A Justiça assume-se como um marco civilizacional e uma componente determinante num Estado de Direito. De nada serve gritar aos sete ventos que se vive em Democracia quando depois, na vida de cada um, se sente a (in)justiça das decisões judiciais, o anacronismo dos processos, a chacota com que os “grandes” advogados tratam o Direito e se digladiam entre si e com que caldeiram as leis em banho-maria.
Se um país não possuir e exteriorizar uma Justiça robusta, que se dê ao respeito e que seja respeitada, corre-se o risco de retornar à vingança privada, ao “olho por olho, dente por dente”, ao linchamento popular.
Mais do sentir que não se faz justiça o povo sente que não se pratica a equidade – que é a Justiça aplicada ao caso concreto – já que somos levados a crer que o sentido da decisão tem muito a ver com a bolsa do arguido. Exemplifico: do pobre, se subtrai um pão ou uma fruta para matar a fome, dir-se-á que “rouba” (pratica, portanto, um crime) e sujeitar-se-á, por força dessa qualificação, a pena de prisão; do rico, que arrecada bolso dentro uns milhões de um Banco, pode dizer-se que “se apropriou indevidamente” ou que “desviou” e, por isso, basta pagar uma multa. Um verá o sol aos quadradinhos, outro continuará a dormir um sono santo em lençóis de seda.
Os juízes, no Direito de família romana, como o nosso, limitam-se a aplicar o Direito. E os ordenamentos jurídicos são cada vez mais complexos, assumindo-se como autênticas engrenagens. A produção legislativa apresenta-se cada vez mais deficiente e excessiva. A consequência é a morosidade, a incoerência e a instabilidade dos processos e das decisões dos tribunais. Aos juízes exige-se coragem e o desassombro na sua compreensão e na sua aplicação, já que, cada vez mais, os advogados com maior “habilidade” recorrem a expedientes inovadores, nunca antes tentados, suscitando a nulidade de parte ou até de todo o julgamento.
Digo igualmente, numa versão arrevesada da frase original que “quem só sabe de Direito nem de Direito sabe”. Exige-se que os aplicadores da Lei sejam experimentados na realidade e não que se detenham no topo dos seus (frágeis) pedestais, mas que retirem da realidade (social, económica, financeira, politica) o conhecimento e a habilitação que lhe permitam as decisões mais conformadas com o espírito do legislador e com o modus vivendi e o modus operandi do caso. O desconhecimento da lei não abona a ninguém – é certo e sabido. Mas a vida ensina que os que melhor a conhecem são os que, infelizmente, nem sempre, mas por vezes, se servem dela (da lei), banqueteando-se como se fosse um prato de gourmet e servindo-se de advogados e de juízes como se fossem chefs de cuisine que tratam por tu.
Mesmo sendo republicana, ou talvez porque o sou, não acho a menor graça a que o Procurador-Geral da República do meu querido País, que é um Estado de Direito Democrático, se compare à Rainha de Inglaterra – com quem pode até ter algumas semelhanças, sobretudo na falta de graça. Os poderes devidos e adequados estão na lei – mas o “pior cego é o que não quer ver”.
Há uma coisa que afirmo aqui aos meus caros amigos e leitores – sou uma cidadão portuguesa que quer reacreditar na Justiça do seu País. Sou uma profissional do Direito que se dedica não à barra dos tribunais mas à investigação. E o Direito é - exige-se que seja - um edifício respeitável. A Justiça tem de se saber fazer respeitar. Porque todos nós, perante a vicissitude de termos de recorrer aos tribunais, queremos saber que são “entes de bem”. E porque – raios partam – se os agentes e aplicadores do Direito não se dão ao respeito, então cabe-nos a nós, meros cidadãos que a todo o tempo lhes podemos cair nas mãos – fazermo-nos respeitar.