Carta fechada a Marinho e Pinto - O chefe de gabinete da ministra da Justiça critica o bastonário dos advogados.
"1. Há uma altura na vida em que é preciso dizer basta. E sente-se que chega essa momento quando se ultrapassam os limites da decência e se entra na brejeirice.
As tuas atuais investidas contra o Ministério da Justiça padecem desse mal e revelam uma patologia que a todos envergonha!
Falas quando queres, direito que te assiste enquanto cidadão. E, porque também te dizes jornalista (enfim, uma espécie de jornalista…), sabes bem a forma de manter acesa a chama dos voyeuristas dos costumes, mesmo que inventando factos que não existem para, a partir deles, construíres as mais fantásticas teorias de conspiração. Inventas familiares e cunhados à ministra da Justiça que não existem, projetas nomeações promíscuas no gabinete que também não existem, e esqueces-te que tudo o que dizes pode ser publicamente escrutinado e facilmente desmentido.
Mas, porque também és bastonário, falas muitas vezes quando não deves. Só que há recatos que o dever do cargo exige, cujos limites ainda não percebeste porque não tens consciência da ilicitude sobre muito do que dizes, e porque teimas em manter acesa essa chama populista.
É, por isso, tempo de dizer: basta!
2. Dizem os chineses que não devemos abrir portas que, depois, não possamos fechar. Mas tu praticas o oposto. Abres todas as portas que podes e depois, porque as não consegues fechar, ficas prisioneiro num imenso labirinto, de onde não sabes sair.
Mal não viria ao mundo esse facto — cada um escolhe as prisões em que se quer isolar —, não fosse o caso de igualmente seres bastonário. E não se verificasse essa particular insignificância de que, ao falares, responsabilizas todos os advogados portugueses!
3. Todos sabemos o pretexto: são os malandros de agora que não pagam o apoio judiciário que os outros deixaram!
A dívida herdada pelo atual Governo era de €35 milhões (a propósito: onde andavas tu nessa altura que não se ouvia a tua voz de protesto?), mas é a ministra da Justiça que não paga!? Pois: e a dívida aumentou. Sim, aumentou um pouco menos de €6 milhões. Só que este Governo já conseguiu pagar €6,8 milhões!
Também não te dá jeito que a Portaria de 2008, que deixou cair os mecanismos de fiscalização do sistema de apoio judiciário, e que está na origem de tanta ‘desconformidade’ (chamemos-lhe assim até que os resultados da auditoria sejam publicados…), tenha resultado de um acordo entre ti e o anterior Governo. E ainda é uma maçada que tenha sido dito que o Conselho Geral da Ordem recebe um significativo financiamento do Estado, não é?
De facto, em 2010, foram-te entregues €1.7 milhões. E este ano, até setembro, a verba vai quase num milhão de euros…
4.0 momento é sério! O sistema judicial precisa de reformas profundas. Precisa da intervenção de todas as profissões jurídicas. Precisa de moderação, de algumas cedências e de compromissos estratégicos à volta do essencial. Mas tu abres guerras com quase toda a gente, sem cuidar de perceber o limite ético da crítica, sem teres a dignidade de respeito pela função que desempenhas. E como não tens propostas estruturadas para a reforma do sistema de justiça, vives com um discurso construído de generalidades.
Escolheste o caminho de ser arauto da desgraça, uma figura menor que Portugal bem dispensava nestes tempos de grande urgência nacional. É por tudo isto que repito: basta!" João Miguel Bastos | Expresso | 19-11-2011