"O caso WikiLeaks tem uma dupla leitura. Por um lado, revela-se um escândalo aparente, um escândalo que só escandaliza por causa da hipocrisia que rege as relações entre os Estados, os cidadãos e a Comunicação Social. Por outro, anuncia profundas alterações a nível internacional e prefigura um futuro dominado pela recessão."
O WikiLeaks demonstra que os processos dos serviços secretos se servem, em grande ou em toda a medida, das notícias e da imprensa. As “extraordinárias” revelações norte-americanas sobre os hábitos sexuais de Berlusconi transcrevem o que há meses se lê em qualquer jornal (exceto naqueles de que Berlusconi é proprietário), e o perfil sinistramente caricatural de Kadhafi era já há muito tempo razão para piadas dos artistas de cabaré.
O WikiLeaks demonstra que os processos dos serviços secretos se servem, em grande ou em toda a medida, das notícias e da imprensa. As “extraordinárias” revelações norte-americanas sobre os hábitos sexuais de Berlusconi transcrevem o que há meses se lê em qualquer jornal (exceto naqueles de que Berlusconi é proprietário), e o perfil sinistramente caricatural de Kadhafi era já há muito tempo razão para piadas dos artistas de cabaré.
Pode mesmo dizer-se que existe uma regra que obriga a que os processos secretos sejam compostos exclusivamente por notícias conhecidas. As informações ultrassecretas sobre Berlusconi, que a embaixada norte-americana em Roma enviava ao Departamento de Estado, eram as mesmas que a Newsweek publicava na semana anterior. Então porquê tanto barulho por causa destas "revelações"? Se dizem o que qualquer pessoa informada já sabe - que as embaixadas, desde o final da IIª Guerra Mundial, e desde que os chefes de Estado têm permissão para se telefonar ou apanharem um avião para jantar, perderam a sua função diplomática e, à exceção de alguns pequenos exercícios de representação, transformaram-se em centros de espionagem... Mas é o facto de ser exposto publicamente é que viola o dever de hipocrisia e faz cair por terra a imagem da diplomacia norte-americana. Depois, a ideia de que qualquer pirata informático possa captar os segredos mais secretos do país mais poderoso do mundo desfere um golpe não negligenciável no prestígio do Departamento de Estado. Assim, o escândalo põe tanto em cheque as vítimas como os “algozes”. Quando se demonstra que as criptas dos segredos do poder não escapam ao controlo de um pirata informático, a relação de controlo deixa de ser unidirecional e torna-se circular.
O poder controla cada cidadão, mas cada cidadão, ou pelo menos um pirata informático – qual vingador do cidadão –, pode aceder a todos os segredos do poder. Como se aguenta um poder que deixou de ter a possibilidade de conservar os seus próprios segredos? Já o dizia Georg Simmel: um verdadeiro segredo é um segredo vazio (e um segredo vazio nunca poderá ser revelado). E se saber tudo sobre o caráter de Berlusconi ou de Merkel é realmente um segredo vazio de segredo, porque releva do domínio público; revelar, como fez o WikiLeaks, os segredos de Hillary Clinton são segredos vazios significa retirar-lhe qualquer poder. O WikiLeaks não fez mossa nenhuma a Sarkozy ou a Merkel, mas fez uma enorme a Clinton e Obama.
A tecnologia avança agora a passo de caranguejo: às arrecuas. Um século depois de o telégrafo sem fios ter revolucionado as comunicações, a Internet restabeleceu um telégrafo com fios (telefónicos). As cassetes de vídeo (analógicas) permitiram aos investigadores de cinema explorar um filme passo-a-passo, andando para trás e para diante, a descobrir todos os segredos da montagem; agora, os CD (digitais) permitem apenas saltar de capítulo em capítulo, ou seja por macro porções. Com os comboios de alta velocidade, vai-se de Roma a Milão em três horas, enquanto, de avião, com as deslocações que implica, é necessário três horas e meia. Não é, pois, descabido que a política e as técnicas de comunicação voltem aos carros puxados a cavalo.
Uma última observação. Dantes, a imprensa tentava compreender o que se tramava no segredo das embaixadas. Atualmente, são as embaixadas que pedem informações confidenciais à imprensa. (transcrição livre e adoptada)
Uma última observação. Dantes, a imprensa tentava compreender o que se tramava no segredo das embaixadas. Atualmente, são as embaixadas que pedem informações confidenciais à imprensa. (transcrição livre e adoptada)