quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Zeca - de novo!

ZECA – A CANÇÃO

25 anos volvidos sobre a sua morte, “o rosto da utopia” Zeca Afonso suscita-nos a reflexão sobre o momento presente. Em “As Memórias de uma aula de Zeca Afonso em Setúbal, em 1967 (Hélida Carvalho Santos), Zeca recusava-se a ser cúmplice paralisado e indiferente da “fantochada sem interesse” própria do regime salazarista.Num claro momento em que o clima nacional se presta a desânimos e a desilusões o Zeca tem esse dom de despertar em nós a inquietude com tom de revolta. Fazem-nos falta as suas canções com nuances de gritos manchados de dor. A dor do que leva e ao que conduz a falta do pão na mesa.

Haveria, na altura, mais razões para se dizer “O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar álibis para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado! (…) Acho que, acima de tudo, é preciso agitar, não ficar parado, ter coragem, quer se trate de música ou de política. E nós, neste país, somos tão pouco corajosos que, qualquer dia, estamos reduzidos à condição de ‘homenzinhos’ e ‘mulherzinhas’. Temos é que ser gente, pá!”? (entrevista a Viriato Teles, in «Se7e», 27/11/85).

E, contudo, hoje, ante o silêncio e o conformismo de um povo que sangra e que sofre sem um ai e sem um ui as suas canções retomam força e propriedade.

Essa voz do silêncio e esse conformismo suscitam-nos alguma tristeza.

Poderemos dizer, como ele “Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é que fica.”? (entrevista a Viriato Teles, in «O Jornal», 27/4/84).

Cremos que não. O peso da omissão custa-nos tanto quanto lhe custava a ele a omissão de um povo constrangido pela opressão externa, a par da interna. Os gritos que hoje se ouvem comovem-nos? Ou esbarram na cortina do silêncio?

“Quando as pessoas param há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político, como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os alíbis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta” (dizia ele ainda na mesma entrevista).

É talvez com este registo que nos devemos demorar.

Talvez devêssemos demorar-nos na enormidade da força de uma canção.

Talvez devêssemos gritando a cantar.

Talvez devêssemos Ser, de novo, “O rosto da utopia”.

Como o Zeca.

Afinal, já lá vão 25 anos. E hoje o seu grito é o nosso grito. Há que fazer dele a nossa canção.