isto é que vai ser perseguição legitima e legitimada!
A modos que chegou a hora de dizer às elites que nos governam: "Vocês são indivíduos tristes e isolados, vocês estão falidos, o vosso papel acabou. Vão para onde vocês pertencem a partir de agora - para a lixeira da história!" (Leon Trotsky). Que a hora é dos cidadãos!

O que muda com o novo pacote laboral

Acabadinho de aprovar com os votos do PSD e CDS. O PS absteve-se. Ribeiro e Castro, do CDS, e 9 deputados do PS votaram contra. Um muito obrigado ao Paulo Campos, ao Sérgio Sousa Pinto,à Isabel Moreira, à Isabel Santos, ao Renato Sampaio, ao André Figueiredo, ao Carlos Enes, ao Pedro Delgado Alves e ao Rui Santos por terem quebrado a disciplina de voto imposta pela liderança de António José Seguro e votarem contra o novo Código do Trabalho pertenço ao grupo dos que estão fartos de tanta "abstenção violenta"!.
"A proposta de lei 46/XII, aprovada a 02 de fevereiro em Conselho de Ministros, e que deu entrada no Parlamento a 09 de fevereiro, traduz alterações à atual legislação laboral através de propostas do Executivo que foram subscritas pelos parceiros sociais, à exceção da CGTP, no 'Compromisso para a Competitividade e Emprego', assinado a 18 de janeiro.
Eis as principais alterações ao Código do Trabalho que se aplicam ao setor privado:
- Dois religiosos, dois civis. Quatro feriados vão desaparecer do calendário laboral, mas nem a Igreja nem o Estado estabeleceram ainda as datas que deixam cair, mas tudo indica que as escolhas possam recair sobre o Corpo de Deus e 15 de Agosto e 5 de Outubro e 1 de Dezembro.
- As férias ficam também mais curtas. De acordo com a proposta do Governo acabam os três dias extra por assiduidade, o trabalhador passa a ter apenas 22 dias de descanso.
- Aproveitar as pontes para alargar o fim-de-semana continua a ser possível, mas agora, os trabalhadores são obrigados a meter um dia de férias, ou então podem compensar o dia mais tarde. Se faltar e não justificar, o trabalhador perde o o salário correspondente à ausência.
- A relação com a inspeção do trabalho também muda. As empresas já não são obrigadas a enviar à Autoridade para as Condições do Trabalho o mapa de horário ou o acordo de isenção de horário.
- Ainda no rol das alterações fazem parte novas regras para o despedimento. A dispensa por inadaptação passa a ter critérios subjetivos e fica dependente da avaliação de produtividade e qualidade do trabalhador.
- O trabalho suplementar fica mais barato, é reduzido para metade. Na primeira hora extra, o valor a pagar terá um acréscimo de 25 por cento (contra os atuais 50 por cento) e de 37,5 por cento nas horas seguintes (contra os atuais 70 por cento). Caso o trabalho suplementar seja realizado ao fim de semana ou feriado, o trabalhador ganha apenas 50 por cento, contra os atuais 100 por cento;
- Trabalho extraordinário deixa de dar direito a descanso compensatório, que atualmente representa 25 por cento de cada hora de trabalho suplementar (15 minutos).
- Nas novas relações laborais, passa ainda a ser possível a criação de um banco de horas. Para isso tem de haver negociação através de uma proposta escrita. Se o trabalhador não responder ao fim de 14 dias, entende-se que foi aceite.
- Na extinção do posto de trabalho, o funcionário mais novo deixa de estar na linha da frente do despedimento. A empresa é que decide quem dispensa e deixa de ter que procurar um posto de trabalho compatível com o trabalhador antes de o despedir.
- Quem cair no desemprego também vai sentir mudanças. Em vez de 30, passa a receber 20 dias por cada ano de trabalho e o valor máximo do subsídio de desemprego desce para os 1048 euros." 

Reconfiguração da Europa/Crescimento


"Seria ilusório acreditar que a França de François Hollande, que foi eleito por apostar tudo na reativação da economia europeia, possa contornar sozinha a obstinação alemã. Para evitar no resto da Europa uma repetição do pesadelo da Grécia, onde o rigor excessivo rebentou no passado dia 6 de maio o último dos parâmetros da democracia, com uma anormal ascensão de extremistas de todos os quadrantes, Paris precisa de formar uma espécie de santa aliança. Que deve funcionar como um sólido contrapeso ao superpoder da Alemanha, que tem podido agir sem restrições porque não se deparou com uma barreira credível.
Depois de ficar claro que o caminho do crescimento dentro do rigor é estreito mas imperioso para haver um diálogo sério com Angela Merkel e que Hollande parece aceitar este caminho com convicção, o acordo com a Itália de Mario Monti, com a Comissão Europeia de José Manuel Durão Barroso, com a Espanha de Mariano Rajoy, com Portugal, a Grécia, a Bélgica, mas também a Holanda, é apenas uma questão de tempo. A cimeira extraordinária de chefes de Estado e de Governo de 23 de maio pode ser uma oportunidade para testar novas alquimias de poder, bem como receitas concretas para relançar a economia.
Miopia e egoísmos nacionais
A tarefa não é fácil. Porque há muitas ideias sobre a mesa: dos “project bonds” para financiar grandes infraestruturas, ao aumento do capital do Banco Europeu de Investimentos, à reorientação dos fundos estruturais europeus não utilizados ao imposto sobre transações financeiras. E até aos eurobonds, num futuro menos próximo. Ou ainda a introdução da regra de ouro da exclusão dos investimentos no desenvolvimento sustentável do cálculo do défice e a interpretação mais flexível do pacto fiscal, prolongando os termos de consolidação das contas públicas, tornando-o social e economicamente mais aceitável.
Estas são ideias que, de uma forma ou de outra, apelam à solidariedade e à coesão, ou seja, ao espírito europeu que faltou nos últimos dois anos de crise. Ou que só se manifestou tarde de mais, por coação dos mercados, enterrado que estava pela miopia e os egoísmos nacionais dominantes.
O crescimento é essencial, mas, para ser verdadeiramente europeu e sustentável, precisa de algo mais: uma maior integração a todos os níveis; uma reforma do estatuto do Banco Central Europeu, dos seus objetivos e margem de manobra – após dez anos do euro e da globalização das economias e dos mercados. E um modelo de sociedade e de desenvolvimento adaptado aos nossos tempos; além de união política. Sem isso, o euro dificilmente vai sobreviver por muito tempo.
O desafio é gigantesco. Passa por uma contrarrevolução cultural que faça redescobrir a Europa perdida. É possível? Certo é que o relançamento da economia é o primeiro passo para a reconciliação com os cidadãos. Um projeto que destrói o crescimento não pode seduzi-los. O resto virá por arrasto, se os governos reaprenderem a confiar uns nos outros: se todos falarem novamente em pé de igualdade, com respeito mútuo e redescobrirem o valor do interesse comum, num mundo global, onde a Europa está cada vez mais pequenina. E onde precisa de aprender a agir com rapidez.", por Adriana Cerretelli, Il Sole

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Carta de Alexis Tsipras (Syriza) aos "dirigentes" europeus


Em Fevereiro  Alexis Tsipras, dirigente do Syriza, endereçou uma carta aos chefes dos estados-membros do Eurogrupo, ao presidente da Comissão Europeia, ao presidente do Conselho Europeu,  e ao presidente do Parlamento Europeu, explicando muito bem ao que vinha e que o governo da ND/PASOK e outros não tinha legitimidade democrática para assinar compromissos internacionais.
Hoje andam a fazer de conta que não leram. A democracia quando é contra nós é uma coisa muito aborrecida.
A Carta de Alexis Tsipras
"Excelentíssimos senhores e senhoras,
Envio-vos esta carta para alertar-vos para uma questão de ordem democrática de urgente importância para a Grécia. Tem a ver com o compromisso assumido nos últimos dois dias pelo governo Papademos, chefiado pelo sr. Lucas Papademos. Permitam-me que vos recorde que se trata de um governo não-eleito, que não tem apoio popular e atuou consistente e conscientemente contra a vontade do povo grego. Este governo não tem legitimidade democrática para comprometer este país e o seu povo nos próximos anos e as próximas gerações. Este défice de legitimidade está em conflito com a rica tradição democrática dos vossos próprios países. A manter-se desta forma, tornar-se-á um mau precedente para a Grécia e para o conjunto da Europa, que, acima de tudo, têm uma herança comum de tradições políticas e democráticas que precisam ser respeitadas. Por maior que possa ser a gravidade das circunstâncias atuais – em relação às quais há espaço para divergência de opiniões – elas não podem de forma alguma cancelar a democracia.
A falta de legitimidade democrática do governo Papademos deriva dos seguintes factos:
– Os dois partidos políticos que apoiam o governo e participam nele não têm mandato popular para comprometer a Grécia com tratados e acordos desta natureza. Os seus representantes foram eleitos nas últimas eleições de outubro de 2009, baseados em programas políticos totalmente contrários às políticas que foram seguidas pelo anterior governo de Papandreu, bem como às que estão a ser negociadas hoje com a UE, a troika e o FMI pelo atual governo. Os dois partidos que hoje constituem o atual governo têm um registo histórico de pilhagem dos recursos públicos e são responsáveis pela atual situação económica.
– O povo grego foi sistematicamente desinformado e enganado sobre a intensidade e a duração das medidas de austeridade, desde a sua primeira implementação em 2010. Consequentemente, retirou a confiança no sistema político grego. Mais ainda, o amplamente admitido – dentro do nosso país e no exterior – fracasso óbvio destas medidas para enfrentar com sucesso os problemas fiscais que supostamente resolveriam nestes últimos dois anos e no período de cinco anos de aprofundamento constante da recessão, legitimou mais ainda a exigência de uma mudança de política, de forma a restaurar um crescimento socialmente justo e, assim, a perspetiva de uma racionalização fiscal.
– Mais especificamente: o governo não-eleito de Papademos apenas fornece um mínimo de informação, às vezes mesmo enganadora, no que diz respeito ao acordo que secretamente negoceia. Não iniciou, nem permitiu que começasse qualquer discussão informativa e pública acerca dos compromissos de longo prazo extremamente graves que se seguem. A Democracia Grega foi assim privada do direito, protegido constitucionalmente, de fazer uma avaliação detalhada das consequências do acordo assinado. O chamado “segundo resgate” foi votado através de processo ultra-expedito de emergência, no quadro de uma sessão parlamentar num domingo. O principal objetivo desta sessão foi a exigência, feita pelo governo, de uma autorização que é uma carta branca para assinar documentos quase em branco, que vão comprometer o país nos anos vindouros.
– Apesar do nível de falta de informação sobre estes acordos, o seu conteúdo parece ser tal que compromete o povo grego para as gerações vindouras. Para um tal compromisso, qualquer governo deveria pelo menos pedir um claro e renovado mandato.
– Apesar do nível de falta de informação sobre os movimentos do governo, a vontade do povo grego, expressa numa multitude e variedade de formas, é quase unânime em se opor a eles. Especificamente, durante os últimos dois anos, o povo da Grécia, por todo o país, demonstrou a sua oposição às políticas do governo, através de, entre outros meios, repetidas greves gerais e manifestações, ocupações, envio de cartas e mensagens eletrónicas, e outras formas de comunicação pessoal com os deputados. O governo grego não só escolheu ignorar a voz do seu povo, como também tentou mesmo sufocá-la, por vezes até de forma violenta, para dar continuidade, de forma antidemocrática, às políticas que se demonstraram desastrosas para a sociedade e a economia gregas.
Por todos os motivos acima expostos, notifico-vos que o povo grego, assim que restaurar o direito de exprimir democraticamente a sua vontade e reconquistar o controlo sobre as instituições democráticas, irá com toda a probabilidade reservar o seu reconhecimento ou o cumprimento destes acordos que o atual governo planeia aceitar. Especificamente, o povo grego não aceitará qualquer perda de soberania, o envolvimento estrangeiro em assuntos internos da Grécia ou a venda em larga-escala das empresas públicas, da terra e de outros bens que o atual governo se prepara para aceitar." Alexis Tsipras, Presidente do grupo parlamentar do Syriza