sábado, 19 de maio de 2012

A mudança, vista por Mário Soares


Vem aí a mudança, por Mário Soares, Visão
"A senhora Merkel vai sair mal da tragédia que provocou (...) E urge mudar. Porque se não o colapso europeu será tão amplo como o da velha União Soviética.
A nossa vizinha Espanha está a passar momentos difíceis. Pior do que nós. Como aliás também a Itália, o Reino Unido e a França, apesar do otimismo que lhe trouxe a vitória eleitoral de François Hollande. Mas refiro-me agora às dificuldades financeiras e ao aperto em que vivem quase todos os bancos europeus... Embora as dificuldades políticas, e sobretudo as sociais, também estejam em ebulição. O tempo o dirá.
Claro que a União Europeia (UE), por enquanto ainda está a ser comandada pela chanceler Merkel - apesar das sucessivas derrotas nos diferentes landers, que tem sofrido e começam a fazer mossa - mas por pouco tempo, como é inevitável. A chanceler ainda não foi capaz de mudar de política - como terá que fazer - para vencer a crise, que vai começar, cada vez mais, a afundar também a Alemanha. Os primeiros sinais estão já à vista.
Os quatro Estados mais poderosos da UE, depois dela - Itália, Espanha, Reino Unido e França -, obviamente que não podem ser tratados pela Alemanha, cada vez mais enfraquecida, nem pelas instituições europeias, sem qualquer visão estratégica, como foram os primeiros Estados ditos periféricos, agredidos sem mercê pelos mercados usurários: a Grécia, a Irlanda e Portugal. Porquê? Porque foram obrigados a pedir auxílio monetário, sempre a juros altíssimos, para evitar as iminentes ameaças de bancarrota.
Ora a Espanha, a Itália - e um pouco menos o Reino Unido - começam a sentir idênticas dificuldades e a ser pressionados para recorrer às execradas medidas de austeridade, as quais, como está visto e comprovado, nos conduzem a uma crescente recessão e a um desemprego nunca visto. Um beco sem saída que só agrava a crise. Quem ganha com isso? Os mercados e os magnatas que os utilizam, manobrando os Estados. Só eles!...
A França, que recomeça um novo ciclo - com um governo nos antípodas do anterior -, já se manifestou contra as medidas de austeridade e exige uma mudança da política europeia. Com razão. Não há outra maneira para vencer a crise. A oposição alemã à senhora Merkel - sociais-democratas, verdes e "piratas" - começaram a gritar que é preciso e urgente mudar de política. Na mesma linha do Presidente Hollande.
Como podem os nossos comentadores, direitinhas e ultraconservadores, pensar e dizer que a senhora Merkel vai meter na ordem François Hollande? É desconhecer a força das populações que está a surgir, por toda a parte, mesmo na América de Obama, afirmando que é indispensável mudar de política, sob pena de entrarmos todos em decadência. A Europa, a nossa União Europeia, o Estado Social, o Estado de Bem-Estar, a Democracia Social, o Estado de Direito, a Liberdade, enfim, estão a afundar-se como o velho Titanic, com a orquestra a tocar, como se nada fosse... Não é possível, ser tão irresponsável! A Europa merecia e merece melhores dirigentes.
Deixem o dinheiro e pensem nas pessoas. Os jovens espanhóis e italianos têm vindo para a rua gritar que basta de austeridade. A senhora Merkel vai sair mal da tragédia que provocou. Isso começa a ser claro. A França, por mais que custe aos seus interlocutores, terá de dar o impulso de mudança que dela é esperado. O Reino Unido, com o realismo e o sentido diplomático que lhe é peculiar, começa a perceber que urge mudar. Porque se não o colapso europeu será tão amplo como o da velha União Soviética...
Por outro lado, as instituições europeias têm de se entender com o povo europeu. Não podem propor cimeiras sobre cimeiras sem minimamente dialogar com os eleitores. Tudo passa à margem. O próprio Parlamento Europeu bem podia pedir contas à Comissão, quanto às medidas que toma, insensatas e sem lógica, e ao próprio Banco Central Europeu. Afinal, como se dizia na Revolução dos Cravos, é o Povo quem mais ordena. Ou já não será?"