Três casos marcam hoje a actualidade da Justiça.
Primeiro, a polémica decisão do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha de Nascimento, de mandar destruir as escutas do processo Face Oculta, que, na segunda-feira, o Tribunal Constitucional reacendeu com o acórdão assinado por cinco juízes conselheiros (João Cura Mariano, Joaquim de Sousa Ribeiro, J. Cunha Barbosa, Catarina Sarmento e Castro, Rui Manuel Moura Ramos), em que estes aceitam a reclamação interposta pelo arguido do processo Face Oculta, Paulo Penedos, que sempre contestou a destruição das escutas, alegando que as mesmas eram essenciais para a sua defesa. O TC aceitou sindicar a decisão do presidente do STJ, que interveio neste caso apenas como juiz de instrução. “Não se vislumbrando outras razões para que não eja conhecido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por isso deve ser deferida a reclamação apresentada, admitindo-se esse recurso, o qual deve ter efeito meramente devolutivo da decisão recorrida, com subida imediata nos próprios autos”, lê-se na decisão. O que significa que o Tribunal Constitucional, cuja existência o presidente do Supremo questionou há dias, irá sindicar a decisão de Noronha do Nascimento, analisando se a mesma viola ou não normas da Constituição, embora isso não suspenda o desenrolar do processo Face Oculta, cujo julgamento começa na próxima terça-feira no Palácio de Justiça de Aveiro.
Segundo, o caso de Duarte Lima. Segundo as autoridades brasileiras, se for condenado no Brasil, a sentença pode ser executada em Portugal. Numa conferência de imprensa realizada no Ministério Público – em atenção à cobertura portuguesa do caso, segundo foi explicado – o procurador-geral de justiça do Rio, Cláudio Lopes, e a promotora responsável pelo caso, Gabriela de Aguillar Lima, disseram “esperar” que a justiça portuguesa contribua “para que o crime não fique impune”. Cândida Almeida admitiu já a abertura de investigações no caso. A questão da impunidade coloca-se porque Duarte Lima não poderá ser extraditado de Portugal para o Brasil, segundo os acordos entre os dois países. Ou seja, com um processo já a decorrer contra ele na justiça brasileira haveria o risco de, em caso de condenação, a pena não ser cumprida. Mas havendo cooperação portuguesa, isso pode ser evitado, alertam os responsáveis brasileiros. Lembram que o acusado tem “certa influência em Portugal” e é importante “que não exerça influência sobre testemunhas”, que foi “um crime praticado com bastante audácia”, e “talvez ele não tenha acreditado tanto na competência da polícia e das leis brasileiras”. Gabriela Lima explicou que a acusação de homicídio qualificado se baseia em “provas contundentes de que [Duarte Lima] efectuou dois tiros em Rosalina Ribeiro”, por “motivo torpe” e “de surpresa”, de acordo com o inquérito policial. Sendo que o acusado “só atrapalhou a investigação” ao prestar declarações “inverídicas e truncadas” quando falou com a polícia.
Terceiro, o caso Isaltino. Que reagiu à rejeição pelo Tribunal Constitucional do seu último recurso, sustentando que ela não tem efeitos imediatos no “desfecho do processo”. Se assim fosse, a decisão do TC não implicaria a sua detenção imediata para cumprimento da pena de dois anos de prisão efectiva a que foi condenado. Num comunicado assinado pelo arguido, desta vez distribuído através de uma conta de e-mail do próprio e não através dos serviços da Câmara de Oeiras, Isaltino afirma que o que agora transitou em julgado “foi a decisão do Tribunal Constitucional (acórdão de 11 de Outubro passado), que julgou conformes com a Constituição da República as normas invocadas ao longo do processo para vedar ao arguido a apreciação dos factos em discussão, isto é o julgamento, por um tribunal de júri” e não a decisão que o condenou. Continuam pendentes e a aguardar decisão do Tribunal da Relação de Lisboa várias questões que não enumera, “essas sim determinantes para o desfecho de todo o processo”. A questão assume especial relevância já que, se fizer valimento a tese da defesa de que a decisão do TC não implica o trânsito em julgado da decisão condenatória e a consequente prisão do arguido, a decisão da Relação poderá ser tomada já depois de efectivamente prescritos alguns desses crimes. Essa prescrição pode dar-se já no início da próxima semana, o que, a confirmar-se, obrigaria a Relação, se não se pronunciasse até lá, a declarar prescritos esses crimes e a ordenar a reformulação do acórdão que condenou o arguido, sendo que o novo acórdão poderia, naturalmente, ser objecto de novos e sucessivos recursos. Para dar força ao seu entendimento de que a última decisão do TC não o pode levar de imediato à cadeia, tese corroborada por alguns juristas. Isaltino sustenta que é também essa a leitura do TC, uma vez que este “ordenou a remessa dos autos (isto é, da parte do processo que lhe coube analisar e decidir) para o Tribunal da Relação de Lisboa ‘a fim de os mesmos prosseguirem os seus termos’". Mas como o que estava em causa no recurso que o TC agora rejeitou era precisamente um acórdão da Relação de Lisboa, também é possível ver na devolução dos autos a esse tribunal superior uma decisão obrigatória para o TC, a qual nada tem a ver com o facto de ali haver ou não outros recursos pendentes sobre o mesmo caso.
E assim vão os caminhos de Dike. Suponho que esta se interrogue de que lhe vale segurar a espada e a balança, se a primeira vai ganhando trunfos à segunda. Há-de ter muito que contar a Zeus e a Témis. Dike é a padroeira da justiça, dos juízes. Santo Ivo é o padroeiro dos advogados. Dois santos desesperados com os caminhos da Justiça em Portugal. Graças a Deus, "para baixo todos os santos ajudam", que "para cima" não se vê jeito por aqui.