A zegalha e a acídia
têm algo em comum. Podemos quase entendê-las como qualidades muito à
portuguesa. Como "saudade" também podiam estar entre o património
único, falado e sentido, dos portugueses. O Paulo Pinto disse há tempos que
"o atormentou durante anos a fio, a maldita. A zegalha; uma espécie de
virose pandémica que ataca o comum dos mortais, com especial incidência nos
portugueses, e que durante muito tempo causou-me incómodos, ansiedade, dores de
cabeça ocasionais e dinheiro desperdiçado. Sou um sortudo, vá lá, porque é um
mal que pode causar a morte, própria ou alheia ou, em certos casos, lesões
físicas e psicológicas profundas. A zegalha é uma doença crónica, misto de
panca, estupidez, maria-vai-com-todos, ego inflamado e bravata. Uma mistura
explosiva." O que me lembrou um artigo publicado há tempos aqui neste blog
sobre a acídia. A tal indiferença, abatimento, torpor, depressão. O atual
Catecismo da Igreja Católica apresenta como pecados ou vícios capitais:
soberba, a avareza, inveja, ira, impureza, gula e preguiça ou acídia. Embora
não perceba bem porque é que a preguiça aparece metida nisto, apesar de
reconhecer que a acídia nos começa a entorpecer, a amolecer, a adormecer. São
Tomás lá foi dizendo que a tristeza e a acídia não resultam de uma motivação
exterior. Seriam assim como que um mal que aflige especialmente os solitários,
a par dos tristes e dos desamados . Coisa muito portuguesa, portanto, já que,
nos tempos que correm (alguma coisa ainda corre por cá?!) não existem razões para grandes
contentamentos. Estranha-se que a Igreja Católica classifique a tristeza como
um pecado capital. Assim como São Gregório Magno. Ai, a tristeza! Dela provém o
desespero, a timidez, o torpor, o rancor, a malícia e a divagação da mente. Isidoro
dizia que a amargura provém da tristeza, advém do rancor. Ai que ódio! Logo eu
que acredito que a ociosidade e a sonolência se reduzem ao torpor perante o
sacro dever de procura da felicidade. Coisas há que não passam de "importunitas
mentis". Sentimentos que abandonam o espírito e se perdem na inconstância.
Como o conhecimento é a "curiositas"; ao falar,
"verbositas"; ao corpo "inquietudo corporis"; ao peregrinar
de lugar em lugar, sem sentir algum deles como "o seu lugar" é a
"instabilitas", instabilidade de objectivos, de desígnios, por
desapego aos que o podem desenraizar da sua confortável tristeza e mergulhar
nessa desabrida aventura humanamente arriscada, irracional e ilógica, que é a
felicidade. Vejo por aqui muita gente que cultiva um sentimento de direito à
reivindicação da acídia. E está cheia de razão! Depois da avalanche de misérias
dos últimos tempos, é certo que nos tornámos todos, variando a graduação,
vítimas desta acídia. O que significa que andamos todos "em pecado".
E ainda por cima: capital! Que paradoxo! Se a acídia nos incomoda sobremaneira
pelo facto da constante agressividade de o estado-governo-troika nos
"descapitalizarem"! Assim como assim, lembra Drummond:
"Cidadezinha qualquer Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai
devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus." Tudo em
pecado capital este santo povo, e logo nós que sempre fomos tão catolicozinhos.