Renegociar as PPP: passar culpas ou coragem?, por Daniel Oliveira, Expresso
«A ministra da Justiça enviou para o Procurador Geral da República os contratos de Parecerias Público-Privadas que permitiram leoninos arrendamento que esmifram os dinheiros públicos e que foram assinados no governo anterior. Tem direito ao meu aplauso de pé. É assim mesmo, na justiça, que se tem responsabilizar quem usa o Estado para negócios menos claros. Espero que a PGR e os tribunais não demorem tanto tempo a chegar a uma conclusão que, quando lá chegarem, de nada sirva.
Apenas lamento uma coisa: que estas decisões sejam sempre um pouco seletivas. Ou seja, que se limitem sempre ao governo anterior quando o governo anterior é de um partido diferente. As PPP começaram na fase final do consulado de Cavaco Silva para construir uma ponte sobre o Tejo. Sabe-se que o acordo então assinado foi de tal forma vergonhoso que teve de ser renegociado várias vezes. O seu promotor, o então ministro das Obras Públicas Joaquim Ferreira do Amaral, acabou sentado na presidência do Conselho de Administração da Lusoponte.Continuaram de forma desenfreada no governo de António Guterres. Para cumprir o défice, o Estado, em vez de se endividar para investir, entregava a construção e exploração de uma obra pública a um privado e ainda o compensava por possíveis perdas durante décadas. Ou seja, endividava-se muitíssimo mais, escondia a despesa, dava espaço para todo o género de negócios pouco claros e promovia um espírito rentista e parasitário nas maiores empresas nacionais. Ao mesmo tempo que promovia o endividamento dos seus parceiros privados, com custos para o País. O governo de Durão Barroso continuou o esquema com o mesmo empenho. E o de Sócrates também.
As PPP, em vez de serem a exceção, transformaram-se na regra para todo o tipo de investimento, fossem eles obras ou, como é este caso, simples arrendamentos. Foram e são um dos principais factores de opacidade dos negócios do Estado e de mau endividamento público, privado e externo. São, em geral, um cancro para as contas públicas e para a economia.
Apesar da decisão de Paula Teixeira da Cruz ser correta, parece-me que devemos exigir muito mais. Da mesma forma que a ministra renegociou muitos contratos, tendo, segundo a própria, poupado seis milhões de euros ao erário público, é inaceitável que o Estado não faça o mesmo com tudo o resto. Que não reveja de fio a pavio todos os contratos deste género que governos do PS e do PSD assinaram, os renegoceie com determinação e, no caso muito provável de ali encontrar sinais de um comportamento danoso para o Estado por parte dos que deviam ter defendido os seus interesses, recorra à justiça. Sejam os responsáveis de que partido forem. Estaríamos então perante uma mudança radical do comportamento do Estado, com enormes ganhos para os seus cofres e a possibilidade de pedir menos sacrifícios aos portugueses. Com esta seletividade, a coisa soa mais a "spin" para passar culpas.»