sexta-feira, 27 de abril de 2012

Discursos de abril: incoerências de um Presidente.



Quem viu e quem vê Sua Excelência o Presidente da República!?
Já nos surpreendeu com silêncios inexplicados, frases a roçar a comédia e apelos mais ou menos melodramáticos, mas, desta vez, o cheiro dos cravos, que outras “excelências” levaram na lapela para são bento, terá justificado afirmações que transformaram o discurso anódino numa versão saudosista da governação dos últimos anos, a lembrar um elogio póstumo a Sócrates. Juro que até me indaguei se este estaria de boa saúde ou se teria tropeçado nalguma das escadinhas ingremes da Torre Eiffel e temi o pior!
O homem que disse coisas como "É altura de os Portugueses despertarem da letargia em que têm vivido e perceberem claramente que só uma grande mobilização da sociedade civil permitirá garantir um rumo de futuro." "É oportuno tomar uma posição clara contra a iniquidade, o medo e o conformismo que se estão a instalar na nossa sociedade." "Precisamos de uma política humana, orientada para as pessoas concretas, para famílias inteiras que enfrentam privações absolutamente inadmissíveis num país europeu do século XXI." "Portugal é já o país da União Europeia com maiores desigualdades sociais." "Precisamos de um combate firme às desigualdades e à pobreza que corroem a nossa unidade como povo." "O rumo político seguido protege os privilégios, agrava a pobreza e a exclusão social, desvaloriza o trabalho." "A expectativa legítima dos Portugueses é a de que todas as políticas públicas e decisões de investimento tenham em conta o seu impacto no mercado laboral, privilegiando iniciativas que criem emprego ou que permitam a defesa dos postos de trabalho. [...] Exige-se, em particular, um esforço determinado no sentido de combater o flagelo do desemprego." "As medidas e sacrifícios impostos aos cidadãos portugueses ultrapassaram os limites do suportável. Condições inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a dignidade da pessoa humana." "Sem crescimento económico, os custos sociais da consolidação orçamental serão insuportáveis. [...] Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos." "O contrato social estabelecido na Constituição da República Portuguesa foi rompido pelo poder." "Precisamos de gestos fortes que permitam recuperar a confiança nos governantes e nas instituições." "Queremos apelar ao Povo português e a todas as suas expressões organizadas para que se mobilizem e ajam, em unidade patriótica, para salvar Portugal, a liberdade, a democracia." "É necessário um sobressalto cívico." "Queremos reafirmar a nossa convicção quanto à vitória futura, mesmo que sofrida, dos valores de Abril no quadro de uma alternativa política, económica, social e cultural que corresponda aos anseios profundos do Povo português." "Façam ouvir a vossa voz. Este é o vosso tempo. [... ] Mostrem que não se acomodam nem se resignam.", é o mesmo que acordou, numa manhã de Abril, e descoberto que existe lá fora "a intenção deliberada de fornecer um retrato negativo do nosso país, de evidenciar apenas uma parte da realidade", que "essa perceção negativa é veiculada internamente, constituindo um fator de desmobilização dos cidadãos e prejudicando as expectativas dos agentes económicos" e que concluiu que "corrigir a falta de informação ou até a desinformação que subsiste no estrangeiro" já não é vender ilusões, nem recorrer à ficção ou à propaganda. É, isso sim, e cito: "fornecer um retrato realista e positivo de Portugal". Ora bem! Disto culpava o atual partido no poder (o mesmo de Cavaco) José Sócrates. Aqueloutro que, segundo eles, teatralizava o País lá por fora, como terra de oportunidades e paraíso à beira-mar plantado! E isto nada tem a ver com simpatias socráticas, acrescento já para calar as mas línguas.
Mas lá que é estranho ver o Presidente a não regatear elogios aos últimos anos de governação (a duplicação do investimento em Investigação e Ciência, o desenvolvimento na inovação e modernização tecnológica, os avanços no domínio energético, o dinamismo nas áreas da cultura, da arquitetura, das artes plásticas, da moda e das indústrias criativas, a afirmação do prestígio de Portugal, através da eleição para o Conselho de Segurança, das presidências portuguesas da União Europeia e do próprio Tratado de Lisboa, não são questões de curto prazo!) em jeito de elogio póstumo ao governo socialista que tanto se orgulha de ter contribuído para cair, lá isso é.
Cavaco Silva não gosta de Passos Coelho. Passos Coelho não gosta de Cavaco Silva. Nem o cravo os fez sentir obrigados a cumprimentarem-se em são bento. Mas que isto não sirva para evasivas presidenciais a uma apreciação da governação. Não gostam um do outro, e daí? Também há quem não goste de um. E há quem não goste do outro. E até há quem não goste de nenhum deles. O problema é que começamos a pensar que ambos também não morrem de amores por nós. O Povo que até votou neles e agora os vê pisar a bandeira!  

quarta-feira, 25 de abril de 2012

25 de Abril - E o povo que adormeceu!


Tão a propósito de hoje.
«- Que esperamos na ágora congregados? Os bárbaros hão-de chegar hoje.
- Porquê tanta inactividade no Senado? Porque estão lá os Senadores e não legislam? Porque os bárbaros chegarão hoje.
- Que leis irão fazer já os Senadores? Os bárbaros quando vierem legislarão.
- Porque se levantou tão cedo o nosso imperador, e que faz sentado à porta da cidade, no seu trono, solene, de coroa? Porque os bárbaros chegarão hoje. E o imperador espera para receber o seu chefe. Até preparou para lhe dar um pergaminho. Aí escreveu-lhe muitos títulos e nomes.
- Porque os nossos dois cônsules e os pretores saíram hoje com as suas togas vermelhas, as bordadas; porque levaram pulseiras com tantos ametistas, e anéis com esmeraldas esplêndidas, brilhantes; porque terão pegado hoje em báculos preciosos com pratas e adornos de ouro extraordinariamente cinzelados? Porque os bárbaros chegarão hoje; e tais coisas deslumbram os bárbaros.
- E porque não vêm os valiosos oradores como sempre para fazerem os seus discursos, dizerem das suas coisas? Porque os bárbaros chegarão hoje; e eles aborrecem-se com eloquências e orações políticas.
- Porque terá começado de repente este desassossego e confusão. (Como se tornaram sérios os rostos.) 
- Porque se esvaziam rapidamente as ruas e as praças, e todos regressam às suas casas muito pensativos? Porque anoiteceu e os bárbaros não vieram. E chegaram alguns das fronteiras, e disseram que já não há bárbaros. 
E agora que vai ser de nós sem bárbaros? Esta gente era alguma solução.» Konstandinos Kavafis

Miguel Portas, a Voz de um homem Livre.


Miguel Portas: "Quem não se arrepende de nada, ou é parvo ou santo" - Última entrevista do Miguel ao Expresso, a 23 de julho do ano passado.
"Foi um dia inteiro de conversa.
Pela primeira vez Miguel Portas - o Portas de esquerda - aceitou falar da sua vida. Horas depois da entrevista, seguiu para Bruxelas e recomeçou os tratamentos contra o cancro do pulmão, detetado há um ano. Numa conversa entre velhos amigos, falou da doença, da família, da política e do seu legado. Miguel Portas confessou-se em casa dos padrastos, Afonso Howell e Margarida Lobo, respetivamente segundo marido da mãe e segunda mulher do pai, com quem mantém uma relação chegada.
Foi na Arrábida, entre imagens de anjos e santos, que o antigo militante comunista assumiu ser um missionário e que já acreditou em milagres.
Jornalista, político, deputado. Profissionalmente, és o quê?
De formação, sou economista. Não exerci para não prejudicar o país (risos). Depois veio a crise e eu estava no Parlamento Europeu e voltei seriamente à macroeconomia. A minha profissão é jornalista. A minha comissão de serviço é na política.
Estás a brincar...
Só faço política a tempo inteiro há sete, oito anos! O que não significa que ao longo da vida inteira não tenha feito política na condição de cidadão.
Tiveste quantos anos no jornalismo?
À vontade 15 anos. Comecei nos anos 80 a fazer a "Contraste", uma revista de movida cultural, distribuída diretamente por nós.
E acabou por falta de fundos...
Sim, mas com uma conexão política. O golpe fatal foi dado num número sobre 'Festas'. Creio que foi o Rui Zink a ter a grande ideia de fazer uma capa cujo título era 'Ai Álvaro, faz-me festas mais Avante'. Tirei o 'Ai, Álvaro', que era muito provocante e a revista avançou. Mas ficou condenada.
Parece divertido, mas não paga as contas. Vivias como?
Comecei como revisor de provas na Heska, a tipografia onde se fazia o "Diário". Um ano daquilo e só conseguia ver gralhas nos jornais! Nessa altura, o "Diário" pediu-me para inventar cartas de leitor, foi a minha primeira tarefa como jornalista, escrever cartas sobre o PS. Depois, fui funcionário público. Trabalho desde os 17 anos. Um dia, atirei isso à cara da minha mãe. Ela respondeu: "Tu não sabes o que é trabalhar. Trabalhas porque queres, não porque precisas."
E quando chegas ao Expresso?
Convidaram-me depois de a "Contraste" acabar. Entro em 1986, até que Sampaio resolve candidatar-se à Câmara de Lisboa e eu vou com ele.
Fazer o quê?
Faço a campanha, sou um dos escritores de discursos. Fiquei dois anos como assessor na Câmara, nas relações entre a Cultura e o Urbanismo.
Ainda eras militante comunista?
Sim. As coisas que ouvi! Sampaio conhecia-me desde miúdo e convidou-me para assessor. Fui perguntar ao partido, falei com o camarada Octávio Pato. Ele respondeu-me que não: "És crítico e isso pode prejudicar as relações entre o Partido e o Sampaio." Eu disse-lhe: "Como sou amigo pessoal dele, até julgava que isso podia facilitar. Mas há um pequeno problema: eu disse ao Sampaio que só iria se o PC aprovasse." Acabou a conversa. O Pato foi para cima discutir e eu fiquei assessor.
E porque não saíste do PC?
Queria um projeto de esquerda para a cidade de Lisboa e tinha uma ligação afetiva. Nos últimos tempos havia uma espécie de acordo não escrito: eu fazia basicamente aquilo que queria e, em troca, também não os chateava muito. Tinha o que um camarada da direção disse: "O teu problema é que tens traços de personalidade". No comunismo é um risco de defeito.
Tiveste um estatuto especial?
Sempre fui uma pessoa razoavelmente heterodoxa dentro do PC, mas sempre respeitei a disciplina.
Houve alturas em que preferi não ter responsabilidades políticas por não concordar com a orientação. O partido habituou-se a lidar comigo, sempre um pouco desconfiado. Foi uma espécie de família e de casa. Até que ao fim de 18 anos acabou.
E ficaste assessor do Sampaio e militante comunista?
Sim. A minha principal tarefa foi a reconceção das festas da cidade. A ideia ainda dura. Essa e a dos megaconcertos.
O extraordinário é continuares a considerar-te jornalista.
Porque a minha profissão foi essa. Depois da Câmara, saí do Expresso para criar o "Já". Era um híbrido entre revista e jornal. Durou um ano.
Era mais um projeto de intervenção cultural!
Sim. A razão por que me torno jornalista é porque aprendi a fazer comunicados. A lógica argumentativa é 'o que, porque, quando'. Um comunicado é a primeira peça jornalística da história de muitos diretores de jornais.
Estás a dizer que tudo o que sabes, aprendeste no PC...
Não tenho dúvida nenhuma de que a minha formação foi muito marcada pelo PCP. Foi metade da minha vida ativa! Entrei com 15 anos!
E porque é que entras? Quem cresce num meio burguês como o teu...
Ser burguês não é defeito, é condição!
Mudaste de família, foi isso?
Foi mesmo uma grande família. Vou parar ao PC com um trajeto que muita gente fez: do catolicismo ao cristianismo e daí ao comunismo. Fiz uma adesão ao PC pelo lado intelectual. A maioria das pessoas fê-la decorrente das condições de vida, do ambiente familiar. No Alentejo, nascia-se comunista.
Não no teu lado alentejano da família...
Por isso a minha adesão é pela via intelectual. Quando eu nasci, a minha mãe era funcionária pública e o meu pai tinha acabado Arquitetura e estava a preparar o doutoramento. Era uma família sem problemas de dinheiro, mas de pequena, média burguesia urbana.
Tens uma formação católica?
Forte. O meu pai era um católico progressista. A minha mãe à época era bastante menos crente. Lembro-me da família toda à frente do televisor a assistir à vinda do Papa Paulo VI. Quando havia problemas em casa, eu rezava a uma cruz modernista que havia na parede. Quando os problemas se resolviam ou as discussões acabavam, associava isso a um milagre. Sou um homem de convicções firmes.
E ias à missa?
A razão por que saí de casa da minha mãe, aos 12 anos, foi porque queria ir a uma missa.
Uma missa progressista, claro.
Tinha um padre progressista e guitarradas. Eu gostava. A minha mãe proibiu e eu deixei-lhe um bilhete: "Entre a mãe e Deus, escolho Deus."
Ainda é verdade?
Já escrevi coisas melhores. A minha mãe queria, legitimamente, ir à praia e achou que eu podia ir à missa ao fim da tarde. Fechou-me à chave na sala e eu fiz o que vi nos filmes policiais: meti um papel entre o chão e a porta, a chave caiu e puxei-a. Fugi para ir ter com o meu pai. Quando voltei, não era Deus que estava à minha espera, mas a minha mãe...
E a saída de casa tornou-se definitiva? Porque a minha mãe ficou um bocado chateada. Discutimos e fui para casa do meu pai.
A ida à missa não era apenas uma questão de fé.
Era uma forma de afirmação. Se calhar não foi mais do que isso. Mas a convicção que tinha acabou por ser transportada para o comunismo. Porque o comunismo não é mais do que uma religião laica.
O que queres dizer?
Tem tudo o que tem uma religião: santos (Marx, Engels e Lenine), Papas, bispos e festas religiosas populares. A Festa do "Avante!" não é outra coisa senão uma grande reconstrução laica de uma cerimónia de grande tradição popular.
Estás aqui, estás a dizer que o PC é uma grande seita...
Não. Mas quando vês o discurso do secretário-geral, às seis da tarde, no grande palco da Festa do "Avante!", aquela construção, as filas dos dirigentes, toda aquela representação de espetáculo tem que ver com a tradição das grandes encenações religiosas.
Sentias ou vês isso agora?
Quando aderi ao PC transferi de Deus para o homem a mesmíssima crença e a mesmíssima promessa.
Não é contraditório com dizeres que foste para o comunismo pela via intelectual?
Em que é que a fé contesta a racionalidade?
Não era assim que o comunismo a via...
Mas eu não estou a falar segundo a "Vulgata"! O que a tradição judaico-cristã transmitiu a toda a cultura europeia vai até ao comunismo: a promessa da felicidade na terra!
É uma releitura da tua vida. Oque parecia ser um corte é uma continuação?
Tenho muito cuidado para não fazer reescritas. Estou a fazer uma reinterpretação. Procuro racionalizar essa passagem feita por uma via de humanismo radical. Tanto quanto é possível aos 12 anos. Quando se lê "Por Que Não Sou Cristão" do Bertrand Russel com essa idade...
Quem te deu esses livros?
Estavam na biblioteca do Afonso. Depois, li "O Que é a Propriedade", do Proudhon. É a bíblia do anarquismo e o primeiro livro de economia que li.
Com 12 anos?
Esse ainda é fácil! Mesmo os "Princípios da Filosofia" ou "Processo Histórico", de Juan Clemente Zamora, ainda foram. O problema começa com a "Introdução ao Capital" e a "Contribuição para a Crítica da Economia Política", ou um muito pior do Lenine, o "Materialismo e o Empiriocriticismo". Não passei da pág. 18. Ainda bem.
Mas isso não é...
...normal? Não, não é. Nem é a regra!
Os teus pais separam-se quando tinhas que idade?
Talvez uns nove anos. E o meu irmão teria uns quatro.
Isso marcou-te?
Seguramente. Somos uma família um pouco estranha. Em termos públicos, até parece que não há pai, só os irmãos e a mãe. O pai desapareceu.
Depois da separação, ficas a viver com a tua mãe até que foges...
Sim. E decido que quero ir para um liceu de pobres e deixar o São João de Brito. Vou para o Passos Manuel e entro no mundo do associativismo estudantil. Faço a puberdade e entro na adolescência de forma vertiginosa.
Estás a dizer que queres ir para um liceu de pobres porque és muito católico?
Eu sou de esquerda porque a minha mãe me proibia de deixar comida no prato, porque tinha de dar aos pobres a melhor prenda que recebia no Natal. Fui habituado à renúncia. E também sou de esquerda porque fui sempre um filho difícil, habituado a dizer não. O meu processo de afirmação foi contra. Desde muito novo que tinha uma relação dura com a família. Não fui um filho fácil com a minha mãe.
E com o teu pai?
O pai é sempre o tipo porreiro e pouco presente em comparação com a mãe. O porreiro da casa é o pai. E quem manda é a mãe.
Ainda discutes muito com a tua mãe?
Não, evito. Desaprendi de discutir. Talvez por termos maneiras de ser bastante próximas, a relação foi sempre dolorosa. A primeira vez que cortei relações com a minha mãe estava no 4º ano do liceu. Mas ela cortou muito mais vezes do que eu. Diz que lhe prometi um tribunal revolucionário para a julgar, mas parece-me excessivo. Não foi ao meu casamento porque achava que eu não estava preparado e tinha razão. Embora tenha oferecido a casa para o beberete.
Em adulto ainda se mantém essa tensão?
A última vez que a vi zanguei-me. É melhor vermo-nos em doses homeopáticas. Fora isso, gostamos muito um do outro.
Foste duro com a tua mãe?
Reconheço que fui, mas ela nunca foi leve. Tinha uma interpretação muito própria do seu papel e creio que eu também do que era o meu! Não deve ter sido simples para nenhuma das partes.
E o teu pai?
Aprendi coisas diferentes: a gostar de jazz, de urbanismo. E aprendi muito a pensar, a pôr perguntas. O meu pai dava espaço a tudo, desde que eu passasse de ano.
E passaste?
Nunca chumbei. Na faculdade é que interrompi e demorei dez anos (dois planos quinquenais!) a fazer um curso de cinco. Mas porque fui trabalhar, fiz tropa, outras coisas. O meu pai, um dia disse-me: "Já viste que estás a falar como o Cunhal?" E tinha razão. Todos os comunistas, a certa altura, falavam num tom às curvinhas e baixinho. Era uma música de igreja. Como os padres, que falam todos da mesma maneira.
Estás sempre a comparar o PC com a Igreja. Tu eras o quê, acólito?
Fui um bom militante. E acho que fui quase tão complicado para o partido como fui para a minha mãe! Num dos momentos de crise, fui protestar com o Ângelo Veloso e ele disse-me: "O teu problema é que és um católico não praticante!" Respondi: "Quando os padres fecham as portas da igreja o que queres tu que eu seja?"
Hoje, és ateu?
Sou ateu não militante. Tenho um enorme respeito pela racionalidade que há no fenómeno religioso. Umas semanas antes da Maria de Lourdes Pintasilgo morrer, tivemos uma longa conversa. Ela dizia-se crente, não tanto por acreditar em Deus, mas porque precisava de falar com ela própria, através de outra figura. A brincar disse-lhe: "Se calhar é de um psicólogo que tu precisas." Eu não tenho essa necessidade. Devo ter tido quando era muito novo, porque acreditava que Ele fazia milagres. E acreditei no homem como o redentor.
Agora estás em que ponto?
O meu único objetivo de vida é modestíssimo: não faço a menor ideia se aquilo que eu defendo vai fazer caminho, ou não. O socialismo ou o comunismo não são nenhum destino. Pelo que a gente vê, até é pouco provável que aconteça... Acho que a Humanidade está mais próxima de se destruir do que de construir um amanhã que canta. Não está nada escrito. Mas há uma coisa que sei: ao chegar ao fim da vida, quero poder olhar para trás e dizer: terei feito algumas asneiras, mas no conjunto posso partir, lá para onde for, com tranquilidade.
Tens 53 anos. Estás a pensar assim porque tiveste uma doença grave?
Já pensava assim muito antes. Acho que fiz coisas de que genericamente não me arrependo. Até posso levar alguns pequenos orgulhos. Mas a minha vida valeu a pena, no sentido em que foi interessante para outros. Isto não foi uma missão, é só um ato de derradeiro egoísmo. É da pessoa querer saber como parte: de cara lavada ou de cara pintada. Prefiro de cara lavada.
Os teus dois filhos mudaram a tua vida?
Nunca fui um bom pai. Apesar disso, os meus filhos gostam de mim.
Em que sentido?
Nunca fui presente, atento. Fui fundamentalmente um pai ausente.
Porque não querias, não tinhas paciência, não podias?
Há uma primeira parte complicada, quando eles são muito pequenos. Quando começaram a interagir, ambos acabaram por ter um pai ausente, por razões políticas, profissionais, porque sempre tive uma vida muito ocupada.
Mas também conseguiste articular muitas coisas ao mesmo tempo.
Significa que devia ter posto muito mais vezes a vida privada como prioridade e nunca o fiz. Ou melhor, estou agora, com atraso, a tentar recuperar.
Achas que tem a ver com o modelo que tiveste?
Tem mais a ver com essa segunda família, o comunismo. As 'grandes causas' são um espantoso conforto para não se olhar para dentro e para se fugir de si próprio. Isto não é fácil de dizer, mas é inteiramente assim. Ou seja, a dedicação completa a uma causa é muitas vezes a contraparte de uma enorme dificuldade em conseguir viver os detalhes.
Nomeadamente a vida afetiva?
Sim. Eu queria ser um soldado da 'grande causa'. Quando era novo o meu objetivo era ganhar o suficiente para poder ser revolucionário todos os minutos da minha vida.
Arrependes-te dos sacrifícios que isso implicou para os teus filhos?
Quem diz que não se arrepende de nada é parvo, ou santo, logo se vê. Também é bem feito porque nunca saberão (risos). É obvio que me arrependo de coisas. Acho que nunca soube equilibrar algumas coisas. Os meus filhos são a principal.
O André, o mais velho, já vive contigo em Bruxelas?
E a partir de setembro virá o segundo, o Frederico.
Que tipo de pai és?
Imponho alguns limites.
Castigas?
Fico chateado. E ele não sai dali enquanto não lavar a loiça, por exemplo. Não é um castigo, é fazer o que tem de fazer.
Alguma vez bateste nos teus filhos? Duas ou três vezes, no máximo. Sou tolerante, mas exijo responsabilidade. Outro dia, em plena campanha eleitoral, descobri que o meu filho mais novo fumava.
Tu que fumavas desde... 
Os 12! Não tinha argumentos. Mas tenho cancro no pulmão e o meu filho podia ter pensado um pouco. Ele andou anos a azucrinar-me a cabeça para eu não fumar! O problema é que eu falhei algumas promessas. Comportei-me como um político e ele atirou-me isso à cara. Fizemos um acordo: eu furo a orelha se ele deixar de fumar. Ele pediu para esperar até final de julho. Vamos ver...
Como é que reagirias se um dos teus filhos não gostasse de política? 
O mais velho interessou-se agora. O mais novo começou a perguntar-me quais eram as diferenças entre o comunismo e o capitalismo...
E nunca te perguntaram o que era isso de ser de esquerda?
Digo-lhes que o que distingue a esquerda da direita não é uns serem pelos pobres e os outros contra. Não posso dizer que o tio Paulo é um malandro! Está é firmemente convencido de que é preciso que haja ricos suficientes para que depois possa haver menos pobres. Eu, pelo contrário, acho que é preciso tirar algum dinheiro aos ricos para acabar com a pobreza.
Tu e o teu irmão são um bom exemplo das diferenças entre esquerda e direita?
Pertencemos a espectros políticos opostos, mas com a grande virtude de terem propostas claras. Não é um debate de batota, são partidos de pendor ideológico. O CDS, PSD e PS acham que a sociedade precisa de ser melhorada, o Bloco e o PC acham que ela precisa de ser transformada. A partir daqui, tudo é mais subtil. Quando o Bloco nasceu, eu dizia que nos tempos que correm ser social-democrata já é ser um grande revolucionário.
O Bloco é muito diferente do que era no seu início.
Foi sempre construído sobre duas pernas: combinar um tema de ambição maioritária imediata (a reforma fiscal foi o primeiro) e concertar com outros ditos fraturantes, em que o primeiro foram as drogas. Até fiquei conhecido como o 'Miguelinho dos charros' por ter ido distribuir 'mortalhas' para o Bairro Alto. Fizemos o mesmo com o aborto, depois com o casamento gay e faremos com a eutanásia: transformar um tema minoritário num tema social suscetível de mudar a sociedade.
As questões fraturantes não tornaram o Bloco refém?
Não, a crise relegou para um lugar tão terciário os chamados temas de comportamento que deixámos praticamente de falar deles. Os anos de maior consolidação do Bloco são os da crise, 2007/2008.
Aí a perceção da crise ainda não existia.
É quando ela estala e quem a pagou foram os desempregados. Nessa fase, o culpado era tão óbvio, que as pessoas estavam recetivas ao discurso do Bloco de que a banca devia ser penalizada. Pela primeira vez conseguimos ganhar a batalha ideológica de que os inimigos da classe média não eram os imigrantes, os pretos, ou lá quem seja, mas os banqueiros. É a resposta à crise que nos dá o resultado dos 10%. O que é que isto tem de fraturante? Há uma ideia feita sobre o BE. De quem nos vaticinou um fim à vista e que nos viu não só ter sucesso como ter ambição de Governo.
Dizes tu agora!
Dissemos desde o princípio.
Mas quando vos propuseram, recusaram.
Também se te oferecem veneno tens o direito de recusar, não? Não é uma ambição de Governo em abstrato é uma ambição para aplicar uma política!
Para quando forem maioritários?
Não tem de ser! Tal como as coisas estão, não temos condições de ter um Governo influenciado pela esquerda. Seria sempre fortemente limitado pela teoria da 'soberania limitada' do Brejnev aplicada à União Europeia. É preciso encontrar outra solução de Governo.
Com o PS?
Isto não passa pelo PS que temos, porque está sequestrado pelo memorando. Mas passa por uma tentativa de tirar o mais depressa possível o PS dessa lógica.
O BE dá uma imagem de partido de Governo?
Nunca foi verdadeiramente confrontado com essa situação. É um problema de quadratura do círculo: um Governo de esquerda precisa de uma maioria, e ou isto se faz sobre os escombros do PS, ou é o PS que pressionado pelas circunstâncias faz essa viragem. Nós temos de ser uma parte da solução de Governo, o que implica alianças ou um quadro recomposto da esquerda portuguesa, que é a nossa aposta de sempre. O Bloco é um instrumento, não único, dessa recomposição.
Nestas eleições, parte dos descontentes de esquerda voltaram ao PS...
Nem nós nem o PS somos donos desses eleitores. O problema destas eleições não teve a ver com a qualidade da proposta política do BE - foi a mais sólida em 13 anos e, paradoxalmente, a mais moderada. A dificuldade não foi explicar porquê votar no Bloco, mas sim 'para quê'.
Se nem sequer reuniram com a troika.
O Bloco não reuniu porque não quis! Foi um clamoroso erro. O nosso programa eleitoral era bom, mas não tinha como ser transformada em realidade. O resgate financeiro criou um contexto que transformou os temores das pessoas em inevitabilidades: ele era necessário para ter salários em junho, ou subsídio de férias.
Estás a desculpar o Bloco. Isso não aconteceu ao PC.
Não é agradável a resposta: é a diferença entre um partido com 90 anos e outro com 13. O PC depende de um voto que é familiar, que tem gerações, regiões, Câmaras e sindicatos. E já perdeu muito, já teve mais de um milhão de votos! A certa altura está de tal maneira no osso.
E os 5% não são o vosso osso?
Há essa hipótese. Mas o Bloco não tem eleitorado consolidado. Diria que os 5% não são o nosso núcleo duro, ele é ainda mais baixo.
Faz sentido um partido tão pequeno querer ser o pilar da recomposição da esquerda?
E onde estava o CDS há dez anos? Não era o partido do táxi? Não está hoje como o mais respeitável parceiro do Governo? Não há nada escrito.
E quanto ao Bloco?
Quando se tem uma grande derrota, como foi o caso, a tendência mais imediata é para o enconchamento. É uma tendência inevitável que decorre da lei da perda. Outro ponto de vista, mais difícil, é dizer que perdemos num caminho, mas ele tem de continuar a ser tentado. Para mim, o caminho continua a ser o da reconstrução da esquerda, popular, que valha 20% para cima.
O Bloco pode crescer com os mesmos fundadores?
Um partido de esquerda a sério é um coletivo. Os quatro fundadores têm uma enorme autoridade, mas temos de fazer uma análise sem vacas sagradas, nem tabus. Eu quero que todos nós quatro saiamos, mantendo-nos úteis a um projecto político.
Qual é o horizonte da saída?
Um ano e meio, dois anos.
Há gente para vos substituir?
Há, o Bloco tem rostos e outras soluções de direção. Não há só o rei morto, rei posto. Podem jogar-se soluções funcionando com vários rostos. O que não é reproduzível no futuro é o modo como nós os quatro dirigimos o Bloco, nem o tipo de legitimidade que tínhamos e que nos permitiu fazer uma espécie de democracia iluminada. Os velhos devem ter o cuidado de não querer tutelar um processo de geração.
E como se faz?
A questão-chave é saber se fica um partido que vive de correntes ou, pelo contrário, se se constrói pela base como um projeto unitário de descorrentização. A situação exige um Bloco com assinaláveis diferenças relativamente ao que era, a política de alianças tem de ser reconsiderada.
Com o PC, PS?
E com independentes. Até agora o Bloco procurou sempre crescer à custa do PS. Essa competição não desapareceu, mas interessa-lhe que o PS continue sequestrado pelo Governo de direita no Parlamento? A tática do BE tem de ser a de confrontar permanentemente o elo fraco desse campo, entre os compromissos que o PS assumiu com o memorando e as expectativas da sua base de apoio. O BE tem de ter a inteligência de o fazer bem feito. Vamos precisar de muito povo na rua e de lhe dar esperança.
O vosso alvo vai ser o PS?
O nosso alvo é o Governo! O meu problema é saber como debilito a sua política tão rápido quanto possível. O elo fraco do sistema de poder é o PS.
Saíste da Comissão Política do Bloco, acabou o teu sonho da recomposição da esquerda?
Não desisti de nada. Não me demiti de pensar, nem de escrever, nem de ajudar. De qualquer modo serei deputado.
A doença mudou alguma coisa?
A noção da precariedade da vida.
Não estavas à espera...
Foi mero acaso. Aí percebi que muita gente tinha cancro, que isto é uma enorme cooperativa. A segunda coisa que aprendi foi que quando se tem cancro uma vez, tem-se para sempre. Entre as coisas que podemos fazer para o fintar é tornar o nosso modo de vida menos stressante.
Mudou o que tinhas estabelecido?
Para ser inteiramente franco, não. Mas como a vida se torna mais curta na nossa cabeça, mesmo que se possa viver com cancro a vida inteira, acelera algum tipo de balanço de vida.
Tens a preocupação de deixar um legado?
Só para mim: gostar de cá ter estado, porque procurei ser um tipo decente, com algumas asneiras até, mas que fiz algo com que me posso sentir bem. O legado político, de algum modo, é o Bloco.
Sentes necessidade de reparar erros?
Admito que tenha algo disso com os meus filhos.
Mas na prática ninguém se reaproxima dos filhos para compensar o tempo que não esteve com eles. Reaproxima-se para ver se está algum tempo com eles.
A possibilidade da morte aproximou-te do teu passado religioso?
Nem um bocadinho.
Mas tens um sentido de missão muito grande...
Tenho, não é preciso ser religioso para isso. Ficou-me, obviamente, do cristianismo e do comunismo. E não é defeito, é feitio, quer dizer, depende das vítimas.
A doença aproximou-te da tua família?
A minha mãe disse que tinha percebido que, afinal, não tinha uma família, mas duas. A gente do Bloco que me ia ver, e a família, os amigos. E entre as pessoas que sentiram muito o meu cancro estiveram, obviamente, o meu irmão e a minha irmã.
Também te ensinou a perceber quais são as pessoas fundamentais da tua vida?
O meu irmão já era. Mas fiquei mais próximo e, se calhar, ele até ficou muito mais próximo de mim. Foi um apoio forte.
Houve situações de conflito de interesse com o teu irmão? Quando o Bloco fez dos submarinos arma de ataque, ou quando Louçã usou contra o teu irmão o argumento de que ele não tinha filhos...
Louçã sabe que não esteve bem e acabou por o dizer. Não foi um momento cómodo para mim. É diferente a questão dos submarinos: a minha posição política é a do Bloco, mas evitei sempre ser eu a levantar essa bandeira.
No caso dos submarinos entram questões do foro da honestidade.
Num mercado como esse, a disputa das empresas pela venda do seu material envolve sempre luvas. Não tenho dúvidas sobre isso, mas nada me indica que o meu irmão tenha sido recetor. Tem de ser tudo investigado e tiradas todas as conclusões, esteja, ou não, envolvido o meu irmão.
E se estiver?
Incomodar-me-á. Acho que o conheço o suficiente. Nunca lhe perguntei se recebeu luvas, como é evidente. Era o que mais faltava!
Telefonaste-lhe a dar os parabéns nas eleições?
Claro! Ele fez uma grande campanha, não cometeu erros e só aumentou 1%! A direita tem um grau de ingratidão absolutamente extraordinário!
Está a falar o Bloco ou o irmão?
Está a falar o irmão. E o jornalista objetivo.
Vocês conversam?
Como é evidente! Trocamos impressões e às vezes temos conivências surpreendentes sobre matérias de que ninguém suspeitaria!
Ficaste contente por ele chegar a ministro?
Não acho que chegar a ministro seja prémio para ninguém. Se alguém pensa que sim, acho que pode ter ideias sobre a sua vida um pouco mais interessantes.
Mas há quem ache.
É uma das razões pelas quais não temos tido governos brilhantes.
Era uma coisa pela qual o teu irmão lutou.
Não fico contente por o meu irmão ir para um Governo que eu vou combater. Mas ele tem um nível de obsessão pela política muito superior ao meu. A razão pela qual tenho de escrever livros é exactamente para evitar a carga de droga dura que a política traz.
Estás a 'desintoxicar'?
Sempre o fiz. Não se está na política ao nível da representação sem se gostar do palco. Eu tenho mais medo dele do que gosto do palco. Transfigura as pessoas e raramente para melhor.
Mas a política não é a mais nobre das profissões?
E é também um enorme exercício de poder. Para quem não tem consciência disso, transforma-se numa tragédia.
Achas que o teu irmão não tem?
Penso que tem a lucidez de saber que a política não é um mundo de virtudes.
Achas que ele vai ser um bom ministro?
Os ministros dos Negócios Estrangeiros são sempre os mais poupados.
E já mudou de tom na conversa contigo?
Não quero comentar. Vamos trabalhar nas mesmas áreas. Ele vem do euroceticismo para um europeísmo condenado e eu, que sempre fui convictamente europeísta, sou hoje muito mais cético do que quando entrei no Parlamento Europeu há sete anos. Os valores proclamados contam tão pouco que é muito difícil não se ter uma enorme deceção.
Com 27, é sempre complicado...
Estamos no fim de um ciclo em que os ultraconservadores do Norte decidiam a política e os socialistas do Sul executavam-na. Isto só acaba com o esmagamento do Sul e dos partidos socialistas no Sul.
Ainda não chegámos ao fundo?
A Europa tem larguíssima responsabilidade no tipo de soluções encontradas, invariavelmente tardias. E quando toma a decisão, já está desajustada das necessidades. É uma permanente corrida atrás das realidades.
A Europa pode acabar?
Pode, basta que a crise que se abata sobre ela seja superior às suas forças. Temos uma enorme crise de qualidade de lideranças e do ponto de vista económico a Europa é mais ultraliberal do que os EUA. Percebe-se no Parlamento Europeu a violência do conflito ideológico, ao mesmo tempo que cresce a olhos vistos o ceticismo e mecanismos de egoísmo social brutais.
Como eurodeputado sentes-te a falar para o boneco?
Coloquei-me muitas vezes essa pergunta. Há alturas em que me sinto absolutamente inútil, mas noutras sinto que conto."

domingo, 22 de abril de 2012

Curiosidades da semana

Semana fértil em preocupações e disparates, ainda na ressaca do dia das mentiras e já a deixar-nos preocupados sobre o (ainda) significado de abril.A 17 de Janeiro, pondo fim a uma autêntica maratona (em que tentamos acreditar que “realmente” se negociava alguma coisa de relevo para os trabalhadores), a UGT assinou o acordo de Concertação Social, aquele a que o Álvaro (Santos Pereira) apelidou de acordo "para a competitividade, crescimento e emprego". João Proença veio dar conta da sua indignação por o Governo não estar a cumprir o acordo tripartido (e nós convencidos que ele sabia de antemão que este não era para cumprir!), manifestando a sua indignação pelo desrespeito pela promessa de publicar as portarias de extensão - de acordos coletivos de trabalho – as tais que alargariam as condições de trabalho acordadas entre as estruturas sindicais e patronais aos trabalhadores não sindicalizados ou associados em sindicatos não subscritores e o desrespeito ao acordo por negociar medidas no âmbito do Memorando da 'Troika' que vão contra o acordo de concertação social", a par de nada fazer quanto às prometidas medidas promotoras do crescimento económico e emprego. O João veio para as televisões, em grande algraviada sobre coisas do género: rompo o tratado se não ….., como se o Governo se preocupasse com as suas súbitas indignações e perplexidades, o que Passos Coelho fez questão de deixar claro quando chamou a tal verborreia “uma birra momentânea”. Pior não podia ter sido. Lembra a frase “Todo homem tem seu preço, diz a frase. Não é verdade. Mas para cada homem existe uma isca que ele não consegue deixar de morder." Compreendido? Futuro da Europa e de Portugal a jogar-se em França, nas eleições francesas e em Madrid, na derrocada espanhola e em Washington, no relatório "político" do FMI. Só resta à Europa (tal como a vimos e queremos!) refundar-se ou afundar-se. Numa ou outra hipótese vamos por arrasto. Lamentavelmente, o Governo português não parece ter qualquer ideia sobre ou da política europeia, e seria interessante (ao menos como compensação para os que nele votaram!) dizer-nos o que pensa sobre as repercussões adivinháveis com a pressão de uma Espanha apavorada pelas taxas de juro ascendentes, com a disposição do FMI (aparentemente, de manter uma Europa unida) e de uma França indisponível para entregar o poder à Alemanha. Mas, enfim, limitamo-nos a ser espectadores e intérpretes desta opereta por conta e risco próprios. Rezando, percussores da mesma fé com que Assunção Cristas esperou que chovesse, para que vingue o projeto de paz. Discutida esta semana a indicação de nomes apontados pelos partidos para o Tribunal Constitucional (e talvez fosse interessante aproveitar para recordar que o, também, o Presidente do Tribunal de Contas é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo para um mandato de 4 anos (ideologias partidárias à parte, ou talvez não!)), remetendo-nos para a discussão sobre a perigosa partidarização de uma instância que é a réstia de esperança de um povo que se vê trucidado por uma amálgama de leis de mais que duvidosa constitucionalidade, como o são as normas do Orçamento do Estado para 2012 relativas a cortes de subsídio e férias dos funcionários públicos. Mais que relevante manter a independência de julgamento numa época em que o vale tudo tomou conta de uma parte significativa do aparelho administrativo/legislativo. Controversa com as afirmações de Passos Coelho ao Financial Times, em que este sublinhou que "não há garantias" de que, em setembro de 2013, o País possa já recorrer aos mercados como qualquer outro país. Claro que teríamos preferido que o Primeiro tivesse sido claro cá dentro mas postos perante a “verdade” dita em terras estrangeiras para nos dar tempo para interiorizar a triste realidade, está conseguida a sua intenção. Já nos consciencializámos. A Moody's é que não lhe liga nenhuma! Porque será? "O País chegou de facto à bancarrota", disse Paula Teixeira da Cruz. Isto é que é a rapidez do eco! Como diz o povo, “aquele” é sempre o último a saber! Disparate perfeito para o novo regulamento do Hospital de Braga 'Fardamento e regras de conduta dos colaboradores do Hospital de Braga' que dá dicas (admita-se que algumas seriam dispensáveis apenas pala aplicação de elementares regras de bom gosto) sobre maquilhagem, cores de cabelo, tamanho de saltos de sapato, cores de sapatos (clássicos), cintos e meias, tamanho e cor de verniz de unhas, gancho de cabelos e outras preciosidades, convidando os funcionários, colaboradores e prestadores a uma hegemonia de aparato, tipo farda, desprezando a liberdade de cada um em se mostrar ao mundo como lhe aprouve. Num momento em que tudo se joga no País e em que todos os serviços públicos se debatem com a precariedade da força de trabalho e a escassez de recursos haja ainda quem tenha paciência para, entre polémicas sobre o acordo de Concertação Social (que “só” pode paralisar “tudo”) e entre a dependência do futuro da Europa e de Portugal dos resultados da política europeia (ocasos das eleições francesas, soluções da Espanha e “caprichos” dos alemães), pensar no que “fica bem” e no que “cai mal”! Somos ou não gente de pão e circo?!

domingo, 15 de abril de 2012

Hino de Jizô (“A Lenda do Sussurro de Sai-no-Kawara”) - riquezas de construção!

Hino de Jizô (“A Lenda do Sussurro de Sai-no-Kawara”).
“Não é desse mundo essa história de tristeza. A história de Sai-no-Kawara, Aos pés da Montanha de Shide; - Não é deste muito este conto; ainda é mais triste de ouvir. Juntos em Sai-no-Kawara são reunidas Crianças de tenra idade na multidão, - Crianças de dois ou três anos, Crianças de quatro ou cinco, crianças com menos de dez anos; Em Sai-no-Kawara elas se reúnem. E a voz de seu desejo de seus pais, A voz do choro de suas mães e de seus pais - Nunca é como a voz do choro das crianças nesse mundo, É um choro tão lamentável de ouvir Que o seu som perfuraria carne e osso. E triste de verdade é a tarefa que executam, - Recolher as pedras do leito do rio, E com elas empilham a torre de orações. Recitando orações pela felicidade do pai, eles empilham a primeira torre; Recitando orações pela felicidade da mãe, eles empilham a segunda torre. Recitando orações para seus irmãs e irmãs, e para todos aqueles amados em casa, eles empilham a terceira torre. Essas, por dia, são suas lamentáveis diversões. Mas sempre que o sol começa a afundar no horizonte, É quando os Oni, os demônios do mundo inferior, aparecem, E dizem a eles – “O que é isso que você faz aqui? Veja! Seus pais ainda vivem no mundo de Shaba Não faça oferendas piedosas ou trabalhos sagrados: Eles não fazem nada além de chorar por você desde a manhã até a noite. Oh! Que vergonha! Ai de mim! Que cruel! Em verdade, a causa da dor que você sofre, É apenas o luto e o pranto de seus pais”. E ainda dizem, “Não nos culpe!” Os demônios derrubam as torres. Eles derrubam as pedras com suas clavas de ferro. Mas vejam só! O professor Jizô aparece. Todo gentil ele vem, e diz para as crianças chorando: - “Não tenham medo, queridos! Nunca sejam temerosos! Pobres pequenas almas, suas vidas foram breves, de fato! Muito cedo vocês foram obrigados a fazer a cansativa viagem para Meido. A longa viagem para a região dos mortos! Acreditem em mim, Eu sou seu pai e sua mãe em Meido, Pai de todas as crianças na região dos mortos!’ E ela dobra a saia de seu brilhante manto sobre elas; Então, graciosamente, ele tem piedade das crianças.
Para aqueles que não podem caminhar ele estende seu forte shakujou, E ele acaricia seus pequenos, leva-os ao seu peito amoroso. Então, graciosamente, ele tem piedade das crianças. Namu Amida Butsu!”

quinta-feira, 12 de abril de 2012

UM PAÍS ADORMECIDO E SEM HIPÓTESES DE RESCALDO

“Precisando um príncipe de saber usar bem o animal, deve tomar como exemplo a raposa e o leão; pois o leão não é capaz de se defender das armadilhas, assim como a raposa não se sabe defender dos lobos. Deve, portanto, ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para espantar os lobos.”, disse Nicolau Maquiavel. A frase aplica-se àquele fenómeno do súbito aparecimento de fortunas ‘ex nihilo’, sem mais nem porquê, por parte de “servidores do Estado” que, em puro espirito de missão, aceitam cargos públicos, muito mal pagos e que só lhe dão dores de cabeça e outras maleitas graves e sem remédio conhecido, amealham desalmadamente (do género, milhares e milhões de vezes multiplicadas pelo que ganham e declaram ao fisco). Claramente estava em causa a inversão do ónus da prova, ao arrepio da presunção constitucional de inocência e de dúvida em favor do arguido,. Não foi, pois, de espantar que o Tribunal Constitucional se pronunciasse pela inconstitucionalidade do diploma. Mas ninguém soube explicar isto ao “povo”! Mais uma vez, Governo (na sua afoita atitude do quero, posso e mando) e Oposição (na sua insipida atitude de “nem por isso”) limitaram-se a fazer alarido duma situação que dá demasiado nas vistas para ser aceite e silenciada.

Já desiludidos de qualquer sinal válido e credível de esperança para o País, fomos surpreendidos pela mensagem de que Portugal vale a pena para o investimento estrangeiro, a acreditar na mensagem do suplemento do Financial Times. Foi uma lufada de maresia. Foi um perfume primaveril.

O atual primeiro-ministro que bateu e jurou, a lembrar um namoro adolescente, que “jamais” eliminaria os subsídios de férias e de Natal, passou de bestial a besta, aqui lembrando uma daquelas desilusões ao fim de um prolongado período de encantamento (in casu, eleitoral). Foi uma tristeza e estou convicta de que muita gente se tornou descrente na política por causa deste arrazoado de truques e trejeitos linguísticos que recriaram o anedotário político nacional.

Fazendo as contas, um trabalhador que ganhe o salário médio (900 €), recebe líquido cerca de 711 €, descontando 11% para a Segurança Social e uma taxa aproximada de 10% de IRS. Dizem os trabalhadores que ganham pouco. É um facto. Os patrões queixam-se que, para garantirem esse salário, têm de dispor de mais do dobro (aos 900 €, a empresa acrescer mais 23,75% de taxa social única e 1% de seguro, no total de 1123 €). O que significa que o trabalhador não chega a receber metade do que a empresa efetivamente gasta com ele. É um facto! Vivam o desaceleramento e o empreendorismo no papel!

Pedro Nuno Santos, Isabel Moreira, Pedro Alves, Rui Duarte, Duarte Cordeiro e João Galamba podem vir a ser “convidados” a votar a favor do Tratado Orçamental, contrariando os que acreditavam que António José Seguro ia dar abébias à sua híper-cautelosa forma de se gerir, de gerir o PS e de gerir a bancada parlamentar. Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém e um líder que é líder tem de pensar no amanhã e nas enormes vantagens de ser “flexível”. O que me lembra uma frase da Agustina Bessa-Luís “ O País não precisa de quem diga o que está errado: precisa de quem saiba o que está certo.”

Porque se devem assumir os Maçons?! O caso actual em França

Francs-maçons, bas les masques!, artigo do Nouvel Observateur

René Ricol invite les membres des obédiences à faire leur "coming out". Un avis partagé par Alain Bauer, Jean-Paul Delevoye et Jean-Michel Quillardet, qui témoignent.

"Le secret permet toutes les manipulations". René Ricol invite les membres des obédiences à faire leur "coming out". BERTRAND GUAY / AFP

Que préconisez-vous donc ?

- La France a deux voies possibles et complémentaires. La première s'appelle l'autorégulation. C'est une transparence à l'américaine : les maçons disent eux-mêmes qu'ils appartiennent à telle ou telle loge. L'autre voie, plus large, prendrait la forme d'une loi imposant à toute personne qui occupe une fonction publique de se déporter sur quelqu'un d'autre lorsqu'elle est en conflit d'intérêts ou lorsqu'une situation risque de limiter son indépendance, ou même l'apparence d'indépendance. Certains pays - l'Italie et le Royaume-Uni - se sont déjà occupés de ce problème. En Angleterre, il a été demandé aux magistrats et aux fonctionnaires de police de déclarer leur appartenance à la maçonnerie. En Italie, être magistrat et franc-maçon a été jugé incompatible. La Cour européenne des Droits de l'Homme a toutefois fixé des limites en remettant en question, en 2007, une loi adoptée par une région italienne qui imposait à chaque candidat à un poste public de déclarer son appartenance à la maçonnerie. Cela a été jugé discriminatoire. Il faut donc tenir compte de cette jurisprudence.

Nombre de maçons tiennent toutefois beaucoup à ce secret, qui peut paraître archaïque.

- C'est historique. Il est vrai qu'il y a eu des épisodes dans le passé où les francs-maçons ont été menacés. Avant la Seconde Guerre mondiale, il y avait des attaques violentes à leur encontre. Ils ont été poursuivis par le régime de Vichy. Cela légitime toujours aux yeux de certains le maintien de la confidentialité. Mais est-ce un bon argument ? Les temps ont changé. Je remarque enfin que ceux qui sont transparents sont gagnants. Prenons un exemple à gauche, Gérard Collomb [maire de Lyon, ndlr], ou un autre à droite, Xavier Bertrand [ministre du Travail, ndlr]. Le fait que l'on connaisse leur appartenance à la maçonnerie ne leur a pas nui. Au contraire.

Pourquoi lancer cet appel maintenant ? De toute évidence, cette tradition de secret de la maçonnerie française vous dérange depuis longtemps...

- L'élément déclencheur pour moi a été un article du "Point" qui me prêtait un rôle qui n'était pas le mien dans l'affaire Veolia [tentative de renversement de l'actuel PDG, Antoine Frérot, pour le remplacer par Jean-Louis Borloo, ndlr] sous prétexte que j'étais franc-maçon, ce que je ne suis évidemment pas. Cela m'a profondément choqué. Tout d'abord, si j'étais franc-maçon, je le dirais. Ensuite, en raison du secret lié à l'appartenance maçonnique, des manipulations d'informations sont faciles, et ce genre d'affirmation peut jeter le doute sur les conditions dans lesquelles j'exerce aujourd'hui mes missions d'intérêt général, ou dans lesquelles j'exercerai à nouveau mon métier d'expert-comptable demain quand je serai de retour à mon cabinet.

Et, comme il faut toujours s'appliquer à soi-même les règles de transparence, aujourd'hui j'affiche plus ouvertement mon engagement chrétien.

Maquiavel e marketing político, ou a falta dele!


Maquiavel e o marketing político, por Luis Nazaré, Jornal de Negócios
«A actual maioria ousou contrariar as regras dos compêndios de gestão estratégica e conseguiu conquistar um invejável posicionamento de mercado. Em campanha, prometeu rigor e esperança. Entregou empobrecimento e desânimo. E o mercado aceita, sem especiais manifestações de desagrado.
Há, no marketing estratégico, um conceito de difícil gestão designado por posicionamento. Trata-se, em síntese, de construir na mente do consumidor uma imagem distintiva do produto que lhe pretendemos vender, capaz de estabelecer uma relação de fidelidade comercial assente na robustez e na estabilidade da oferta de valor. Na política, passa-se o mesmo – tudo se joga na relação entre as expectativas dos eleitores e o produto oferecido pela governação. Pois bem, a actual maioria ousou contrariar as regras dos compêndios de gestão estratégica e conseguiu conquistar um invejável posicionamento de mercado. Em campanha, prometeu rigor e esperança. Entregou empobrecimento e desânimo. E o mercado aceita, sem especiais manifestações de desagrado. Será o dealbar de uma nova teoria de marketing político, adaptada às idiossincrasias nacionais, ou estaremos perante um caso de estudo etéreo, que só um contexto internacional imprevisível consegue explicar?
Na verdade, os portugueses interiorizaram um cenário de desgraça, prestando pouca ou nenhuma atenção às promessas da classe política, cientes de que os bons tempos do consumo e do crédito fácil não regressariam tão cedo. O actual primeiro-ministro negou em campanha que tivesse a intenção de eliminar os subsídios de férias e de Natal? Que importa, se todos sabiam que a sua supressão era certa? Foi mesmo uma gaffe o desencontro verbal entre governantes quanto ao período de carência? Se foi, não produziu quaisquer consequências visíveis – o facto só mereceu destaque nos debates parlamentares e nos comentários rebuscados dos analistas políticos, que o povo já percebeu o filme todo.
É este o invulgar mérito da maioria governamental. Voluntária ou involuntariamente, soube preparar um ambiente de resignação e descrença perante um contexto económico reconhecidamente hostil, umas contas públicas debilitadas e uma Europa pífia. Ao completo arrepio das teses de Maquiavel, vai distribuindo as malvadezes aos bochechos, guardando as boas notícias para mais tarde, de um só fôlego, lá para 2015. Se as houver. Aqui reside o fulcro da questão política. Os portugueses parecem estar disponíveis para mais e mais sacrifícios, conformados com o destino e indiferentes perante um futuro de que nem querem ouvir falar, mas não perderam, como nenhum povo perde, a sua noção dos limites de utilidade. O posicionamento de marketing da actual maioria governamental comporta riscos sérios – os portugueses interiorizaram a austeridade e o empobrecimento, mas dificilmente se reverão num discurso esperançoso, que intuem como táctico e desconforme com a matriz de expectativas negativas que criaram. Entre outras, é esta a dificuldade principal do ministro da Economia.
Além de circunstâncias específicas ao personagem e da emergência da crise financeira mundial, foram exactamente as dissonâncias de posicionamento político que liquidaram Sócrates. Os portugueses viam-no como um dirigente ambicioso, capaz de encetar mudanças e induzir progresso. Enquanto essa percepção durou – com políticas agressivas no domínio da ciência, um élan reformista na Administração Pública, festa nas escolas, expansão das redes viárias e diplomacia económica activa – Sócrates viu a intelligentsia nacional a seus pés e o povo confiante. Quando chegou a crise e foi necessário arrepiar caminho, tudo mudou. O quadro de referência mental dos eleitores – e o da intelligentsia lusitana, esse especialmente volátil – não estava preparado para um discurso de dificuldades. Daí à descoberta de "falhas de carácter" e a desmandos das contas públicas foi um passo. O seguinte foi a lapidação.
Patriota que sou, espero bem que o jogo do posicionamento político reverta a favor do povo e que o FMI, no seu 3º relatório sobre Portugal, se engane ao augurar tempos negros para a nossa economia. Se, por alturas de 2015, se revelar certo, será muito interessante revisitarmos Maquiavel. Caso contrário, recomendo a leitura de um bom manual de marketing estratégico.»

domingo, 8 de abril de 2012

Tetelestai!

Jesus Cristo foi crucificado no Calvário (em hebreu, Gólgota, "O Lugar da Caveira"). Muitos de nós procuram na intimidade simbólica e ritualista experimentar essa iniciação frente à caveira, morrendo para o mundo profano e abrindo dentro de nós as portas a esse extraordinário mundo novo. Esta morte, neste lugar concreto, retoma maior significado a acreditar na tradição hebraica (Orígenes, século III), que diz que Adão teria sido sepultado no Lugar da Caveira ou Gólgota, o mesmo local onde Jesus Cristo foi crucificado. Seguindo a profecia, se a humanidade morria com Adão, ela ressuscitaria com Cristo. A caveira de Adão teria sido lavada pelo sangue de Cristo para que todos os filhos de Adão fossem remidos pelo "segundo Adão". O grito proferido do alto da cruz: “Tetelestai" (“está consumado!”). Essa palavra dita nos últimos momentos em que Jesus ofereceu a Sua vida, depois de ter dito: “Pai, nas Tuas mãos entrego o meu Espírito”, são esclarecedoras quanto ao sentido que o Filho de Deus dava à sua entrega. (Tetelestai era o carimbo colocado sobre o documento de compra de um escravo depois de ser pago todo o preço. Tetelestai era esse registo legal. No primeiro século, pregava-se o documento de acusação de um preso na porta da sua cela. Os crimes de que era acusado e o castigo que lhe tinha sido imposto, estavam descritos nesse documento. Depois do preso ter cumprido a sentença, o documento era retirado da porta, e cancelado pela aposição da palavra tetelestai! O documento era-lhe então entregue, e ninguém podia voltar a acusá-lo dos mesmos crimes). Quando Jesus disse A palavra, queria dizer-nos que “a dívida está quitada”! Lembro que, naquele tempo, a palavra tetelestai era também utilizada nas campanhas militares vitoriosas. Quando um general regressava do campo de batalha, fazia marchar os seus prisioneiros de guerra pelas ruas de Roma e, ao proclamar a sua vitória, gritando: tetelestai… tetelestai. Com este grito de vitória, afirmava que o inimigo tinha sido vencido e que o seu poder havia sido quebrado: Missão terminada!) Foi esta A Sua última palavra antes de expirar na Cruz. Assim Jesus proclamou a Sua vitória sobre o inimigo: Tetelestai!! A obra da cruz foi, é e sempre será completa! Tudo que fazia parte do “tempo antigo” (período antes da Cruz) já passou – “As coisas velhas já passaram…” (2ª Coríntios 5:17). No Gólgota Jesus dividiu os tempos, pondo fim a uma era de maldições, de lei, dogmas, regras religiosas, legalismos farisaicos, acabando com as incertezas e com o medo. Ele abriu-nos as portas do Novo e Vivo Caminho que é a Nova Aliança e trouxe-nos de volta para o Reino. E assim como na visão de Ezequiel, onde um lugar de mortos se tornou um lugar cheio de vida (Ezequiel 37:1-10), o lugar da Caveira, onde Cristo foi morto, se tornou um lugar de renovação para toda a Criação. Paulo disse: “…tudo se fez novo.” (2ª Coríntios 5:17). Recriemo-nos! Reinventemo-nos! Ressuscitemos! Que O Novo Homem tome o lugar do Velho Homem que há em Nós. Vivamos a Páscoa nessa reflexão do que o Mundo exige de Nós. E morramos Nela para nascer de novo!

terça-feira, 3 de abril de 2012

Hospitaleiro, Tronco da Viúva e Páscoa

“A virtude chamada solidariedade é a união voluntária e a devoção recíproca dos homens.” (Leon Bourgeois) Diz o 22º mandamento: "Com o faminto, reparte o teu pão; aos pobre e forasteiros dá hospitalidade.“
Certo é que o Hospitaleiro - tivesse o Tronco da Viúva força e vigor - tem, nesta altura da Páscoa, um papel precioso. Ir em socorro. Ir em auxílio.
Seria bom que os Ir.'. lembrassem o ensinamento "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mateus 7:21).
A linguagem simbólica do pão e do vinho alude a esse cuidado concreto de alimento material de que o homem carece e de que muitos Ir.'. estão privados.
Cabe a cada um de nós fazer como Melquizedeque e levar pão e vinho à mesa dos mais carenciados. A começar "em casa"!
“Quando vossos filhos vos perguntarem: Que rito é este? Respondereis: é o sacrifício da Páscoa ao Senhor (...).” (Êxodo: 12. 26-28).
Quando Deus disse a Moisés que celebrasse com pão e vinho e, também, ainda, quando, na última Ceia, Jesus comeu com os seus discípulos (Mc 14.12), estava presente aquela maravilhosa cena, na sinagoga de Cafarnaum, por época do banquete de Páscoa, que Jesus aproveitou para relevar a natureza da Sua Eucaristia:"Esforçai-vos, não pelo alimento que se estraga, e sim pelo alimento que permanece até à vida eterna. É este o alimento que o Filho do homem vos dará, porque Deus Pai o marcou com seu selo". (João 6,27). Quando o indagaram sobre a natureza deste alimento eterno, Ele respondeu:"Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim já não terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede." (João 6,35), insistindo:"Eu sou o pão vivo descido do céu. Se alguém comer deste pão viverá para sempre. E o pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo". (João 6,51) e esclarecendo:"Em verdade, em verdade eu vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Porque minha carne é verdadeiramente comida e meu sangue é verdadeiramente bebida. Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e eu nele." (João 6,53-56). Cristo partilhava-se assim Todo!
A ideia que nos move quando celebramos a Páscoa é a mesma a que aludimos quando reunimos à volta da mesa e partilhamos o pão e o vinho: "Farás uma mesa de madeira de acácia, cujo comprimento será de dois côvados, a largura de um côvado e aaltura de um côvado e meio. ... Porás sobre essa mesa os pães da proposição, que ficarão constantemente diante de mim." (Êxodo, 25 - 23 e 30) A acácia apela a essa união, a essa fraternidade, a essa dimensão do Todo! A partilha só pode querer significar repartir essa acácia entre mãos. Transformá-la nesse magnífica egrégora (a Cadeia de União retoma aqui Força e Vigor) e converter o símbolo em fraternidade real e efetiva.
Se a mesa do meu Ir.'. não tem pão, não tem vinho, cabe ao Hospitaleiro diligenciar para o milagre dos pães se opere.
O pacto que o Cordeiro de Deus fez connosco ("Selarei com eles um Aliança Eterna..." (Jr 31,39)) foi o de repartir e o de partilhar da sua própria Vida e Morte, tornando-se Ele mesmo a Nossa Mesa.
O hospitaleiro (função em L.'. tão esquecida e menosprezada) assume aqui e agora uma dimensão especial, a de prover, com o Tronco da Viúva, esse pão e esse vinho. A de se tornar a pomba de Cristo, a de ser seu emissário, transportando no bico aquela acácia da solidariedade, que há-de ser o sustento da mesa dos nossos Ir.'..
Ser maçon não é, nesta matéria, uma atitude meramente paliativa, é uma atitude de preocupação, de prevenção e de cuidado.
Que o Hospitaleiro seja o Pão, o Vinho. Que faça do Tronco a mesa farta da Eucaristia. Que seja Amor!