A hipocrisia fede quando alimentada pelo desejo de se sobrepor ao outro que o hipócrita entende atravessar o seu caminho. A sentença filosófica Hobbesiana ("Omini Lupus Omini" - "O homem é o lobo do homem") demonstra bem como a hipocrisia se instala por dentro e por fora do hipócrita. "Lobo na pele de cordeiro" é um lema que hoje se inverteu na "hipocrisia do bem" - "O cordeiro na pele de lobo" dá-se particularmente bem na habilidade de sobrevivência no sistema corrupto e cruel, adequando-se ao pensamento e ao comportamento da maioria, de maneira mais ou menos disfarçada, como uma capa protetora identitária, que o hipócrita, habilidosamente retira no momento certo e específico, assim convertendo ora o lobo em cordeiro ora o cordeiro em lobo. Porém, basta uma pequena brecha, um pequeno descuido, para que se revele a sua verdadeira identidade, e, em segundos, iluminar o lobo solitário, cansado da sua própria farsa. A hipocrisia é a hipocrisia, numa concepção maniqueísta entre bem e mal ou não, uma preparada máscara de aparência fingidora, que se importa com o belo fútil que se corrompe e é finito. O hipócrita é acomodado com as facilidades proporcionadas pelo mero facto de o ser, evitando assim os esforços e sacrifícios exigidos aos que não se vestem com a mesma pele, chegando facil e inusitadamente aonde quer. O lobo luta por si só e usa os outros, suga as energias dos que não são seus interpares, força os outros a para trabalhar para ele e, sobretudo, a trabalhar para os seus próprios objectivos, limitando-se a esperar, acomodado. Já o cordeiro disfarçado de lobo protege-se do mal com o mal, não significa que ele pratica o mal, ele finge, assim como o lobo finge praticar o bem. Retomando a questão: é preciso caracterizar a hipocrisia numa concepção maniqueísta entre o bem e o mal? Perceber o que é do bem e o que é do mal, é muito relativo e até dogmático. Se seguirmos a frase hobbesiana: "o homem é o lobo do homem", pode-se, num certo momento ser o lobo e noutro momento ser o cordeiro, consoante mais convenha, pelo que é a relatividade do momento que pontua o sentido da hipocrisia. A única coisa que importa é que, independentemente do momento e das conveniências, recusemos a ser, quer o lobo quer o cordeiro, mas apenas e tão-somente nós próprios, uma parta nossa de lobo e outra parte nossa de cordeiro, mas ambas nossas. Sem perder a coluna, a alma, e, sobretudo, sem perder a vergonha. (AM)