sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Rui Pereira sobre Mário Soares «um político assume-se»

Artigo do Rui Pereira sobre Mário Soares, a propósito da biografia «Mário Soares, um político assume-se»
~«por que razão identificamos nós o autor como um grande político? O que distingue, afinal, um "grande político" de um político vulgar? O que torna alguém que se dedique à vida pública digno do reconhecimento dos seus concidadãos e do registo da História? Serão as vitórias eleitorais, os cargos ocupados, o carisma ou qualquer outra qualidade?»
O ensaio ilustra, em primeiro lugar, a notável longevidade política de Mário Soares. As suas memórias estendem-se por cerca de 70 anos, percorrendo factos tão importantes como a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra de África, a Revolução de Abril, a descolonização, a integração europeia, a queda do muro de Berlim e, agora, a crise económica global. De uma ou de outra forma, Mário Soares nunca se resignou a ser espectador desses factos. Interveio activamente, tomou partido e, em vários casos, influiu no curso da História.
Mas aquilo que verdadeiramente identifica um grande político – e está presente em Mário Soares de modo manifesto e em doses invulgares – é a sua capacidade de antecipar acontecimentos e ter razão antes de tempo. Contra a corrente ou, no mínimo, enfrentando duros ataques, opôs-se à ditadura, defendeu a autodeterminação das colónias, fundou uma oposição democrática radicada na social-democracia (ou no "socialismo democrático"), contribuiu decisivamente para a instituição do regime democrático e conduziu o processo de adesão de Portugal à CEE.
Em todo o longo caminho que já percorreu, Mário Soares nunca receou estar em minoria. Defendeu sempre com desassombro aquilo em que acreditava, arriscando, por vezes, a sua própria liberdade, e acabou por ver a História dar-lhe quase sempre razão. A terminar o seu ensaio, deixa um prognóstico infelizmente não muito arriscado: confessa temer que os próximos anos sejam particularmente difíceis, contrariando as esperanças que nutrimos nos últimos anos do século passado. Todos gostaríamos que o autor estivesse enganado, mas temo que tenha razão.»