segunda-feira, 2 de agosto de 2010

UMA JUSTIÇA (INJUSTA) – UM POVO DE LUTO



Quem não tem formação jurídica estará, por esta hora, a concluir, uma de duas coisas, que parte da malta de Direito, depois de queimar tantos neurónios e pestanas e de carregar quilos de manuais, ficou, definitiva e irreparavelmente, com os fusíveis fundidos, e que a outra parte (da malta de Direito) tem “rabo preso” com o poder político. Explicar a alguém o arquétipo da tripartição de poderes (legislativo, executivo e judicial) é obra vã. Nenhum português vai acreditar que os juízes decidem de forma independente. Começa a ficar difícil que alguém compreenda a (in)governabilidade do sistema judicial.
Depois do Casa Pia, sobre que falaremos um destes dias, que sofre expedientes processuais (vulgo, rasteiras) que levam a adiamento sobre adiamento, começando a suspeitar-se, já que se avizinha a prazo de prescrição para os crimes a julgar, que tudo dê “em águas de bacalhau”, o Freeport põe qualquer cidadão, no uso pleno das suas faculdade mentais, de boca aberta.
Vem a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Cândida Almeida, admitir que o processo, apesar de concluído pelo Ministério Público, e após o arquivamento dos crimes de corrupção (activa e passiva), tráfico de influência, branqueamento de capitais e financiamento ilegal de partidos políticos pode ser reaberto, argumentando que "Foi levada a cabo uma cuidada e profunda análise da prova produzida e de diligências encetadas ainda sem resposta, por dependeram da cooperação internacional em matéria penal. Uma vez recebidas e caso determinem a alteração da decisão ora tomada, reabrir-se-ão os autos" (despacho final). Reconhecendo o "interesse na inquirição" do primeiro-ministro, José Sócrates, e do ministro de Estado e da Presidência, Pedro Silva Pereira, adianta que das "respostas eventualmente obtidas não resultariam alterações de fundo aos juízos indiciários, próprios desta fase, que subjazem ao despacho de arquivamento e de acusação deduzidos".
Vem o Procurador-Geral da República anunciar a realização de um inquérito "para o integral esclarecimento de todas as questões de índole processual ou deontológica" que o processo possa suscitar e visando apurar "eventuais anomalias registadas na concretização de actos processuais", mas mantendo a posição de que não vai reabrir a investigação. Explicando também que a data de conclusão do processo (25 de Julho) foi proposta pela dita directora, "aceite pelo vice-procurador-geral da República a 4 de Junho", e que "o prazo podia ser prorrogado" se os procuradores ou Cândida Almeida o requeressem. "Não requereram a prorrogação porque não quiseram". "Os magistrados titulares do processo [Paes Faria e Vítor Magalhães] procederam à investigação, com completa autonomia, inquirindo as pessoas que julgaram necessárias e realizaram todas as diligências que tiveram por oportunas". Sobre as 27 perguntas elencadas pelos procuradores para fazer ao primeiro-ministro, Pinto Monteiro responde: "os investigadores dispuseram quase de seis anos para ouvir o primeiro-ministro e os procuradores titulares um ano e nove meses. Se não o ouviram, é porque entenderam não ser necessário".
A dois anos de terminar o mandato, Pinto Monteiro vê-se no centro de uma polémica que evidencia um Ministério Público que vive num clima de guerra, equívocos e aparente decadência. Clima que pode agudizar-se se o inquérito terminar com penas disciplinas para os investigadores, em face da deslealdade que representa para a hierarquia terem arquivado o processo sem lhe perguntar se, perante as perguntas que queriam colocar ao primeiro-ministro, se mantinha a data de 25 de Julho para o fim do inquérito, determinada pelo vice-PGR.
O bastonário da Ordem dos advogados tece duras criticas aos magistrados que conduziram o inquérito e diz que o episódio revela uma "indignidade inominável", Marinho Pinto entende que "o facto de os procuradores trazerem a público as perguntas que queriam fazer a Sócrates demonstra desrespeito pelo PGR", e considera que, nesta "crise", o PGR "merece a solidariedade do Estado e ver os seus poderes reforçados", e vai dizendo que, "bem ou mal, é preciso despolitizar e despartidarizar" esta magistratura.
Não sabemos o estado de espírito de Pinto Monteiro, mas conhecemos o nosso, e inclinamo-nos a pensar que no Direito cada vez se faz menos e pior Justiça. Por isso somos assolados por uma enorme preocupação e tristeza.
A Justiça veste de negro, mas isso não justifica que o povo esteja de luto!