"O homem é um animal essencialmente político", disse Sócrates. Os tempos que atravessamos exigem de todos os cidadãos uma intervenção activa. Impõe-se a cidadania. Sempre que um maçon se omite do exercício da sua responsabilidade de cidadão renuncia aos princípios que ajuramentou, a começar, desde logo, pelos direitos à liberdade de expressão e à democracia. Viver num Estado de Direito Democrático não pode acobertar inacções e omissões relativamente a quadros jurídico-constitucionais que colocam em causa esse mesmo Estado de Direito. Ficar calado e quieto será cómodo mas não é posição que se compagine com os ideais que jurámos defender. Quando estão em causa o normal funcionamento das instituições democráticas, e, igualmente, em paralelo, os valores, atitudes e acções próprias da vivência em normalidade democrática, o silêncio é um direito que não temos. Dir-se-à que depende do perfil de cada maçon e que quem não é socialmente interventivo se limita a continuar a não o ser depois de se tornar maçon. E o que ajuramenta ele? Os rituais falecem no exacto momento em que nada percebeu ou assimilou do que ajuramentou. Silenciarmo-nos ante a instalação de macro interesses, designadamente económico-financeiros, e assistirmos, impávidos, à destruição do Estado Social como se nada fosse connosco, remete-nos para omissões passadas registadas na História, incluindo a custo da vida dos maçons [e bastaria lembrar a resistência em época de ditadura e, in extremis, o nazismo] É certo que, regista o poema; ("Primeiro levaram os judeus, Mas não falei, por não ser judeu. Depois, perseguiram os comunistas, Nada disse então, por não ser comunista, Em seguida, castigaram os sindicalistas Decidi não falar, porque não sou sindicalista. Mais tarde, foi a vez dos católicos, Também me calei, por ser protestante. Então, um dia, vieram buscar-me. Mas, por essa altura, já não restava nenhuma voz, Que, em meu nome, se fizesse ouvir." [Poema de Martin Niemoller]). É também certo que os tempos fazem-nos adivinhar políticas sectárias e segmentárias que podem ameaçar a liberdade em que vivemos. a nossa vez pode chegar. Basta pensar nas várias tentativas que têm vindo a ser feitas, do género da intentona de José Cabral, para que maçons - porque é a eles especificamente que tais propostas de lei se dirigem - sejam "obrigados" a declarar a sua condição de maçons. Talvez seja este um dos maiores paradoxos do actual estado de coisas. Interrogo-me como se declara uma condição intrínseca à nossa existência e que nos acompanha a par do ar que respiramos. Com a mesma necessidade e naturalidade. Por mim, ninguém deveria ser obrigado a afirmar essa condição pelo simples motivo de que ela nos devia estar no rosto sem a denunciarmos. Ela devia transparecer dos mais pequenos gestos e das acções mais notórias. Calar a voz dos livres pensadores não é uma forma de vida aceite. Venha a ordem do sistema ou dentro de cada um. Quem se presta a viver numa omissão tal deve perguntar-se se é, mesmo, de facto, um maçon, Se vestiu essa pele quando foi investido dessa condição. Provavelmente, a tanto sigilo está agarrada uma condição mal assimilada e mal vivida. Como se esconde a cor da pele? Porquê abafar algo que, supostamente, só nos deveria dignificar, quer a nós quer à sociedade. Será que a luta dos maçons em tempos de ditadura se faz para se ter o direito a esconder essa qualidade já em tempos de Democracia? Essa posição é dificilmente sustentável. Por isso, defendo que, nos tempos que correm, o silêncio (já) não serve. Os regimes não democráticos (e evito apelidar alguns casos de "ditaduras", apenas porque divergem em termos de Ciência Política, muito embora, às vezes, não passem de artíficios de democracias muito mal conseguidos e disfarçados) institucionalizam-se pelo "poder da força", sobretudo pela força das ideias. Resta-nos - não existe sequer outro cenário pensável ante os propósitos que estiveram na base da formação da Maçonaria - combater essas tentativas de "forças institucionalizadas" com o "poder das ideias" e com a força da acção. De uma posição activa e interventiva que compele o Maçon a trazer as suas ferramentas para a sociedade civil. Polindo-a. Desbastando-a. Transformando-a. A Maçonaria foi, em tempos idos, Escola de livres pensadores. Tem de voltar a sê-lo. Homens a quem os interesses, sejam eles de que índole forem, não resgatam e não compram. Os Maçons de hoje são chamados a defender, no dia a dia, na sua vivência em sociedade civil, como os de outrora, os ideais de liberdade, de igualdade e de fraternidade. Assiste-lhes, pois, o dever de não renunciar aos princípios de "liberdade", de "democracia" e de "república", tornando-os pedras vivas fora do Templo - até porque o são adentro do seu templo interior - sob pena de renunciando ao exercício livre da sua própria cidadania, faça som morto da sua condição maçónica. É que o Maçon está ligado umbilicalmente a essa ideia da livre cidadania. É-lhe intrínseco o papel de "homnm do leme". Só assim a sociedade compreenderá que a liberdade democrática não é letra morta mas som vigoroso e firme. E que a nossa forma de a praticar, vinte e quatro horas por dia, resulta dessa escolástica "entre colunas"! Esta intrépida defesa pelo ideal democrático, enquanto único regime tolerante de uma Maçonaria aberta, impõe-se como uma "virtude". O Maçon, enquanto homem, não pode ser um "ignorante político", já que se arroga a ser um "homem livre". Ser livre e de bons costumes em nada se coaduna com a frequência periódica de liturgias. Pura e simplesmente porque as reduz, pela sua inacção, a coisa nenhuma. Perceber os símbolos passa por trazê-los agarrados à nossa pele e por não abdicar de os respirar e transpirar por um minuto que seja. Aquele que, na sua vida de cidadão livre, informado e interventivo, age politicamente (numa dinâmica comunitária), propugna pelos ideais de liberdade (democracia plena), igualdade (justiça social) e fraternidade (realização coletiva), entendeu o que é ser maçon. Aos demais resta a sua condição de não-mortos. Passou-lhes despercebido o significado iniciático que transforma o Homem por dentro para que ele depois transforme a sociedade. Sempre que um Maçon enjeite o exercício desses seus deveres, a que aderiu aquando da sua Iniciação - o que é cumprir a Lei do País? - comete um perjúrio e faz dele um apátrida. Sem terra maçónica. Faz dele apenas pó. E com estas palavras suscito o pensamento de hoje: saibamos ser cidadãos plenos, com todas as implicações que daí advém, porque foi isso também exactamente o que jurámos!