segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

EDP perde caso em que exigia pagamento após erro na facturação


Transcrevo na íntegra.
"O caso não é milionário, mas mostra como um gigante perdeu em várias instâncias judiciais uma disputa contra duas empresas três mil vezes mais pequena.
A EDP Distribuição perdeu um diferendo que se arrastava há oito anos contra dois antigos clientes industriais, a Flexsol, de Santa Maria da Feira, e a Produtex, de São João da Madeira. Depois de ter processado as empresas para exigir o pagamento de verbas relacionadas com erros de facturação, a EDP Distribuição viu sucessivamente ser-lhe negado pela Justiça o direito ao que reclamava. O processo culminou com uma decisão do Tribunal Constitucional (TC), tomada em Outubro, que negou provimento ao recurso da EDP.
Em 2002 a EDP Distribuição, cujos proveitos ultrapassam os três mil milhões de euros por ano, descobre erros de leitura dos consumos da Flexsol, empresa com um volume de negócios anual em tomo de um milhão de euros, dedicada à produção de couros para o calçado e outros negócios. "Reclamaram o pagamento já fora do prazo e sem lógica. Depois reclamaram os retroactivos dessa má leitura", resume Pedro Machado, sócio gerente da Flexsol, em declarações ao Negócios.
Em causa, no que respeita especificamente a esta empresa, estavam "milhares de euros", segundo o mesmo responsável. A Flexsol mudou entretanto de fornecedor, passando a ser abastecida pela Iberdrola. "Neste momento [a mudança] é positiva por questões tarifárias", aponta Pedro Machado.
A EDP disse ao Negócios que não recorrerá da mais recente decisão judicial, sem detalhar os valores que estavam em causa no processo. O acórdão de 6 de Outubro do TC também não refere quaisquer verbas, dizendo apenas que a acção movida pela EDP Distribuição visava o pagamento de "determinada quantia a título de valor de energia eléctrica fornecida em média tensão [MT] que, por erro, não fora facturada oportunamente".
A acção foi julgada improcedente numa primeira instância. "A sentença foi sucessivamente confirmada pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça [STJ], este por acórdão de 3 de Novembro de 2009", explica o TC.
EDP aponta inconstitucionalidade
No último recurso, a EDP Distribuição aponta inconstitucionalidade à decisão do STJ, que se justificou com a caducidade do direito da EDP a receber as verbas pretendidas, dado que o ponto da Lei 23/96 (sobre a protecção do utente de serviços públicos essenciais), em que a EDP baseou a sua argumentação jurídica, não inclui os fornecimentos em média tensão.
"Admitir que as regras sobre prescrição e caducidade do pagamento de energia da Lei n.° 23/96 possam estender -se aos consumidores de média tensão, admitir que eles não se achem compreendidos no n.°3do artigo 10.°, equivale a atribuir-lhes um excesso de protecção em confronto com a protecção conferida aos consumidores em baixa tensão, aos clientes domésticos e aos consumidores finais", defende a eléctrica.
O ponto em causa indica que "a exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento". A mesma lei diz também que "se, por qualquer motivo, incluindo o errado prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento". A única excepção a este regime é o fornecimento de electricidade em alta tensão.
O TC diz no acórdão que neste caso "não estamos perante a reclamação de alguém (...) contra um tratamento desigual que o atinja". "Na verdade, o que a argumentação da recorrente [EDP Distribuição] verdadeiramente censura é a não fidelidade do legislador à opção que justifica o regime excepcional desfavorável para certa categoria de utentes de energia eléctrica", prossegue o acórdão. Sublinhando que "julgar a norma inconstitucional com este fundamento traduzir-se-ia em invadir o espaço de discricionariedade legislativa", o TC conclui que "o sentido normativo a que chegou a decisão recorrida [do STJ] não é uma opção censurável"." Miguel Prado Jornal de Negócios 27.12.2010