sexta-feira, 13 de agosto de 2010

UMA REVISÃO CONSTITUCIONAL REVISÍVEL


Com Setembro à porta, o projecto de revisão constitucional do PSD volta a merecer atenção.
Esta é uma questão absolutamente nuclear porquanto a Constituição da República Portuguesa se encontra, abaixo do Direito Internacional e do Direito Comunitário, no topo da pirâmide da hierarquia das leis. É a Lei-Mãe. O que significa que o que vier a decidir-se, no contexto da revisão constitucional, vai determinar o teor das leis avulsas que nos governam.
E importa dizer, desde já, que, por causa desta circunstância, o restante ordenamento jurídico-legal depende, em estreita medida, do que ela conforma e encerra. Portanto, não está em causa a legitimidade política de um partido propor uma versão actualística de alguns dos seus pontos nucleares. O que se afigura de questionar são, precisamente, os pontos que se pretendem, uma vez que eles subsumem em aspectos essenciais da arquitectura económica e social do regime.
Por exemplo, quando se fala em alterar conceitos já consagrados pela doutrina e pela jurisprudência e adoptados pela lei substantiva (incluindo no Código do Trabalho), como o do ‘despedimento sem justa causa’, e se propõe retomando – curiosamente - uma velha fórmula do gonçalvismo: a do ‘despedimento sem razão atendível’, esquecem-se as consequências que daí adviriam para a estabilidade política, institucional e social, desde logo, por se abrirem de forma escancarada as portas do desemprego.
Depois, propõe-se rasurar a filosofia do Estado social, recorrendo a fórmulas próprias de um liberalismo que já se revelou desadequado, sobretudo depois do crash de 2008. É o retrocesso às ilusões ideológicas que robusteceram as utopias do Estado que moldou o PREC. O projecto até agora conhecido – o do PSD, a que nos vimos referindo – limita-se a substituir o pressuposto da bondade do Estado pela bondade da iniciativa privada. Segundo esta ideia, a iniciativa privada limitar-se-ia a “tomar conta” da vida económica e social, restringindo-se o Estado a uma função meramente supletiva. E, quando se fala nesta questão, sublinhe-se que se fala, por exemplo, da Saúde e da Educação, que, a estarem a cargo dos privados, tenderão a esquecer os mais carenciados, correndo-se o risco de agravamento da marginalização social e de se acentuarem ainda mais as desigualdades sociais.
Mas o equívoco maior da proposta de revisão constitucional é a confusão que o PSD faz quanto à necessidade de libertar a sociedade civil da tutela estatal. Não se trata de estar contra ou a favor da autonomia da iniciativa privada, de resto inquestionável face ao texto constitucional, mas sim de pôr em causa a idealização de uma certa iniciativa privada que se parece assumir preocupada com as questões sociais e capaz de aceitar a devida solidariedade em matérias tão cruciais para os cidadãos como a Saúde e a Educação. Não desconhecemos que a moderna “responsabilidade social” integra hoje todos os relatórios das entidades privadas, mas, estamos em crer que não é expectável que uma indústria de serviços direccionada para o lucro se dê as tais voluntariedades.
E, nos tempos de crise em que vivemos, não é este o tempo para arriscar modelos que descurem o que de mais elementar há para assegurar a qualidade de vida das actuais e, principalmente, das futuras gerações: o estar bem fisíco, o conhecimento e a qualificação profissional.