terça-feira, 28 de dezembro de 2010

SOBRE CAVACO SILVA ... ENSAIO DE LUCIDEZ DE DEFENSOR DE MOURA

Assumo, fui provavelmente dos primeiros militantes do PS a assumi-lo, que votarei Manuel Alegre, por motivos sobejamente explicados. O que não impede que admire e respeite a lucidez deste texto publicado por João Soares de Defensor de Moura. Vai na íntegra.
"Esclarecimento. Depois do debate com Cavaco Silva, um jornal diário de Lis...boa solicitou-me uma entrevista para esclarecimento de algumas das afirmações feitas, a que eu acedi imediatamente porque, o escasso tempo concedido aos candidatos na TV é insuficiente para a cabal explanação dos temas abordados.
Infelizmente, hoje verifico que, certamente por falta de espaço, as minhas afirmações foram muito reduzidas por aquele jornal e, por isso, decidi publicitar o meu resumo da citada entrevista: Disse que Cavaco Silva não é isento nem leal, favoreceu amigos e correligionários e tolerou e beneficiou com negócios considerados ilícitos pela justiça, além de lhe faltar cultura política para se identificar com eventos relevantes da história recente do país, tendo eu afirmado que esses atributos são importantes na avaliação dos candidatos ao cargo de Presidente da República. Informei ainda o referido jornal que, no Dia de Portugal de 2008, recusei a comenda de Grande Oficial da Ordem de Mérito, que o Presidente da República me quis atribuir, não só por considerar que o trabalho em Viana do Castelo tinha sido realizado por uma vasta equipa e não apenas por mim mas, também, por não aceitar ser distinguido por quem tinha tido uma série de atitudes pouco edificantes durante a preparação do evento. No debate televisivo, fiz referência a vários factos ocorridos durante a preparação do Dia de Portugal em Viana do Castelo em 2008 que, na minha opinião, demonstram claramente que Cavaco Silva não tem perfil para ser PR e que só naquele momento, “olhos nos olhos” com o agora recandidato, senti o dever cívico de os revelar para que os portugueses o conheçam melhor, ultrapassando o poderoso aparelho de propaganda que lhe construiu a imagem de isenção e seriedade que “só em duas vidas” os outros portugueses poderiam alcançar. A falta de isenção de Cavaco Silva foi revelada quando recusou o convite (mostrado ao jornalista) que lhe fiz para realizar o Dia de Portugal em Viana do Castelo em 2009, para encerrar as comemorações dos 750 anos do Município, antecipando-o para 2008. Na altura o PR alegou que, sendo 2009 ano de eleições autárquicas não queria beneficiar nenhum município e, por isso, as comemorações seriam realizadas em Lisboa, com carácter mais nacional. Afinal, em 2009 as comemorações realizaram-se num município liderado pelo PSD. Para demonstrar o seu favorecimento de amigos e correligionários, considerei suficiente mostrar ao jornalista a proposta feita à Câmara Municipal pela Presidência da República para se contratar a fadista, que tinha sido mandatária da juventude na candidatura de Cavaco Silva, para um espectáculo público em Viana do Castelo. A proposta indicava ainda um maestro e um palco especial para a actuação, tudo orçado em mais de 90 mil euros, com Iva incluído. A Autarquia recusou a proposta presidencial e realizou um espectáculo, de não menor qualidade, com artistas vianenses, que custou apenas seis mil e quinhentos euros. Mas o despesismo da Presidência de Cavaco Silva, ainda foi mais exuberante no arranjo da sala para a cerimónia solene do Dia de Portugal. Não foi aceite a proposta da autarquia de a realizar no magnífico Teatro Municipal e, o arquitecto da equipa do PR, fez um projecto de decoração interior de um pavilhão de exposições, que constituiu uma verdadeira tenda gigante e que orçou em 165 mil euros, para um acto de apenas uma hora e meia! Apesar de eu ter resistido o mais que pude a realizar tão grande despesa e até ter discutido o orçamento com a empresa, que fora indicada pela equipa presidencial, a Câmara Municipal teve de assumir aquele encargo perante a exigência presidencial da maior dignidade para as comemorações, sempre com a “ameaçadora hipótese” de o evento poder ser transferido para outra cidade. A propósito da dispendiosa tenda alugada e paga por Viana do Castelo, cumpre-me denunciar que, numa clara atitude de favorecimento da Presidência de Cavaco Silva, uma tenda semelhante e para o mesmo acto em 2009, foi financiada pela Presidência da República e não pela autarquia liderada pelo PSD, certamente porque Cavaco Silva já começava a ter “preocupações com a pobreza e a fome”, que agora sem pudor utiliza na campanha eleitoral , e decidiu poupar aquela despesa ao município amigo.
Mas, ainda tivemos de recusar outras dispendiosas propostas da Presidência da República, substituindo-as por realizações menos onerosas para a autarquia, como por exemplo um espectáculo multimédia para os convidados da Presidência que custava mais de 60 mil euros, substituída por uma sessão de fogo de artifício orçada em 14 mil euros, que foi oferecida aos convidados do PR e ao público vianense.
Por toda esta evidente diferença de postura, quer na gestão de dinheiros públicos, quer de isenção no exercício de cargos oficiais, achei muito estranha a vontade de Cavaco Silva me condecorar no Dia de Portugal e, em carta dirigida ao Chefe da Casa Civil, que mostrei ao jornalista como toda a correspondência relativa aos factos relatados, comuniquei que recusava receber a comenda de Grande Oficial da Ordem de Mérito.
Refira-se que estes factos ficaram sempre no restrito âmbito do meu gabinete e da vereação, porque entendi que a sua revelação perturbaria o evento que todos os vianenses desejavam ser um sucesso para o município, com foi.
Só agora decidi revelá-los, olhos nos olhos com o recandidato, por serem factos indesmentíveis e nesta altura de escolha do novo PR sentir a obrigação cívica de revelar a falta de isenção e lealdade, favorecimento e despesismo de Cavaco Silva no exercício do cargo, atributos absolutamente contrários aos que ele com despudor se atribui publicamente.
Sobre a deslealdade institucional de Cavaco Silva com o Governo, na inventona das escutas e não só, e, também, a deslealdade pessoal com os seus correligionários Fernando Nogueira e Santana Lopes, bem como sobre a forma como pactuou com os responsáveis do BPN e teve chorudos benefícios com as acções da SLN, que qualquer leigo só considera possíveis com negócios ilícitos, são factos do conhecimento público que referi de passagem no debate e a que nada pretendo acrescentar.
Devo dizer, no entanto, que ao longo dos anos, vários factos semelhantes me foram relatados por autarcas e outros protagonistas políticos que, por razões diversas, não foram revelados.
A terminar quero refutar veementemente a acusação de Cavaco Silva de que estarei a participar numa campanha suja contra o ainda Presidente da República, afirmando sem temor que sujas e altamente criticáveis foram estas e outras atitudes de Cavaco Silva no exercício do mandato presidencial e, com esta minha denúncia, pretendo que os portugueses fiquem a saber que o agora recandidato não é aquele político exemplar e acima de todas as suspeitas que a sua propaganda divulga há quase três décadas.
Estando disponível para qualquer esclarecimento complementar, apresento os melhores cumprimentos. Defensor Moura, 27. Dezembro. 2010"

"Porque já é difícil levar Cavaco a sério? "


O artigo é de João Lemos Esteves, no Expresso, hoje. Vai transcrito na íntegra.
"1.Cavaco Silva promulgou a lei que altera as regras do financiamento do Estado ao ensino privado e cooperativo. Após ter aberto a porta ao veto político do diploma há cerca de uma semana. Justificação: o Governo e a presidência da república estabeleceram nos últimos dias contactos que resultaram numa melhoria significativa da solução legislativa, com a consagração do princípio da estabilidade contratual e um regime de transição razoável. Ressalva, ainda, o comunicado da presidência da República que o PR não se imiscuiu na competência política exclusiva do governo e as suas reservas iniciais sobre o diploma foram sanadas.
2. Segundo o que consegui apurar, o diploma promulgado ontem corresponde, no essencial, à versão inicial proposta pelo Governo. As alterações alegadas pela Presidência da República foram mínimas. E como não conhecemos na íntegra as (potenciais) duas versões do diploma, não podemos fazer um juízo de valor sobre o mérito dessa figura inusitada da prática constitucional que são as " conversações governo - PR" sobre soluções legislativas, tão querida a Cavaco Silva. Podemos, porém, analisar o comportamento do atual (e mais que provável futuro) Presidente da República. Sejamos claros: Cavaco não fica nada bem na fotografia ao promulgar o diploma. Porquê? Vejamos.
2.1. Em primeiro lugar, Cavaco confirma que faz uma interpretação ultra-limitativa dos poderes presidenciais. Ora, o PR manifestou reservas quanto ao conteúdo do diploma que altera o financiamento das escolas privadas e cooperativas há uma semana. O espírito da solução legislativa é o mesmo - por muito que se diga que falou com o Governo e chegou a uma solução conjunta razoável. Então, decide promulgar? Sem manifestar nenhuma discordância? E o comunicado é manifestamente insuficiente - quando se diz que uma certa solução legislativa é má e, volvida uma semana, afinal, chega-se à conclusão que garante a estabilidade contratual, deve-se elencar os argumentos que sustentam tal mudança. Explicar porque razão as reservas do PR desapareceram ou não tinham razão de ser. Já sabíamos que Cavaco não tem qualquer problema em promulgar diplomas com os quais discorda profunda e completamente, alegando a crise económica e social (mesmo quando versam sobre valores e questões sociais, como no caso dos casamento entre pessoas do mesmo sexo). Já sabemos que Cavaco promulga diplomas, discordando frontalmente do seu mérito e temendo as suas consequências (vide a lei do financiamento partidário). Ficamos agora a saber que Cavaco promulga diplomas, só porque o Governo o contatou antes. Dá a ideia que Cavaco encara as funções presidenciais como se fossem as de um polícia sinaleiro excessivamente simpático: dá indicações sempre com grande vigor, mas fecha sempre os olhos às infrações. E com isto perde-se a autoridade. E ainda se queixa Cavaco de nunca ser ouvido! Pudera! Porquê? No final, o resultado é sempre o mesmo: promulgação, com mais ou menos reservas.
2.2. A referência ao respeito pela competência exclusiva do Governo no comunicado da presidência da República não é inocente. Deduzo daqui que Cavaco acha - e experiências anteriores demonstram-no - que a utilização do veto político se traduz numa ingerência nos poderes governamentais. E porquê? Porque o veto político significa que o PR utiliza argumentos de mérito, faz um juízo sobre a oportunidade política do diploma, impedindo que uma opção do governo se concretize. Este argumento é perigosíssimo e faz-me temer que Cavaco reduza o órgão de soberania Presidente da República à mais pura inutilidade. Porque o veto é o único verdadeiro poder que a Constituição reserva ao presidente. Se Cavaco começa a abdicar dele permanentemente, o que resta? Mais: o único veto que vale a pena - no sentido de ter mais força - é aquele que incide sobre diplomas do Governo. Explico: o veto do PR a diplomas governamentais é absoluto - isto é, não é possível o governo ultrapassá-lo, fica, desde logo, inviabilizado. Morre com o veto do PR (o governo apenas poderá reagir, elaborando uma proposta de lei para apresentar ao parlamento). Ora, se o PR tinha reservas quanto às alterações à lei em causa, vindo esta do governo, porque não utilizar o veto político que levaria o Governo ou a alterar o diploma ou a levá-lo ao parlamento para apreciação dos vários partidos? É que a história das conversas prévias é muito engraçada...Mas estas fogem ao controlo democrático e à transparência democrática. E permitem sempre versões contraditórias.
3. Qual a explicação política para a decisão de Cavaco? Não quis criar um conflito com o governo - PS e com a esquerda em geral - esperando cativar eleitorado de esquerda, sobretudo, de centro oscilante. É uma opção e uma lição para PSD e CDS: reparem que estes partidos discordam da lei e ficaram caladinhos agora com a promulgação - porque apoiam o recandidato Cavaco Silva e não lhe querem tirar o tapete. Cavaco acaba de dar o sinal: não atribui a mínima importância à agenda política da direita e aqueles que pensam que forçará a queda do governo para júbilo dos sociais-democratas estão muito, muito enganados. Assim, a promulgação das alterações ao financiamento do ensino não público é uma bofetada monumental na cara de PSD e CDS. Habituem-se (se é que já não se habituaram...).
P.S - Parece que, em Portugal, ninguém conhece os poderes do PR. Pelo menos, dão a entender tal desconhecimento. Agora, foi Hermínio Loureiro, em Oliveira de Azeméis ,que apelidou Cavaco de "homem do leme". Que eu saiba o homem do leme é o que comanda - e, no sistema político português, quem comanda é o Governo. As hostes do PSD estão muito excitadas com a vitória de Cavaco...há que acalmar. E Cavaco não deve rejeitar explicações sobre BPN - vai ter de lidar com ele no debate com Manuel Alegre."

MÁRIO SOARES – UM NATAL HUMANISTA

Um texto que diz tudo.

Transcrito do DN Opinião de 28. Dez.2010
"Entrámos na época natalícia. Portugal parou, como quase por toda a parte, na Europa. Os Parlamentos, os Governos e os partidos suspendem os seus trabalhos e a política - bem como a economia - abre, normalmente, um parêntesis nas suas actividades. A comunicação social mudou os dias da publicação dos semanários - calendário obriga - e as rádios e as televisões substituem os seus programas favoritos - o comentário, a intriga política e as más notícias económicas e financeiras - por reportagens sobre o clima, muito duro neste começo do Inverno, que fez parar tantos aeroportos europeus, com consequências muito desagradáveis para os utentes e que, este ano, também se fizeram sentir em Portugal.
As homilias religiosas habituais, neste ano tão difícil, insistiram mais sobre as intoleráveis desigualdades sociais, que a caridade cristã, por si só, não pode sequer minorar, sem, naturalmente, esquecer a defesa dos mais pobres, dos desempregados e dos mais desfavorecidos que, nesta primeira infeliz década do século XXI, aumentaram consideravelmente. Flagelos a que a União Europeia não estava habituada.
O descontentamento e o mal-estar social manifestaram-se mais, sobretudo nas periferias dos grandes centros urbanos, com surtos inesperados de violência, que a Portugal, felizmente, ainda não chegaram. Verificaram-se, por forma crescente, movimentos a favor da solidariedade social - e ainda bem - perante o espectro da fome, que começa a atingir muita gente. Solidariedade que, neste fim de ano, se revelou com maior intensidade, dado o activismo de múltiplas organizações humanitárias, o que prova a natural coesão social do nosso povo.
Não é, seguramente, o momento oportuno para voltar a escrever sobre a crise monetária e económica que nos afecta e a toda a Europa do euro, sem excepção. Mas é tempo de reflexão, que às vezes falta, mesmo aos nossos dirigentes. Nos próximos artigos, passadas as festas, voltarei a esse tema. Será então o bom momento de fazer o balanço crítico do que foi este ano de 2010 - para a União e para Portugal -, de voltar às causas da crise global e à urgência de as remover, para podermos iniciar um novo desenvolvimento, com princípios éticos estritos e visando, principalmente, o bem-estar das pessoas e a sua dignidade.
Nesta fase natalícia, tenhamos esperança no futuro, saibamos combater o egoísmo negocista, o consumismo inútil e pensemos nos outros, sejam ou não crentes, portugueses ou imigrantes residentes em Portugal. O humanismo solidário é um caminho de progresso, de paz e de inclusão social. Por isso, deve envolver não só os nossos compatriotas como os imigrantes que vivem e trabalham na nossa terra. Fomos, durante séculos, uma terra de emigrantes, para sobreviver, e ainda hoje temos muitos portugueses a trabalhar no estrangeiro, espalhados por todos os continentes, que pensam e confiam, com razão, em Portugal e, muitas vezes, auxiliam as famílias que aqui deixaram. O povo português tem - e sempre teve - um grande amor à Pátria. Tenhamos, pois, confiança no futuro - e esperança -, porque sempre soubemos resistir e vencer as dificuldades, pelas quais tantas vezes passámos. Hoje temos elites excepcionais, em todos os domínios do conhecimento, das artes e das novas tecnologias. Temos recursos inesperados - na terra e no mar - que devemos, urgentemente, saber aproveitar. Atrás de tempo, tempo vem..."

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

NOVO ANO: CÓDIGO CONTRIBUTIVO (NOVO)



Um ano depois do previsto, o novo Código Contributivo torna-se uma realidade. Os trabalhadores independentes serão os mais afetados pelas alterações. Quem ganha 1000 €/mês, a recibos verdes, vai entregar no total do ano mais 381 € às Finanças e à Segurança Social. Já quem ganha 1500 € terá de pagar mais 423 €.
As exceções são para quem tem rendimentos mais baixos, próximos do salário mínimo. Todos os contribuintes que recebam, em média 500 €/mês, por exemplo, vão dar menos dinheiro ao Estado. No total de 2011, menos 385 €. Em 2012 todos os trabalhadores que recebam 1500 € por trabalho independente devem contar com nova subida de impostos. Nesse ano o valor a pagar ao Estado será de mais 1168 € do que em 2010.
No período compreendido entre 1 de Dezembro de 2010 e 30 de Junho de 2011, a emissão do recibo verde electrónico no Portal das Finanças é facultativa. Os recibos ficam disponíveis para consulta no Portal das Finanças durante o período de cinco anos.
As principais alterações para as empresas: A partir de 1 de Janeiro de 2011, a taxa contributiva a cargo da entidade empregadora, que atualmente é de 23,75%, passará a ser fixada em função do modelo contratual: Contratos por tempo indeterminado: 22,75% (- 1%); Contratos a termo: 26,75% (+ 3%).
O agravamento de 3% não se aplicará a contratos a termo que tenham sido celebrados com vista à substituição de trabalhador que se encontre em gozo de licença de parentalidade ou de trabalhador com incapacidade temporária para o trabalho, por doença, por período igual ou superior a 90 dias. Nestas situações manter-se-á a taxa geral de 23,75% a cargo da entidade empregadora.
O novo Código Contributivo introduz, pela primeira vez, uma obrigação contributiva por parte das entidades contratantes de prestação de serviços. Desta forma, as empresas que contratem prestadores de serviços passam a estar obrigadas ao pagamento de uma taxa de 5% sobre 70% do valor pago pela prestação de serviços. Também esta taxa será aplicada de forma progressiva, porquanto será de 2,5% no ano de 2010 e estando fixada em 5% no ano de 2011.
Descontos efetuados pelo trabalhador independente - O regime atual permite que os trabalhadores independentes escolham a sua base de incidência contributiva de entre 10 escalões remuneratórios, correspondendo o escalão mais baixo a 1,5 do valor para os Apoios Sociais (IAS), ou seja, 628,83 €.
O novo Código Contributivo reduz a base de incidência contributiva de 1,5 para ( 419,22 €), mas o trabalhador independente deixa de poder escolher o escalão de cálculo das suas contribuições, que passa a ser determinado automaticamente em função do rendimento do trabalhador independente.
O rendimento para a determinação da base contributiva dos trabalhadores independentes passa a ser: Prestadores de serviços: 70% do valor total dos serviços prestados; Produtores e comerciantes: 20% dos produtos e mercadorias vendidos. (Visão, 27.Dez.2010)

EDP perde caso em que exigia pagamento após erro na facturação


Transcrevo na íntegra.
"O caso não é milionário, mas mostra como um gigante perdeu em várias instâncias judiciais uma disputa contra duas empresas três mil vezes mais pequena.
A EDP Distribuição perdeu um diferendo que se arrastava há oito anos contra dois antigos clientes industriais, a Flexsol, de Santa Maria da Feira, e a Produtex, de São João da Madeira. Depois de ter processado as empresas para exigir o pagamento de verbas relacionadas com erros de facturação, a EDP Distribuição viu sucessivamente ser-lhe negado pela Justiça o direito ao que reclamava. O processo culminou com uma decisão do Tribunal Constitucional (TC), tomada em Outubro, que negou provimento ao recurso da EDP.
Em 2002 a EDP Distribuição, cujos proveitos ultrapassam os três mil milhões de euros por ano, descobre erros de leitura dos consumos da Flexsol, empresa com um volume de negócios anual em tomo de um milhão de euros, dedicada à produção de couros para o calçado e outros negócios. "Reclamaram o pagamento já fora do prazo e sem lógica. Depois reclamaram os retroactivos dessa má leitura", resume Pedro Machado, sócio gerente da Flexsol, em declarações ao Negócios.
Em causa, no que respeita especificamente a esta empresa, estavam "milhares de euros", segundo o mesmo responsável. A Flexsol mudou entretanto de fornecedor, passando a ser abastecida pela Iberdrola. "Neste momento [a mudança] é positiva por questões tarifárias", aponta Pedro Machado.
A EDP disse ao Negócios que não recorrerá da mais recente decisão judicial, sem detalhar os valores que estavam em causa no processo. O acórdão de 6 de Outubro do TC também não refere quaisquer verbas, dizendo apenas que a acção movida pela EDP Distribuição visava o pagamento de "determinada quantia a título de valor de energia eléctrica fornecida em média tensão [MT] que, por erro, não fora facturada oportunamente".
A acção foi julgada improcedente numa primeira instância. "A sentença foi sucessivamente confirmada pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça [STJ], este por acórdão de 3 de Novembro de 2009", explica o TC.
EDP aponta inconstitucionalidade
No último recurso, a EDP Distribuição aponta inconstitucionalidade à decisão do STJ, que se justificou com a caducidade do direito da EDP a receber as verbas pretendidas, dado que o ponto da Lei 23/96 (sobre a protecção do utente de serviços públicos essenciais), em que a EDP baseou a sua argumentação jurídica, não inclui os fornecimentos em média tensão.
"Admitir que as regras sobre prescrição e caducidade do pagamento de energia da Lei n.° 23/96 possam estender -se aos consumidores de média tensão, admitir que eles não se achem compreendidos no n.°3do artigo 10.°, equivale a atribuir-lhes um excesso de protecção em confronto com a protecção conferida aos consumidores em baixa tensão, aos clientes domésticos e aos consumidores finais", defende a eléctrica.
O ponto em causa indica que "a exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento". A mesma lei diz também que "se, por qualquer motivo, incluindo o errado prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento". A única excepção a este regime é o fornecimento de electricidade em alta tensão.
O TC diz no acórdão que neste caso "não estamos perante a reclamação de alguém (...) contra um tratamento desigual que o atinja". "Na verdade, o que a argumentação da recorrente [EDP Distribuição] verdadeiramente censura é a não fidelidade do legislador à opção que justifica o regime excepcional desfavorável para certa categoria de utentes de energia eléctrica", prossegue o acórdão. Sublinhando que "julgar a norma inconstitucional com este fundamento traduzir-se-ia em invadir o espaço de discricionariedade legislativa", o TC conclui que "o sentido normativo a que chegou a decisão recorrida [do STJ] não é uma opção censurável"." Miguel Prado Jornal de Negócios 27.12.2010

domingo, 19 de dezembro de 2010

NA PRÉ-HISTÓRIA DAS PERSEGUIÇÕES AOS MAÇONS

Relato um processo histórico, a propósito de perseguições inquisitórias mais recentes.
Em 2/1/1792 apresentou-se Francisco Joaquim Moreira de Sá, por sua livre vontade, perante o Tribunal do Santo Ofício, a implorar a piedade por ter aderido dois anos antes à sociedade dos franco-maçons, persuadido por Henrique Correia de Vilhena que aí o introduzira. No processo que lhe foi instaurado, relata Moreira de Sá, que fora conduzido certo dia, ao anoitecer, numa sege, pelo citado Henrique Correia de Vilhena, natural da ilha da Madeira, a umas casas entre-muros da vila de Guimarães, onde o deixou fechado numa casa com a recomendação de se portar com bravura no que acontecesse. Decorrida cerca de uma hora, apareceu um desconhecido empunhando uma espada e, falando-lhe com feia catadura, desarmou-o e conduziu-o a outra casa forrada de liaetas pretas, onde o deixou fechado. Passado algum tempo, apareceu outro homem que lhe deu papel e tinta, dizendo-lhe para escrever o juízo que fazia da Maçonaria, o que ele fez em conformidade com as boas informações que lhe haviam dado e ele próprio lera. O homem afastou-se com o papel e em breve outros apareceram, armados de espadas, tiraram-lhe as fivelas, a casaca, a bolsa e ataram-lhe as mãos e o pescoço com uma corda. De seguida, vendaram-lhe os olhos com um lenço e levaram-no de um lado para o outro tentando com mil estratagemas persuadi-lo do grande risco que a sua vida corria. Após terem-lhe destapado os olhos, exigiram um exótico juramento de não revelar os segredos da Maçonaria que consistiam nos sinais de reconhecimento entre eles. Disseram-lhe então que tinha o 1º grau de maçon, entregando a espada, avental e luvas. Assistiu seguidamente à recepção de Francisco Maria Corvo, da cidade de Lisboa, rindo com os outros à custa dele. Um dos maçons recitou uma oração que pretendia dar uma ideia histórica da Maçonaria, deduzindo-a das Cruzadas e inculcando aos membros a obrigação de se socorrerem mutuamente. No final cearam à custa dos dois novos membros e regressaram a suas casas. Francisco Joaquim Moreira de Sá falou logo em seguida com o abade de Gondar, José de S. Bernardino Botelho, acerca do misterioso segredo maçónico, garantindo-lhe que nada era tratado contra a religião ou o Estado. Facilitou a recepção daquele clérigo, tomando com ele, com Francisco Maria Corvo e com Francisco da Silva de Queirós, cónego da basílica, os 2º e 3º graus. Consistiam estes em diferentes sinais e palavras para conhecerem eles entre si os graus que tinham e no formulário da recepção. E deram os Mestres maçons a cerimónia por concluída já que em Portugal, disseram, não se podia passar a outros graus por não haver lojas estabelecidas. Moreira de Sá afirma que ficou com má impressão acerca de tudo aquilo, pois na cerimónia, ao tirarem dinheiro para a recepção, faltara uma peça ao abade de Gondar, dando a certeza de ter sido roubada por algum dos membros. E recebendo posterior convite para novas recepções, sempre se desculpou com alguma ocupação, esquecendo-se até da maior parte dos sinais de reconhecimento entre eles. Posteriormente tomou conhecimento da bula papal que proibia estas sociedades e constituía os membros réus do tribunal do Santo Ofício. Comunicou, de imediato, ao abade de Gondar e foram denunciar-se prontamente ao comissário João de Vasconcelos, abade de S. Martinho do Campo, implorando a piedade do Santo Ofício e prontificando-se a responder a tudo que deles quisessem saber. Declarou Moreira de Sá ao tribunal que nunca usara os sinais que lhe tinham ensinado. Como exemplo, relatou que num jantar a que assistira numa casa de pasto com um francês vindo da Madeira - que dizia ser cirurgião e chamar-se Dovanhi - este fizera-lhe sinais de maçon e ele não respondera, nem se dera a conhecer. Nunca usara os sinais que lhe tinham ensinado, tais como: beber três vezes debaixo da primeira intenção, precedendo três ou cinco pancadas na tampa da caixa ao tomar tabaco (segundo a diferença correspondente do 1º ao 3º grau), sendo também próprio deste um triângulo mostrado pelo accionar do braço na ocasião de fazer a cortesia. Não obstante, não se lembrava duma palavra usada no 2º grau nem da usada no 3º. Recordava, ainda assim, uma das duas proferidas no 1º grau que era“Jakin. Perguntaram-lhe os inquisidores como era possível que ele réu - homem de literatura e conhecimentos - ignorasse a proibição e maldade que se ocultava naquela sociedade, ao que ele respondeu que tinha feito profissão de estudar ramos inteiramente diferentes daqueles que lhe podiam dar socorro para vir no conhecimento das Leis Eucaristicas, visto que política e belas letras fazem o Artigo da sua maior aplicação, e que nunca suspeitou maldade nesta Sociedade, por não ter visto tratar materia que ofendesse o mais levemente nem a Religião, nem o Estado. O tribunal do Santo Ofício julgou-o por acórdão publicado no próprio mês da apresentação, em 31 de Janeiro:“"Acórdão os Inquiridores, Ordinario e Deputados da Santa Inquisição que vistos estes auttos, culpas, e confissões de Francisco Joaquim Moreira de Sá, natural da freguezia de Santa Eulalia de Barrozas, termo de Guimaraens, filho de Francisco Moreira Carneiro, actoalmente morador nesta Corte, Reo appresentado, que presente está. Por que se mostra que sendo Christão baptizado, e como tal obrigado a ter, e crer tudo quanto tem, crê, e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, elle o fez pelo contrario, como confessou na Mesa do Santo Officio, apresentandose de suas culpas, e dizendo: que elle entrara, e se congregara na Sociedade denominada dos Pedreiros Livres em cuja Meza e Assemblea prestara juramento sobre a observancia e segredo de seus Estatutos, convencido das persuassoes, com que para este fim o combatera certa pessoa, que declarou e ignorando a Reprovação, condennação e Anathema, que contra ella e seus Sectarios se achavão declarados e fulminados pela Igreja, de cuja culpa sentindo-se sumamente arependido, da mesma fazia huma sincera confissão, supplicando o perdão della, e que com elle se uzasse de Mizericordia. E visto como o Reo uzando de bom conselho se appresentou confessando voluntariamente o seu delicto nesta Meza, dando mostras, e sinaes de arependimento, e pedindo perdão, e piedade com o mais que dos Auttos consta. Mandão que o Reo Francisco Joaquim Moreira de Sá em pena, e penitencia de suas culpas ouça sua Sentença na Meza do Santo Officio perante os Inquisidores, hum Notario, e duas Testemunhas, faça abjuração de vehemente suspeito na Fé, cumpra as penas Spirituaes, que lhe forem impostas, e que da Excumunhão em que se acha incurso seja absoluto in forma Eclesia." (in "Os Sás de Vizela: MOREIRAS DE SÁ - Memórias históricas, genealógicas e heráldicas", do autor, a publicar). (http://www.geneall.net/)

ANGOLA - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA TIPIFICADA COMO CRIME


ANGOLA - A prática da violência doméstica poderá ser tipificada como crime público nos termos do ante-projecto de Lei aprovado na generalidade plenária da décima sessão, e última ordinária, da Assembleia Nacional este ano. O diploma visa colmatar o vazio legal no que toca à punição dos crimes relacionados com a violência praticada no âmbito das relações domésticas e familiares, cujo número de casos em Angola se tornou crescente, a avaliar pelo registo diários de situações deste género, pretendo-se assim que se torne um elemento inibidor daquela prática. O ante-projecto de lei vem responder ao cumprimento específico dos vários instrumentos internacionais, regionais e nacionais, entre os quais a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração de Viena e o programa de acção da III conferência mundial sobre os direitos humanos de 1993, bem como a declaração das Nações Unidas sobre a eliminação da violência contra as mulheres, de 1993. A lei Contra a Violência Doméstica contém 45 artigos, está estruturada em seis capítulos, referentes às disposições gerais, ao atendimento à vítima, às medidas de protecção e de segurança provisória, prevenção e apoio do Estado. natureza da pena, e ainda as disposições finais e transitórias. Este pacote contempla também a criação de centros de aconselhamento familiar e apoio psicológico às vitimas, casa de abrigo para a protecção temporária, principalmente das que se encontram em risco. Este pode vir a ser “o melhor presente de natal que o parlamento oferece a todas mulheres angolanas”.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Uma decisão do TEDH que marca um novo rumo da lei do aborto na Irlanda

Foi hoje amplamente divulgado pelos órgãos de comnicação social a notícia de que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou a Irlanda, na sequência de uma decisão que impediu o aborto de uma mulher com cancro, que receava que a gravidez provocasse uma recidiva. Os juízes de Estrasburgo entenderam que o estado irlandês violou o direito à vida privada e familiar da lituana que residia no país, ao negar-lhe o direito ao aborto, apesar dos receios por ela manifestados de que a gestação provocasse uma recidiva da doença. Fixaram uma indemnização de 15 mil euros por danos morais. Mas o que é mais determinante é que o Tribunal dos Direitos do Homem concluiu que nem as condições médicas nem as jurídicas existentes na Irlanda permitem à mulher "estabelecer a existência" do direito a abortar, confirmando o que o Estado alegara: a manifesta "incapacidade para implementar o direito constitucional a um aborto legal", pelo que os juízes consideraram ainda que os tribunais não são competentes para decidir se uma mulher está, ou não, em condições de ter direito a um aborto legal.
Sabe-se que a legislação da Irlanda é muito restritiva no que diz respeito ao aborto e que apenas o autoriza em situações limite, como o risco de morte da mulher. Pior, e mais fundamentalista: o aborto é punível com prisão perpétua.
Por outro lado, o Tribunal Europeu indeferiu os requerimentos de duas outras mulheres que pretendiam abortar por motivos pessoais. A decisão sobre a cidadã lituana foi tomada no âmbito do caso ABC vs Irlanda, apresentado por três mulheres, que alegaram que as restrições ao aborto as estigmatizaram e humilharam, além de terem posto em risco a sua saúde. Mas o tribunal europeu não considerou que nas outras duas situações tivesse havido violação dos direitos à luz da legislação nacional. Um dos casos dizia respeito a uma mãe solteira com uma criança a cargo, que receava o perigo de uma gravidez ectópica. O outro era o de uma ex-alcoólica, que perdera a tutela dos quatro filhos que já tinha e não queria, com uma nova gravidez, comprometer os esforços para reunificar a família. As três acabaram por abortar no Reino Unido.
Apesar de o aborto ser crime na Irlanda, milhares e irlandesas, por ano, recorrem ao estratagema de abortarem noutro país. O que fizeram estas três mulheres.
Continua a deixar-me petrificada que uma questão que encerra em si mesmo um direito humano e que subintegra vários direitos humanos, sirva de mote eleitoralista. Mas assim é.
“Aborto, tema eleitoral após decisão do tribunal”, é a manchete do Irish Times, a seguir ao julgamento de 16 de dezembro, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), no qual o Estado irlandês não conseguiu aplicar a lei em vigor à despenalização do aborto. Segundo a Constituição irlandesa, o feto tem direito à vida tal como a mãe, sendo o aborto um recurso apenas nos casos em que a vida da mulher se encontra em risco. O diário de Dublin refere que, de acordo com o Tribunal, “o Estado violou os direitos de uma mulher com cancro, incapaz de decidir se poderia fazer um aborto legal na sua situação”. A questão altamente polémica do aborto, numa sociedade predominantemente católica como a da República da Irlanda, “regressou para ensombrar os partidos políticos na véspera da campanha eleitoral de 2011”, observa o editorial do Irish Times, criticando a “cobardia política” dos sucessivos governos, relutantes em propor uma legislação clara sobre a matéria.
Em época eleitoral, a Irlanda admite alterar a legislação sobre o aborto. "Obviamente devemos legislar, não há dúvida sobre isso", disse a ministra da Saúde, citada pela AFP, num comentário à decisão do tribunal. Não foram, no entanto, avançados prazos nem contornos das mudanças. Legislar "leva tempo", referiu Mary Harney, que aludiu ao "carácter delicado e complexo" do assunto, num país fortemente católico.
A Human Rights Watch veio já considerar a decisão de ontem uma chamada de atenção ao Governo de Dublin. "Na Irlanda, mesmo as mulheres cuja gravidez põe a vida em risco, como era o caso, não podem ter acesso ao aborto", disse Marianne Mollmann, directora da organização. "Não é apenas trágico, é uma violação dos direitos humanos. E deve acabar."
Não podia concordar: deve acabar. Ou melhor, devia ter acabado já, há muito.

domingo, 5 de dezembro de 2010

O caso WikiLeaks - Piratas vingadores e espiões em diligência

Um bom artigo do Presseurope, que fica aqui, nas suas linhas fundamentais.
"O caso WikiLeaks tem uma dupla leitura. Por um lado, revela-se um escândalo aparente, um escândalo que só escandaliza por causa da hipocrisia que rege as relações entre os Estados, os cidadãos e a Comunicação Social. Por outro, anuncia profundas alterações a nível internacional e prefigura um futuro dominado pela recessão."
O WikiLeaks demonstra que os processos dos serviços secretos se servem, em grande ou em toda a medida, das notícias e da imprensa. As “extraordinárias” revelações norte-americanas sobre os hábitos sexuais de Berlusconi transcrevem o que há meses se lê em qualquer jornal (exceto naqueles de que Berlusconi é proprietário), e o perfil sinistramente caricatural de Kadhafi era já há muito tempo razão para piadas dos artistas de cabaré.
Pode mesmo dizer-se que existe uma regra que obriga a que os processos secretos sejam compostos exclusivamente por notícias conhecidas. As informações ultrassecretas sobre Berlusconi, que a embaixada norte-americana em Roma enviava ao Departamento de Estado, eram as mesmas que a Newsweek publicava na semana anterior. Então porquê tanto barulho por causa destas "revelações"? Se dizem o que qualquer pessoa informada já sabe - que as embaixadas, desde o final da IIª Guerra Mundial, e desde que os chefes de Estado têm permissão para se telefonar ou apanharem um avião para jantar, perderam a sua função diplomática e, à exceção de alguns pequenos exercícios de representação, transformaram-se em centros de espionagem... Mas é o facto de ser exposto publicamente é que viola o dever de hipocrisia e faz cair por terra a imagem da diplomacia norte-americana. Depois, a ideia de que qualquer pirata informático possa captar os segredos mais secretos do país mais poderoso do mundo desfere um golpe não negligenciável no prestígio do Departamento de Estado. Assim, o escândalo põe tanto em cheque as vítimas como os “algozes”. Quando se demonstra que as criptas dos segredos do poder não escapam ao controlo de um pirata informático, a relação de controlo deixa de ser unidirecional e torna-se circular.
O poder controla cada cidadão, mas cada cidadão, ou pelo menos um pirata informático – qual vingador do cidadão –, pode aceder a todos os segredos do poder. Como se aguenta um poder que deixou de ter a possibilidade de conservar os seus próprios segredos? Já o dizia Georg Simmel: um verdadeiro segredo é um segredo vazio (e um segredo vazio nunca poderá ser revelado). E se saber tudo sobre o caráter de Berlusconi ou de Merkel é realmente um segredo vazio de segredo, porque releva do domínio público; revelar, como fez o WikiLeaks, os segredos de Hillary Clinton são segredos vazios significa retirar-lhe qualquer poder. O WikiLeaks não fez mossa nenhuma a Sarkozy ou a Merkel, mas fez uma enorme a Clinton e Obama.
A tecnologia avança agora a passo de caranguejo: às arrecuas. Um século depois de o telégrafo sem fios ter revolucionado as comunicações, a Internet restabeleceu um telégrafo com fios (telefónicos). As cassetes de vídeo (analógicas) permitiram aos investigadores de cinema explorar um filme passo-a-passo, andando para trás e para diante, a descobrir todos os segredos da montagem; agora, os CD (digitais) permitem apenas saltar de capítulo em capítulo, ou seja por macro porções. Com os comboios de alta velocidade, vai-se de Roma a Milão em três horas, enquanto, de avião, com as deslocações que implica, é necessário três horas e meia. Não é, pois, descabido que a política e as técnicas de comunicação voltem aos carros puxados a cavalo.
Uma última observação. Dantes, a imprensa tentava compreender o que se tramava no segredo das embaixadas. Atualmente, são as embaixadas que pedem informações confidenciais à imprensa. (transcrição livre e adoptada)

A "oportuna" evocação de Sá Carneiro e o nascimento de uma coligação (do tipo) AD

O DN Opinião traz um artigo que suscita a nossa reflexão. Basicamente, creio que, a cada 4 de Dez, há os que mexem oportunamente nas reminiscências do trágico episódio de Camarate. E não lhe chamo acidente, pela razão de que não acredito que o tenha sido. Mais, acredito mesmo na tese do atentado. Raros foram os atentados realizados à revelia do grupo que rodeava a vítima. Basta pensar no regicídio republicano, para dar um exemplo da nossa História. Este aproveitamento estratégico da máquina laranja surge com maior vigor quando as circunstâncias o aconselham. Mais uma vez o marketing bem ensaiado impõe que PSD e CDS-PP se juntem à volta de uma causa comum: a memória de Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa. E devia ser isso mesmo e ponto. Mas não é. A evocação de ambos aparece quando o barómetro eleitoral aponta as chances do PSD ganhar as próximas eleições, tendo já dito Pedro Passos Coelho que não pretende (des)governar sózinho, acenando as boas-vindas a uma aliança estratégica como PP. Por isso - e para a grande maioria dos militantes dos dois partidos, a começar pelas respectivas "jotas" que nem conhecem a história dos lideres homenageados, só por isso - se viu, lado a lado, pela primeira vez, os dois líderes daqueles que foram os partidos protagonistas da "mais bem-sucedida experiência de coligação da democracia". Juntos para a fotografia, a falar direitinho a quem recorda, sobretudo, Sá Carneiro, os líderes de hoje do PSD e do CDS prepararam-se para ouvir dois históricos da Aliança Democrática, António Capucho e Cruz Vilaça, num claro apelo à reedição dessa histórica coligação. Invocando precisamente o momento histórico, como o evocaram há 31 anos. Passos e Portas não podiam ter sido, por fim, mais claros. A coligação vai acontecer. Por eles, pelo menos. (se Portas lidera com pulso o PP já o mesmo não se pode dizer de Passos, e esta é uma diferença que convém não esquecer). Há quem considere que existe mérito em admitir, neste preciso momento, uma coligação, já que as experiências anteriores revelaram que existem riscos inerentes ao projecto. "Conhece-os bem Paulo Portas, porque foi personagem principal nas últimas duas tentativas de refazer a AD, duas tentativas com finais diferentes e métodos opostos. A primeira foi com Marcelo Rebelo de Sousa, logo em 1997, quando a era de António Guterres ainda ia no adro. Era, a muitos níveis, um projecto idêntico ao original: propunha-se a ir a eleições em listas conjuntas, com um único projecto. A ideia, porém, começou tão cedo - tão antes da ida às urnas - que acabou por nem chegar lá, arruinada por uma vichyssoise mal contada (e potenciada pelas características dos dois líderes). A segunda tentativa de reedição foi com Durão Barroso, e feita ao contrário, só depois de eleições onde os partidos concorreram separados. Foi uma aliança de conveniência prática (Barroso precisava de uma maioria na AR que lhe desse estabilidade política), e não programática. Teve vários obstáculos e durou bastante, só fragilizada três anos mais tarde, quando Santana Lopes tomou conta do PSD e do Governo - e apenas derrubada pela dissolução da Assembleia, decidida por Jorge Sampaio. "
Estes dois projectos nada tiveram de ideológicos e tudo tiveram de oportunistas (no sentido de "agarrar" a oportunidade) e, por isso e porque os lideres eram incomparavelmente distantes das figuras de Sá Carneiro e de Amaro da Costa, não deixaram ponta de saudade. O primeiro porque morreu antes de nascer; o segundo porque faleceu no seu próprio desnorte, pela ausência de um verdadeiro projecto comum. Daqui deveriam Passos e Portas retirar lições. A sua parceria apenas será levada a bom termo se a sede de poder do PSD lhe permitir sequer equacionar dividi-lo. Se, agora, a construção de um governo-sombra dentro da elite mais elevada provocou uma autêntica acção (em rigor, várias acções ) de guerrilha interna, imagine-se o que acontecerá quando tiver de agradar a gregos e troianos (todos no mesmo partido) para formar um governo real. O povo sempre os advertiria - se algum com ele se preocupasse ou ouvisse - de que quem vai com muita sede ao pote ... Ou, não estando minimamente virados para ouvir o "povo", senão quando ele se chega à boca das urnas, sugere-se que se lembrem da célebre frase de Heráclito, de que ninguém se pode banhar duas vezes no mesmo rio. Seria recomendável, para seu próprio proveito, que se lembrassem que os tempos são outros e que os projectos, na vida como na política, nunca se repetem da mesma forma. Mas pode até acontecer que por não se lembrarem das lições dos seus fundadores que o "povo" acabe por ganhar com isso. E, voltando às expressões populares, os faça morrer na praia.... Porque para este "povo" a praia é agora uma metáfora fulcral para o País: é o Futuro!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O silêncio dos intelectuais e a sociedade bárbara, segundo Francesco Alberoni

“Começo a estar cansado de ver apontar publicamente como modelos multimilionários que ostentam a sua riqueza, aldrabões que vivem de intrigas, analfabetos que as pessoas tomam como exemplos de saber e bom senso, políticos que só sabem lamentar-se, incapazes que são de analisar de forma rigorosa a realidade político-social. E além disso tenho saudades de ouvir falar com profundidade e saber os grandes estudiosos, os grandes intelectuais.
Ainda há não muito tempo as pessoas tinham respeito pela alta cultura, pelos grandes filósofos, pelos grandes cientistas. Nos anos 70, portanto há relativamente pouco tempo, qualquer licenciado lia e era capaz de citar filósofos como Kant ou Hegel, sociólogos como Weber ou Pareto, psicólogos como Freud ou Jung. Quase todos os políticos da Primeira República italiana eram pessoas muito cultas, muitos deles professores universitários. Na mesma época havia empresários, como Olivetti ou Pietro Barilla, que se rodeavam de homens de cultura, de grandes artistas, o que não os impedia de criar empresas internacionais de envergadura. As grandes figuras da cultura apareciam nos jornais, na rádio, na televisão.
Hoje as coisas já não são assim. Há um círculo mediático que é formado por pessoas que se convidam umas às outras, que se elogiam entre elas, que fazem a festa sem precisar de ajudas de fora. Pensemos no luto por Pietro Taricone, o actor do "Big Brother" italiano morto recentemente. Mas quem fez na televisão a homenagem a personalidades como Alessandro Bausani, Norberto Bobbio, Lucio Colletti, Franco Modigliani, Mario Luzi, Sergio Cotta, Elémire Zolla, Pietro Cascella, Giò Pomodoro? Em Itália há uma grande criatividade e uma oferta imensa de livros, filmes e espectáculos, mas falta o sentido da ordem, da hierarquia, da avaliação equilibrada das personalidades e dos valores. As escolhas são superficiais, resultantes de um marketing grosseiro e muitas vezes da corrupção.
As elites do saber renunciaram a educar o público, a reflectir e a escolher. A cultura, a ciência, o estudo da alma humana exigem tranquilidade, profundidade, o reconhecimento dos próprios erros e qualidades como o respeito e a humildade.
No entanto, hoje já não estamos acostumados à reflexão e à argumentação rigorosa; preferimos a conversa fiada e as piadas fáceis. Tudo desencoraja a alta cultura, os projectos ambiciosos a longo prazo, a verdadeira vida do espírito. Estou convencido de que, se a sociedade enfrenta dificuldades, isso acontece também em resultado desta perda de espessura, de moral e de seriedade intelectual. Parece-me que está na altura de as elites culturais de esquerda ou de direita retomarem o seu verdadeiro papel, a sua responsabilidade educacional, e porem um travão na degradação intelectual da vida pública.”

domingo, 28 de novembro de 2010

A EMIGRAÇÃO DOS PORTUGUESES – NECESSARIAMENTE UM DRAMA?

Todos conhecemos alguém que sai do País para trabalhar. No último ano, saíram do País 697 962 portugueses para trabalhar, o que equivale ao dobro dos 454 191 estrangeiros que cá vivem, e o que significa que se está perante uma terceira vaga da emigração, com níveis próximos dos anos 60 e 70, a que acresce que esta pode ainda ter efeitos mais graves e perduráveis para a economia nacional, já que, desta vez, inclui uma fuga de cérebros, o que, a par da baixa natalidade, alguns classificam de bomba-relógio para a sustentabilidade da Segurança Social. Ao certo, só com os Censos de 2011 se saberá. Os países de destino são a Suíça, a Espanha, o Reino Unido, o Luxemburgo e Angola. Sublinhe-se, contudo, que, contrariamente à emigração dos anos 60-70, esta é de carácter mais temporário. Os que saem para Espanha, por exemplo, chegam a ir e vir todas as semanas ou de 15 em 15 dias. E os que saem para Angola, têm deslocações com ida e volta, e, nos primeiros anos, concede-se-lhes apenas um visto de três meses.
Relativamente à fuga de cérebros, 1 em cada 13 portugueses com curso superior emigrou em 2000, considerando um total de 90 mil emigrantes, no mesmo ano, segundo o Observatório da Emigração. Um número elevado mas não desenquadrado face ao fenómeno europeu de mobilidade, com a Eslováquia a chegar aos 14% e a Irlanda aos 23%. Há, ainda que incluir nestes dados o número de portugueses que concluí a formação superior nos países de destino, que representam 20 %. Segundo os autores de “Portugal: Atlas das Migrações Internacionais”, publicado pela Gulbenkian, os principais destinos, em termos absolutos, são os EUA, o Canadá, a Alemanha e a França, e, em termos relativos, o Reino Unido, a Bélgica, a Holanda, a Suécia e a Itália. "À excepção da França [apenas 4% são licenciados], em todos os países referidos a percentagem de emigrantes portugueses com formação superior situava-se entre um mínimo de 20% (EUA) e um máximo de 40% (Reino Unido)".
É obvio que a actual conjuntura de crise, que, ao contrário do que muitos afirmam, não é de agora, de que decorrem os números crescentes do desemprego constituem um indicador preocupante.
Têm-se feito da questão um bicho papão. É verdade que a crise empurra dramaticamente a grande maioria dos emigrantes para fora, mas também convém não esquecer que os paradigmas de cultura se alteraram e que a mobilidade, pelo menos a que ocorre dentro do espaço Schegen, está mais facilitada. Mas também é verdade que as classes mais jovens encaram a sua saída – concretamente ao nível dos mais qualificados – como uma hipótese de interagirem com novas culturas e de valorização curricular. O incómodo de sair é, em muitos casos, atenuado pelo domínio das línguas do país de destino e até compensado com a multiculturalidade adquirida. Sem prejuízo de se reconhecer que, para outros, é a única solução, para uns, será a melhor solução.
As mentalidades mudaram e até, eu própria, à beira dos cinquenta anos, não vejo, agora, qualquer drama em aceitar uma oferta de emprego fora de portas. O que é curioso porque sou uma matriarca responsável pela sustentação de um projecto empresarial com um irmão quinze anos mais novo, que, igualmente, se dispõe a ir para onde os negócios o aconselharem, e que assumo o acompanhamento dos meus pais, na faixa dos setenta, que manifestam toda a disponibilidade em me acompanhar, se isso fosse necessário. Até as minhas filhas, a mais velha advogada na área do direito público de uma conceituada firma de advogados e a outra à beira de entrar na faculdade, uma já independente e a outra, em custódia partilhada com o pai, nada vêm de trágico na ideia de viverem e trabalharem fora do País. E, há uns bons anos, quando as oportunidades surgiram afastei-as sem hesitar. A Europa, como os países lusófonos, estão hoje no nosso horizonte territorial de vida, porque as nossas perspectivas sociais e culturais se alteraram.
A ideia enraizada dos nossos pais de que, quase tudo, era para toda a vida, desvaneceu-se, senão mesmo, faleceu. Começando na casa, no emprego e na família. Não há, julgo eu, que exorbitar as causas do fenómeno. Talvez haja mais, isso sim, que nos preocuparmos com as suas consequências. Como o fazem outros países que sofrem do mesmo. Como sempre, preferencialmente, apelando à razão sem nos deixarmos tolher pelo coração. Porque, basicamente, também o mundo da abrangência no espaço dos próprios afectos se alterou. E, com as novas tecnologias, a nostalgia e o distanciamento decorrente da distância minimizaram-se. Como dizia um amigo meu: - “falo mais agora com a minha filha (em Angola) e acompanho mais a vida dela e dos meus netos do que quando morava ao fim da minha rua.”
Tornámo-nos cidadãos do Mundo.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

DIA INTERNACIONAL DE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: TODOS OS DIAS DA NOSSA VIDA



Celebra-se, amanhã, o Dia Internacional de Combate à violência contra a mulher. Julgo que todos reconhecemos que esta é uma causa de cada um e de todos. Independentemente de ser física e/ou sexual, psicológica, por meio de coação, constrangimento, ameaça, de subtil ou explícita. Independentemente de condições sociais, étnicas, estéticas ou etárias. A violência contra a mulher assenta na própria condição feminina, e é mais ou menos bem suportada e tolerada pela construção de valores e papéis sociais que, ao longo da história, vêm submetendo as mulheres a relações desiguais, interferindo negativamente no desenvolvimento da sua autonomia e na conquista da sua emancipação.
A última das causas que congregou a comunidade mundial foi a da iraniana Sakineh Mohammadi Ashitianí, condenada à lapidação até à morte por adultério e cumplicidade no homicídio do marido. Parece que a sua vida está, literalmente, por um fio, embora, já hoje, um alto funcionário do regime de Teerão tenha afirmado que está a ser estudada a possibilidade de comutação da pena, recordando que a sua execução ficou em suspenso devido à campanha realizada por países ocidentais e organizações de direitos humanos contra a concretização da sentença, sem esquecer o papel determinante do Conselho de Direitos Humanos do Irão. Hoje, também, uma notícia sobre a situação das mulheres nos Emirados Árabes Unidos, dá conta da aprovação recente de um parecer, emitido pelo Supremo Tribunal, que reconhece ao homem o direito de “disciplinar” (leia-se agredir) mulher e filhos, desde que não deixe marcas físicas visíveis. Uma “legalização” que ocorreu depois do julgamento de um caso de violência doméstica cometido por um cidadão de Sharjah, que agrediu a estalo e pontapé a mulher, deixando-lhe ferimentos na cara e na boca, e a filha, com ferimentos na mão e no joelho. E, segundo o tribunal, os ferimentos nas duas mulheres relevam, apenas, porque provam que o pai abusou do seu direito na sharia, sobretudo, relativamente à filha, de 23 anos, que já seria velha demais para receber uma punição do pai, dado que, de acordo com a sharia, a puberdade determina o estado de adulta. Felizmente, a decisão do Supremo Tribunal suscitou a indignação das entidades que lutam por uma maior abertura e modernização do país, afirmando que a aplicação da sharia mancha a imagem dos Emirados Árabes Unidos, até porque a sua população é maioritariamente estrangeira.
É tempo - está-se sempre a tempo - de se agitarem as consciências e de se trabalhar para conseguir a mobilização geral da comunidade, nacional e internacional, contra a violência sobre as mulheres.
Trata-se de uma situação assumidamente chocante e em que todos os meios servem para se combater este flagelo. Amanhã, não é, pois, dia de celebrar, é, sim, dia de se chorar, porque, ainda, há muito em que se reforçar a luta pelo fim desta maleita social, pela formação e pela informação. O conceito da sentença dos Emirados Árabes Unidos, de que “disciplinar” vale, desde que não haja marcas visíveis, é, por acção e omissão, “permitido” em muitos estados democráticos, sabendo-se que há casos em que essa é uma recomendação dada por alguns advogados aos seus “ilustres” clientes. E falo por experiência própria.
Mas, se as marcas físicas exteriorizam os maus tratos, não esqueçamos, peço-vos o encarecido favor, que as marcas da alma nunca se apagam e delas quase nunca se recupera. E, quando perguntam, a quem já a sofreu na pele, porque não arrisca e porque não se “deixa levar” e tenta ser feliz, a resposta é pragmática: não se trata de não arriscar, ainda que pela primeira vez, a felicidade, mas de não arriscar, mais nenhuma vez, a infelicidade. Porque é bom que só uma vez chegue para se dizer “basta”!

domingo, 21 de novembro de 2010

“EM CASOS PONTUAIS JUSTIFICADOS” – O PRESERVATIVO – AINDA A POSIÇÃO DA IGREJA

Morrem, por ano, mais de 2,7 milhões de pessoas com o vírus da sida, de forma mais marcante na África subsariana. O último relatório da Organização Mundial de Saúde e a avaliação do programa de luta contra a sida das Nações Unidas indiciam que a epidemia está a estabilizar à escala global, mas apuram, também, que o impacto da crise económica dificulta a concretização dos programas de prevenção e de tratamento, em, pelo menos, 22 países de África, Caraíbas, Europa, Ásia e Pacífico. Com a África do Sul está na linha da frente dos portadores do vírus VIH no mundo, com 11,6% (5,7 milhões) da população (de 49 milhões). Em África a população flagelada é de 22,4 milhões. Viram-se agora os olhos das autoridades mundiais de saúde para o Leste Europeu e para a Ásia Central, em que se constatou um aumento do número de novas infecções.
Joseph Ratzinger tem vindo a apregoar que a acção humana tem de ser vista em conjunto com uma dimensão moral, que, embora, se baseie nos fundamentos que constituem o vértice do catolicismo apostólico romano, tem de se adaptar ao momento histórico. E, terá sido, com base nessa sua ideia que o Papa veio flexibilizar o uso do preservativo, apenas em "casos pontuais, justificados". No livro Luz do Mundo, a lançar em Portugal a 3 de Dezembro, Bento XVI dá como exemplo para um desses "casos pontuais justificados”, a utilização do preservativo por quem pratica a prostituição, com o argumento de esta pode moralizar aquela (?!). Acrescenta que o uso do preservativo não é "uma solução verdadeira e moral", nem "a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção do VIH", e defende que a solução "tem, realmente, de residir na humanização da sexualidade". O que, no fundo, equivale a dizer que a utilização do preservativo só se justifica por questões de saúde e não de contracepção.
Em Portugal, como em todo o mundo, os ecos ouviram-se.
D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, diz que está "muito feliz" com a decisão de Bento XVI, o que é coerente com a posição que ele próprio tomou aquando das declarações do Papa na visita a África, não se coibindo de afirmar que as palavras do Papa "chegam atrasadas" e de manifestar alguma hesitação e prudência dizendo que aguarda que Bento XVI assuma as mesmas perante os fiéis. "Se me pergunta se é um estrondo, sem cairmos em excessos, nem em exageros, é indiscutível que é. É indiscutível que é um "volte face", com o qual rejubilo", mas reconhecendo que a prática dos cristãos há muito assumiu essa opção em nome da responsabilidade e de princípios éticos e morais, tal como admite estar "muito satisfeito" com as palavras do Papa, tendo em conta que as mesmas se destinam a situações de risco reais, em que se "joga a vida" e em que estão em causa "princípios éticos". "A vida não pode ser infectada, a vida não pode ser assassinada", afirma, enfatizando que a "verdade pode aparecer um pouco alongada no tempo", mas que "quando é dita tem sempre lugar marcado". Mostrando, ainda, alguma relutância em crer que, ipsis verbis, terá sido isso que o Papa quis mesmo dizer, acrescenta que faz votos para que não venha a aparecer uma "contra corrente" a argumentar que Bento XVI disse sem dizer, ou seja, que terá sido mal interpretado, ou corrigindo a frase com uma retificação, atendendo a que há precedentes nestas reviravoltas.
O padre Carreira das Neves crê que a posição "pode levar a uma mudança de atitudes, já que a palavra do Papa é ouvida por muitos", e que é, sem dúvida, "um avanço", "um passo em frente" da Igreja. Já o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, preferiu remeter-se ao silêncio, no que foi acompanhado pelo porta-voz da CEP, Manuel Morujão, que se limitou a dizer que "não há voz mais autorizada que a do Papa". Maria João Sande Lemos, do movimento Nós Somos Igreja, afirma que "Depois de a Igreja até ter dito que o preservativo ajudava a propagar a infecção, estas palavras são muito positivas." D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa, diz que esta "é uma questão moral, que há muito tempo está esclarecida. Talvez as pessoas estranhem por ela vir do Santo Padre" e que é "a reflexão sobre um mal menor: não vamos matar outras pessoas quando alguém não tem consciência do que faz". Já no ano passado, o bispo de Viseu, D. Ilídio Leandro, tinha defendido, meio à revelia da doutrina predominante e oficial, "o uso do preservativo por doentes com sida", entendendo-a como uma medida "aconselhável e obrigatória".
Perante uma realidade dura e crua como a dos atingidos pelo vírus da sida, quer alguns cristãos, nas suas vidas privadas, e, dentro de portas, usavam o preservativo, até para fins de anticoncepção, e eram abençoados pelos padres das suas paróquias e compreendidos pelos seus confessores. Tal como já os técnicos afectos aos programas mundiais de luta contra a SIDA o recomendavam e tinham a aderência de alguns padres locais e regionais, o que não retira o valor das declarações de Joseph Ratzinger.
Mas creio que evidencia ao mundo esta triste realidade: que a Igreja, só quando se vê intimidada pela pressão dos media e só quando constata a calamidade como facto consumado, é que abre ligeiramente as janelas do seu pensamento. E, por isso, compreendo os que se movimentam já, exigindo um pedido de desculpas de Bento XVI ao mundo, pelos que morreram e pelos que estão enfermos.
Na Primeira Carta de São João, capítulo 4, versículos 8 e 10, lê-se que “…. Deus é amor” e que “Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos ele amado, e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados.”, e esta é a maior lição da entidade divina cristã.
Então fica sempre a inquietação.
Porque será que aquela que se apelida de “mão de Deus”, de “voz de Deus”, não agiu prudentemente, de acordo com os deveres de cuidado a que estão obrigados os pais perante os filhos, e não acautelou, não preveniu, e apenas remediou. E, creio, que, a existir uma forma de Deus, lá do alto, o juízo que faria das posições de quem se diz seu mandatário seria bastante critico. E, aquela que me parece a grande conclusão, é a de que, nesta matéria, se confirma que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26-27), porque, nós, por cá, também somos profundamente críticos em relação à imprudência e à negligência da Igreja. Deus é de amor, mas a Igreja é alicerçada em dogmas que nem sempre se coadunam com uma postura de amor. E isso dá que pensar! E deixa-nos profundamente apreensivos e, até mesmo, tristes!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

RESPONSABILIZAÇÃO DOS POLITICOS, na visão de RUI RANGEL

O artigo é do Rui Rangel e intitula-se "Realidades indissociavéis", de 18-Nov-2010
"Rui Rangel - Ainda a propósito da minha última crónica sobre a responsabilidade civil e penal dos políticos. Nas sociedades democráticas e nos tempos que correm, não existem princípios imutáveis e puros. Tudo está em mutação ou em renovação. O aumento dos níveis de responsabilização é uma necessidade e uma exigência dos tempos, sendo um sinal de transparência e de crescimento das democracias.
Hoje, as responsabilidades política, civil e penal dos titulares de cargos públicos constituem realidades indissociáveis. A mera responsabilidade política é insuficiente e não oferece garantias de boa governação da coisa pública. Até porque os níveis de abstenção nos sucessivos actos eleitorais e as cifras negras elevadas de analfabetismo existentes têm enfraquecido e fragilizado a responsabilidade política.
Já não existe uma genuína responsabilidade de quem exerce cargos políticos. Ninguém cumpre as promessas eleitorais, governa-se em função dos interesses partidários e dos ciclos eleitorais e não à dimensão e às necessidades do País. Aumenta a responsabilidade política no dia em que quem estiver no poder governar para perder as eleições. E nesse dia ganham Portugal e a democracia. Mas como estamos longe desse dia, é necessário encontrar, por via legislativa, outros patamares de responsabilidade.
Não é populismo nem demagogia defender a responsabilidade civil e penal dos titulares de cargos políticos. É normal e lícito em democracia existirem políticos incompetentes e a prática do erro. Esta não confere nenhum título de qualidade nem certifica a competência. Mas ninguém ousará contestar que a democracia e o Estado de Direito certificam a verdade, a transparência, a lealdade e não pactuam com o erro grosseiro. A legislação que já existe sobre a matéria, particularmente a Lei nº 34/87 de 16 de Julho, que trata dos "Crimes de Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos", é vaga, imprecisa, generalista e muito branda. Em termos de prevenção, não tem o mais pequeno pingo de dissuasão.
O crime compensa desde que seja de bolsos cheios. A margem na lei criminal existente é nula ou quase nula e não é por falta de capacidade judicial para a aplicar. Esta lei fraca e tímida mostra que não é nenhum crime à democracia defender essa responsabilidade. O que se queria era uma lei exigente e mais clara e objectiva. Mas como são os políticos que as fazem, é sempre assim, para que fique tudo na mesma.
Então, o titular de cargo político que de forma grosseira autorize despesas sem cabimento, gaste mais do que aquilo que o País pode suportar, faça grandes obras públicas em momentos de completa ruptura económico-financeira, afunde as finanças, endivide o Estado até à exaustão, escondendo esta realidade e a seguir venha pedir sacrifícios às famílias e às empresas, não merece ser responsabilizado civil e criminalmente? Claro que sim.
Não é de agora nem por causa desta crise ou de certos processos judiciais que envolvem políticos que defendo o aumento dos níveis de responsabilização. A responsabilidade civil e penal, por erro grosseiro, na violação de regras orçamentais é uma necessidade das democracias modernas e uma salvaguarda dos bons políticos, devendo, por isso, ser alargada." (Rui Rangel Correio da Manhã 18.11.2010)
Ainda bem que o Rui Rangel se pronunciou porque quando teci criticas à Lei 34/87, havia quem entendesse (vide, p. ex. revista Sabado da semana passada) que esta era quanto bastava para responsabilizar criminalmente os titulares de cargos políticos - e com isso louvasse a "descoberta" de Pedro Passos Coelho, mas, de facto, não é. Fazer uma nova lei é uma exigência inquestionável! Façam-nos o favor!!

MAGISTRATURA: PRIMEIRO A GREVE, DEPOIS O "RESTO"

A Justiça tornou-se um tema recorrente. A última semana trouxe-nos indicadores preocupantes.
Devido ao facto de a criminalidade em Portugal estar a aumentar, segundo os dados da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, destacando-se, sobretudo, o aumento da criminalidade fiscal e na área da corrupção. Quase metade dos novos inquéritos que deram entrada este ano respeitam a crimes fiscais (fraude fiscal, abuso de confiança fiscal, e outros). Desde empresas que retém verbas para a Segurança Social e que não entregam o dinheiro ao Estado a pessoas singulares que prestam falsas declarações de rendimentos ao fisco. Quanto à corrupção, a PGDL registou 166.002 novos inquéritos na área da sua jurisdição, até Setembro, abrangendo todo o distrito de Lisboa, grande parte do distrito de Leiria, algumas comarcas de Santarém, duas da Margem Sul e as regiões dos Açores e Madeira. Preocupante também, embora estatisticamente estável, é a criminalidade participada por tráfico de droga, com uma ligeira diminuição do número de crimes contra o Estado e a emissão de cheques sem cobertura.
"A criminalidade reflecte a violência que existe na sociedade", afirma Francisca van Dunem, que entende que se pode voltar aos índices de criminalidade verificados em 2008, o que significa que, depois de uma baixa na criminalidade citada no relatório anual de segurança interna, pode vir a verificar-se uma inversão com uma nova subida.
Ora, tudo isto vem a propósito da greve do dia 24. De um lado, a Procuradoria Geral da República decide assegurar os serviços mínimos, tendo sido a adesão decidida pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que avisou o ministro. Uma atitude nunca antes vista. Uma decisão comunicada à hierarquia do Ministério Público por Isabel São Marcos, a recentemente eleita vice-procuradora-geral, dois dias depois de o sindicato apresentar o pré-aviso aos ministérios da Justiça e do Trabalho. A procuradora-geral determinou que os procuradores-gerais distritais, o coordenador do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça e a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal assegurem, por turnos, o serviço urgente, nomeadamente casos de prazos máximos de prisão preventiva e providências urgentes de menores em perigo.
A decisão levantou polémica no Ministério Público, primeiro, porque não está prevista a intervenção sindical na definição dos serviços mínimos e porque espelha a posição própria de cada magistrado, na decisão de adesão à greve e, segundo, porque nunca se tomou uma medida destas ao nível da magistratura. A que acresce que as leis gerais que regulam o exercício do direito à greve prevêem o acordo entre os funcionários e as entidades patronais quanto à forma e duração dos serviços mínimos, sendo que, em regra, são os representantes dos trabalhadores a definir quem efectuará os serviços mínimos, com a excepção de, se os sindicatos nada decidirem até 24 horas antes do início da greve, a entidade patronal defini-os ela mesmo.
Relativamente aos funcionários do sector da Justiça, há que ter em conta o entendimento subscrito num parecer do Conselho Consultivo da PGR, de 1999, que reconhece que as associações sindicais têm de ser auscultadas quanto a serviços mínimos. O que fomenta o antagonismo entre as partes. Com o Sindicato dos Magistrados (ASMP) a garantir que vai definir os serviços mínimos com o Governo, porque não reconhece à PGR o direito a impô-los unilateralmente. A agravar pela circunstância de afirmar (a ASMP) que o Governo não está a negociar de boa fé a lei do Governo que visa rever o Estatuto dos Magistrados Judiciais, estabelecendo uma conexão (?!) entre as condições de independência necessárias às decisões judiciais os subsídios e a jubilação.
Para uns casos, os magistrados arrogam-se os protagonistas de um órgão de soberania independente, numa situação de supremacia. Para outros, exigem ter os direitos dos trabalhadores “normais”. Esquecidos ficam os índices de criminalidade a subir decorrentes, alguns deles, nas palavras dos próprios, da crise financeira. Crise financeira que não se coíbem de agravar aderindo a uma greve que em nada apoia a recuperação económica do País. Vestem-se e despem-se as becas, conforme as conveniências. E, abaixo de tudo, fica o interesse do País. Uma atitude que obriga ao desapontamento. Que provém da imagem que antes se tinha de uma classe que se supunha acima de lutas partidárias! Uma imagem dificilmente recuperável face ao recente protagonismo negativo dos vários interlocutores e representantes da classe. Provavelmente, fomos todos nós que errámos: elevamo-los a um púlpito imerecido!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

SOBRE AS NOVAS NOMEAÇÕES DO GOVERNO OU O ÓNUS DE SER DIRIGENTE

Fala-se muito das nomeações feitas pelo Governo, em mês e meio, já depois da aprovação do PEC III. Terão sido 270 nomeações para cargos na sua própria estrutura orgânica e nas administrações directa e indirecta do Estado. Em resposta, o Governo veio esclarecer que essas nomeações correspondem, maioritariamente, a substituições de dirigentes por concurso público. Razão pela qual não representam aumento da despesa, dado que os cargos já existiam e as respectivas verba estavam já cabimentadas. Para além do que, os candidatos a esses lugares são funcionários públicos que deixam de constituir uma despesa no quadro do mapa de pessoal, passando a ser remunerados pelo ministério do cargo dirigente para que são nomeados. Na prática, o que dali resulta é um excedente, e que, sendo para dirigentes nomeados por concurso público, é quase insignificante.
Lamentavelmente, esquecem-se alguns dados subvertendo as conclusões. Primeiro, que a fuga dos funcionários públicos de carreiras de alto nível, a par do recurso à pré-aposentação ou à reforma antecipada, privou alguns serviços e organismos de técnicos superiores e mesmo de dirigentes. Eu própria constato, como consultora e auditora, a incapacidade que os mesmos têm de lidar com uma legislação administrativa extraordinariamente complexa, sucedendo-se equívocos e erros flagrantes e que podem vir a custar muito ao Estado, caso os particulares fornecedores, prestadores, empreiteiros e até os próprios trabalhadores accionem os mecanismos processuais devidos. Segundo, a ausência de quadros dirigentes é, neste momento, dramática. Porque os mais velhos partiram, recorrendo à pré-aposentação, e, face à contenção os serviços se vão remediando com um ou outro que fica e que acumula com as tarefas antes distribuídas por vários, com a inerente sobrecarga de trabalho e desconhecimento das matérias e dossiers. Terceiro, tudo agravado pelos mecanismos da responsabilidade civil extracontratual do Estado que responsabiliza os titulares de cargos públicos pelos actos e omissões cometidos na sua função. O mesmo diploma que responsabiliza os médicos que estão ao serviço públicos por erros médicos e os juízes pelo erro judiciário. Com uma grande diferença: é que, enquanto estes protegidos pelas respectivas ordens profissionais possuem um seguro de grupo que lhes permite estar salvaguardados quanto a eventuais indemnizações devidas por aqueles erros, os titulares de cargos públicos vêm exposto o seu património pessoal caso errem nas suas decisões, pela simples razão de que nenhuma seguradora em Portugal aceita fazer esse seguro. Mesmo para os presidentes dos institutos públicos – apesar da existência de um despacho do Ministro das Finanças que a isso obriga - o que, tendo em conta, os montantes envolvidos na gestão, é um caso sério e um risco considerável. Tenho amigos que, antes de aceitar os cargos, optaram para uma separação judicial de bens, passando a titularidade do património familiar para o cônjuge, à cautela. E não se diga que se erram a culpa é sua, porque até acontece que alguns são qualificados gestores mas nada entendem, ou pouco entendem, do complexo ordenamento jurídico que regula a contratação pública. Pecam pela forma e não pela substância.
E, dirão, para que servem os trabalhadores públicos licenciados em Direito. Tendo em conta que se lhes proíbe o exercício da advocacia, não pode o Estado contar com prática de litigio, pelo que, quando representam o Estado em tribunal o resultado é, na grande maioria dos casos, negativo. Tendo em conta a diversidade de matérias que lhes é dada a analisar, obsta-se à especialização, pelo que não conhecem como seria desejável a complexidade de leis hoje ordenadoras da gestão pública. Junte-se a isto, que a contenção de despesas implica menos formação, o que resulta em menor qualificação.
Em suma, há até muito boa gente que está consciente que autorizará procedimentos, actos e despesas, e que, caso contenham erros de tramitação e/ou procedimentalização, e haja, por causa disso, lugar a indemnizações de terceiros, será o seu património a responder. Razão porque assumir um cargo de direcção é hoje, não um prémio, mas um ónus. Que nem todos estão dispostos a assumir.
A velha ideia dos jobs for the boys ruiu. Resta-lhes duas alternativas: ou se fazem assessorar por técnicos especializados ou, recusem a oferta e sugiram o nome do vosso pior inimigo. Porque o convite pode vir a revelar-se um presente envenenado!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA RESPONSABILIDADE FINANCEIRA DOS AUTARCAS

O presidente do Tribunal de Contas apresentou as suas críticas e exigiu ser ouvido pelo Parlamento a propósito da proposta do Orçamento do Estado para 2011, que contempla uma norma que, na sua opinião, "desresponsabiliza" financeiramente os titulares de órgãos autárquicos pelos seus actos de gestão. Trata-se da alteração ao artigo 61.º da Lei de Organização e Processo do TC que equipara, para efeitos de responsabilidade financeira, "os titulares dos órgãos das autarquias locais aos membros do Governo". Segundo Guilherme de Oliveira Martins, a norma é incoerente já que as câmaras municipais e as juntas de freguesias são órgãos que prestam contas e que a consequência directa da eventual aprovação da alteração será a ausência da efectiva responsabilização financeira dos titulares de órgãos autárquicos e a perversão do sistema de responsabilização financeira, para além de que obrigará a rever o quadro de competências dos órgãos dos municípios e freguesias, "sob pena de disfuncionalidade de todo o sistema".
A Associação Nacional de Municípios defende, através do seu presidente, que não se trata de "desresponsabilizar" os autarcas pelas suas decisões, mas sim de que os autarcas só respondam quando tomem decisões contrárias a pareceres fundamentados, supostamente vindos dos técnicos dos serviços autárquicos.
Não me vou pronunciar sobre a forma estratificada e fortemente hierarquizada do TC nem sobre a inabilidade, uma vezes, e a impossibilidade, outras, de recolha de prova pelos auditores no terreno - que, na generalidade dos casos, resulta no arquivamento dos processos em sede de apreciação da culpa pelo Ministério Público - nem sequer me pronuncio sobre as sanções incompreensivelmente baixas na proporção dos ilícitos praticados ou na possibilidade de pagamento voluntário das coimas por quantia irrisória.
Do alto do seu estamine, os preconizadores da medida ou contornam uma questão nuclear, conhecendo-a, ou simplesmente esquecem-na, por desconhecimento: quem fará os tais “pareceres” fundamentados que justificarão os actos dos autarcas e os desresponsabilizarão. Primeiro, como consultora na área da contratação pública, conheço algumas autarquias, e sei que, muitas delas, não têm pessoal técnico apetrechado dos conhecimentos para fazer um trabalho que seja uma “espécie” de parecer – razão porque são os consultores externos (lembrando que poucos advogados, à excepção dos conhecidos consultórios de especialistas em Direito Público, dominam o acervo de legislação administrativa e autárquica a que acresce a complexidade do Código dos Contratos Públicos) a elaborar tais pareceres. Já se adivinha a pressão para se escrever isto ou aquilo consoante o fim que se pretenda – o que presume que primeiro se conheça a conclusão querida e só depois se teça o raciocínio, num enviesado que vai do silogismo para a premissa – o que nem me perturba tanto como isso, desde que o se queira praticar seja um acto lícito e de interesse para a autarquia. Mas para o consultor externo nem é assim tão grave, já que tem liberdade para expor várias soluções e discutir com independência técnica as questões perante os responsáveis. Fico a pensar é naquelas autarquias em que existem técnicos a quem vai ser “encomendado” um parecer para sufragar esta ou aquela decisão e na pressão que sobre os mesmos será feita para produzirem um trabalho que legitime decisões nem sempre defensáveis à luz do Direito, a par do dever de acatar ordens e, nalguns casos, do temor reverencial, acompanhada das consequências de não fazerem o jeito às chefias, ou de, fazendo-o, e, havendo responsabilidade civil extracontratual e disciplinar sobre o acto praticado, sobre eles recair direito de regresso e processo disciplinar em conformidade.
O que me suscita uma constatação: atendendo ao número de técnicos autárquicos superiores e ao ainda menor número que detém massa critica ou liberdade para contrapor soluções e questionar ordens, a aplicação da norma agora proposta no OE pode vir a ter um efeito pernicioso – a criação de um segmento especifico de funcionários sobrecarregados e sobre os quais hão-de recair pressões e responsabilidades acrescidas. E que são dos piores pagos na Administração Pública. É como dizia Calimero: é uma injustiça!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

PASSOS COELHO: AUDITORIA DO TRIBUNAL DE CONTAS À E.M. ACÇÃO PDL – A OPORTUNIDADE DE APLICAR JÁ A SUA PROPOSTA DE CRIMINALIZAÇÃO

Pedro Passos Coelho tem sido criticado pela sua ideia quixotesca (não pela intenção mas pela sua inexequibilidade) de responsabilizar criminalmente os governantes. Como ficou evidente que PPC nem sequer tem a ideia do que é a responsabilidade criminal, dispararam reparos jurídico-constitucionais com arrazoados muitas vezes incompreensível pelos leigos.
Uma notícia de hoje deu-me o mote. E já que, ao que parece, faltou às aulas ministradas na Universidade de Verão do PSD por Guilherme de Oliveira Martins, Presidente do Tribunal de Contas, e tão-pouco conhece o conceito de responsabilidade financeira, aproveito-a para lhe a exemplificar com um caso concreto.
O Tribunal de Contas, numa actual auditoria identificou várias irregularidades na gestão desenvolvida pela empresa municipal Acção PDL, uma sociedade anónima criada pela Câmara Municipal de Ponta Delgada (liderada pela líder do PSD/A, Berta Cabral) que gere investimentos nas áreas de urbanização, requalificação urbana e habitação social. Da lista das irregularidades consta que, relativamente a gestão de obras, o projecto do Parque Urbano de Ponta Delgada, orçado em 15 milhões de euros, previu a construção de um pavilhão multiusos e de um complexo de piscinas, que não foram executados mas em que o dinheiro se gastou num driving range e num club-house, para além de falhas contabilísticas, valores incorrectamente declarados e documentos em falta. Constatou-se ainda que a autarquia criou uma outra sociedade anónima, a Cidade em Acção, cujas tarefas se sobrepõem, parcialmente, às da Acção PDL. Através destas duas empresas, a autarquia contraiu, até 30 de Setembro de 2009, dívidas superiores a 20 milhões de euros, admitindo-se que sejam mais avultadas e estejam ocultas devido à ausência de informação consolidada. E o anexo ao balanço e à demonstração de resultados não contém informação relativa aos "compromissos financeiros futuros" firmados entre 2009 e 2010 e que ascendem a 37 milhões de euros. Apesar disto, os responsáveis afirmam que estão satisfeitos, que foi mínimo o número de irregularidades detectadas e que não implicam responsabilidade pessoal de nenhum dos administradores.
Berta Cabral terá também faltado às aulas, o que se compreende já que era destinada a jovens. Já compreendo menos bem que a Passos Coelho nem sequer tenham mostrado os power-point. Quando, dentro do mesmo partido, temos opiniões tão dispares fica óbvio que uns conhecem as lacunas do sistema que eles próprios criaram e que outros, aqui incluindo o seu líder nacional, venham, com manobras de populismo, esgrimir com um ordenamento jurídico consolidado apenas no seu imaginário.
Contarão com o desconhecimento do “povo”, enquanto “massa anónima de votantes” – como ouvi durante anos um dirigente do PSD dizer de viva voz – mas talvez fosse providente contarem também com o conhecimento de algum desse “povo”. É que, uma coisa é certa, ainda que não se chegue ao ponto de subscrever as palavras de Francisco Lopes que já disse que “Pelas palavras, certamente inconsequentes do Presidente do PSD, sobre a sujeição dos responsáveis da situação do país à justiça podia parecer que Cavaco Silva fosse chamado à Justiça. É difícil encontrar quem tenha mais responsabilidades.”, apoiando-se no número de anos – 15 – em que Cavaco Silva exerceu cargos políticos em Portugal, Passos Coelho pode começar já a aplicar, na prática, aquilo que tanto defende, em teoria, “propondo” a Berta Cabral que se demita de funções e que renuncie a todos os cargos políticos e que, em regime de voluntariado, comece, a suas expensas, a equacionar o tal regime com que sonha PPC, e, abrindo mais uma excepção de cariz jurídico-penal, propor a aplicação retroativa da afamada criminalização voluntariando-se às sanções que o seu líder partidário defende.
Todos tentámos explicar a PPC que a aplicação do sistema que defende esvaziaria o partido, o que ele terá entendido – senão mesmo equacionado antes de lançar a público a sua ideia – o que significa que poderá renovar o partido de alto a baixo – e provavelmente será mesmo isso que pretende. Começando já com este caso actual. Ensinaram-me as dominicanas que quem foi bafejado pelo factor sorte não a deve desperdiçar ao jogo, sob pena de receber, em contrapartida, azar. Passos Coelho teve sorte em chegar a líder dos sociais-democratas mas vai jogando e perdendo. Em primeira instância, dir-se-á que conhece mal – se for mesmo um “ovo kinder” – ou que conhece até demasiado bem – se for um bom aluno do mestre – o seu partido. Em última instância, o tal “povo” que nada percebe e tudo engole vai escasseando ante o império da informação e do acesso ao conhecimento. E é esse mesmo “povo” que vai esperar sentadinho pela sua atitude concreta no caso em análise. E, a partir dela, concluir pela categoria em que o decidirá inserir: um “ovo kinder” ou pupilo de Maquiavel?!

sábado, 6 de novembro de 2010

VENCIMENTOS DOURADOS EM TEMPOS APOCALIPTICOS

Obviamente que os vencimentos dos administradores da Fundação Cidade de Guimarães têm de ser reequacionados à luz dos vencimentos dos seus congéneres, mas sobretudo à luz da política de contenção que o País atravessa. Mas a primeira nota de preocupação vai para o descontrolo - neste caso em grande parte devido à omissão (não lhe chamemos sonegação, para não carregar o tom do discurso) de informação do Conselho Geral da Fundação, do Estado – legitimado pela permissividade legal do regime jurídico que às mesmas assiste. As palavras da Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, têm de ser contextualizadas neste quadro. Esta só terá tido conhecimento das quantias envolvidas quando preparava o orçamento. Não tenho dúvidas quanto às suas palavras, Canavilhas tem fama de ter pulso firme e creio que dificilmente anuiria a ter, no âmbito da sua tutela, administradores [da Fundação] que ganhem (até) mais do que ela própria (o presidente aufere 14 mil euros e os dois vogais, cada um, 12 mil euros).
Esta (grave) omissão do Conselho Geral da Fundação assenta fundamentalmente no facto de o Ministério da Cultura não participar da contribuição retributiva, pelo que tem todo o sentido defender um modelo das fundações em que haja uma partilha da responsabilidade [do Estado] com a sociedade civil (como é o caso da Fundação Serralves). Qualquer ente civil, independentemente da sua designação, que beneficie de fundos públicos seja controlado, na devida proporção, pelo Estado. Estamos claramente aqui perante uma figura similar àquela que o direito comunitário designa por “organismo de direito público”, já assimilada pelo direito interno, designadamente, no Código dos Contratos Públicos, e adoptada para efeitos de validar a actuação inspectiva dos serviços inspectivos competentes, no caso a Inspecção-Geral das Actividades Culturais e a Inspecção-Geral de Finanças, e de auditoria, nomeadamente o Tribunal de Contas.
Atribuir dinheiros públicos e depois não os poder “perseguir”, perder-lhes o rasto, é um absurdo do ponto de vista do financiamento e da verificação da regularidade da aplicação dessas verbas. Sobretudo porque se está a sobrefinanciar numa área (a da cultura) em que a contenção de verbas assumiu o rosto de uma guilhotina para alguns dos nossos ex-libris nacionais, caso do Teatro Nacional S. João – que estava já antes desta “financeiramente doentíssimo” e que, ao que parece poderá ser objecto de uma operação de salvamento por um novo mecenas, a ANA -- Aeroportos de Portugal. Um caso dramático em que já não há dinheiro para a programação, nem para o funcionamento do dia a dia. Pelo que conheço, enquanto consultora e auditora na área, a integração deste teatro e do Nacional Dona Maria II na OPART (Organismo de Produção Artístico, E.P.E.), poderá ser o balão de oxigénio em falta.
Não propriamente na Cultura mas lá por perto urge deitar a mão à situação ofensiva verificada na RTP, com quadros a auferirem 15.000 euros por mês, “quase o dobro” do Presidente da República. O que levou já o ministro dos Assuntos Parlamentares a admitir que “não deve haver temas tabus” e que se deve reponderar “quais são os níveis justos e proporcionais dos vencimentos no sector público empresarial”. Alguns quadros da RTP ganham 15.000 euros/mês e há assessores e consultores que recebem 8.600 euros.
Em suma, deixam-se dois exemplos de aplicação dos dinheiros públicos – o da Fundação Cidade de Guimarães e do da RTP – que mereceriam uma atenção redobrada. O uso dos dinheiros públicos, independentemente das vestes de que se revista, deve ser repensado em toda a linha, desde o momento da sua atribuição até à justificação da sua aplicação. E só podemos ficar apreensivos quando se constata que uma parte significativa dessa aplicação se faz com a atribuição de vencimentos de quadros e de gestores que, tendo em conta os tempos difíceis que vivemos, literalmente, podemos qualificar de escandalosos.
São “faces ocultas” apadrinhadas pela Lei, reconhece-se. São vencimentos de “pleno direito”, sabe-se. Mas então que se alterem as leis, porque quando a lei é ela própria subversiva, torna-se premente fazê-la cair. Se, por um lado, se criam novas leis, quase diariamente, para espartilhar a vida dos que mais precisam, e, por outro, continuam vigentes leis velhas que legitimam a abundância e o desperdício dos mais beneficiados, o Estado corre o risco de ser visto como um cavaleiro do Apocalipse, com a particularidade de vestir de preto, para uns, e de dourado, para outros. Um anjo da desgraça para uns e um anjo da graça para outros.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

INSURGEM-SE AS VOZES “CONTRA O FIM DA ACUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS E PENSÕES”

Muitos portugueses disseram “finalmente” quando na quinta-feira o Governo anunciou que vai proibir a acumulação de pensões com salários na Função Pública. De facto, numa época de grande contenção não me vêem à lembrança argumento de maior para alguém se insurgir contra a medida. E dei comigo a pensar que esta era uma das medidas que mereceria a aprovação de todos. Enganei-me. Agradar a gregos e troianos é impossível.
Trata-se de uma medida, já aprovada em Conselho de Ministros, cujo âmbito de aplicação inclui não somente antigos políticos mas também todos os que desempenharam funções públicas e que recebam uma pensão por essas funções, paga pela Caixa Geral de Aposentações, por Fundos de Pensões ou pela Segurança Social. Resumindo, atingirá o bolso de deputados, autarcas, ministros, políticos, gestores de empresas públicas, médicos, magistrados e os demais que acumulem pelo menos uma pensão de reforma e um salário na Função Pública. Sim, pelo menos uma, já que todos conhecemos quem tenha cinco, seis e sete.
Num primeiro momento, o Governo terá ponderado aplicar a medida para o futuro, perante o espectro de uma eventual declaração de inconstitucionalidade por ser aplicada retroativamente a direitos adquiridos, mas depois terá equacionado que, se o argumento já visado pelo Tribunal Constitucional relativamente à retroatividade dos impostos, e outros com os quais espera fazer vingar a medida de subtracção dos vencimentos dos funcionários públicos, designadamente o do “interesse público”, servirão igualmente para validar a medida.
Infelizmente para os próprios, Manuela Ferreira Leite e Cavaco Silva, são alguns dos titulares de cargos políticos que, a partir de Janeiro, não poderão mais acumular as respectivas pensões com os actuais salários. Evidentemente, uma enorme maçada! E ergue-se já um coro de vozes solidários e preocupados com estes e outros que tais. A começar pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim, que veio a público chamar o Estado português de “ladrão". E mais diz que é "caso de tribunal", não sem, em simultâneo, criticar o Tribunal Constitucional por estar "desacreditado" desde que deixou "passar a retroatividade dos impostos".
Sabemos, pois, que existem, no mínimo, três cidadãos indignados com o Governo. Por acaso, dá-me na gana de dizer que, para compensar, nós por cá, até estamos agradados. E, como se sabe que o Estado desconhece quantos cidadãos usufruem de tão justiceira medida, apetece-me até dizer: para uns será uma maçada, para outros será uma caçada. E desejar aos últimos bom tiro ao alvo e certeira pontaria. O povo agradece.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A CENA DO ORÇAMENTO – VISTA POR FORA (E POR DENTRO?)

Intervalada a novela do Orçamento de Estado, esquecendo o caricaturismo de algumas cenas que ficarão lembradas na forma de fazer política em Portugal (ir a casa de um dos protagonistas, a fotografia saída do telemóvel de um deles, numa inédita “privatização” da vida pública), achei interessante partilhar convosco uma certeza: se nós andámos baralhados com as jogadas fará os de “fora”. Refiro-me à imprensa internacional que põe em evidência o ressurgimento de tensões durante a apresentação do acordo no Orçamento para 2011.
O Wall Street Journal afirma que o entendimento "após controversas semanas de intensas negociações" se deveu às cedências de ambas as partes a fim de se evitar uma crise financeira e política, destaca as críticas de Teixeira dos Santos relativamente às exigências do PSD e as repercussões orçamentais decorrentes das mesmas. E acaba por concluir que a solução foi a possível já que o chumbo do OE poderia levar à queda do Governo e a uma crise que muito provavelmente obrigaria Portugal a "seguir o exemplo da Grécia", pedindo ajuda à União Europeia e ao Fundo Monetário Internacional.
O Financial Times retira a mesma conclusão e é assim que justifica o acordo após "várias semanas de tensas negociações", embora acresça que a tensão ressurgiu no sábado, depois da cerimonia de assinatura do protocolo ser cancelada à última hora e de se ter optado por declarações separadas, realçando que o ministro das Finanças "criticou o PSD por não apresentar propostas adicionais de cortes na despesa para compensar a perda de receitas" resultantes das medidas de que fez condicionar o acordo.
"Portugal evitou um possível colapso do Governo após os dois principais partidos terminarem no sábado um mês de impasse quanto ao orçamento do próximo ano", titula o New York Times, destacando o facto de José Sócrates ter ameaçado com a demissão várias vezes, na eventualidade da não aprovação do OE na Assembleia da República, concluindo que o acordo irá forçar o Governo a encontrar soluções alternativas para atingir a meta do défice.
A agência financeira Reuters salienta também que o acordo visou evitar uma crise política e financeira e qualifica Portugal como um dos membros da zona euro mais frágeis financeiramente, após um impasse que "ameaçou deixar o país paralisado", não deixando de concluir, como os demais, que a inexistência de um acordo "poderia obrigar o Governo a procurar um apoio financeiro nos seus parceiros europeus, como a Grécia fez no ano passado”.
Seria de pensar que, no plano internacional, os comentadores, os economistas e os politólogos, com a assinatura do acordo, tivessem sossegado os mercados e os parceiros internacionais. Mas segundo Nouriel Roubini (o economista que previu a última crise financeira), Portugal e a Irlanda acabarão por ter o mesmo destino da Grécia. "Apesar do plano de resgate anunciado, apesar das ajudas à Grécia e apesar dos testes de resistência à banca, as dívidas dos países periféricos continuam a apresentar problemas. E o crescimento económico na Europa, especialmente nos PIGS, vai ser muito baixo e inclusivamente negativo. O panorama assusta", afirmou entrevista ao ‘El País'. E afirma que "com dívidas tão altas e com os planos de austeridade, a deflação é um risco sério", antecipando que "países como a Grécia vão ter que reestruturar a sua dívida e isso provocará uma nova crise orçamental" e que esta "já não é uma questão se vai acontecer, mas apenas quando". Concluindo, aponta o dedo, dando-os como culpados da difícil situação dos países periféricos, o Banco Central Europeu (BCE) e a Alemanha. "A teimosia do BCE, que se empenha em ver fantasmas de inflação, é um desastre para a Europa e em particular para os países periféricos", disse. E avisa "quando o euro atingir os 1,60 dólares desaparecerá qualquer possibilidade de recuperação, e provavelmente veremos outro país a pedir um resgate como fez a Grécia. Portugal e Irlanda são os países pior situados". Já Espanha, refere, "está muito melhor que a Grécia, e melhor que a Irlanda ou Portugal", apesar de que "tem uma dívida privada enorme, um desemprego muito elevado que não vai baixar no médio prazo e uma bolha imobiliária".
Por cá ficámos com a ideia de que o risco de nos vermos governados pelo FMI desapareceu com a aprovação do Orçamento. Por lá, ficaram com a ideia de que apenas conseguimos adiar o inevitável. No entretanto, resta-nos “conquistar Portugal”. É chegada a altura de, plagiando John F. Kennedy, cada português apontar para si mesmo e para o outro e dizer " Não perguntes o que o teu País pode fazer por ti, mas sim o que tu podes fazer pelo teu Pais".