A propósito das mais recentes críticas ao Governo por parte da dita "oposição", e fico-me pelo "dita", porque infelizmente nem reúne créditos para tal, vejamos mais um "incidente" da magistratura (ou será um "acidente"?!).
Parece que estão unânimes os magistrados em se congratular com a sentença de um tribunal de l.a instância de Ponta Delgada, de 3 de Abril do corrente ano e confirmada, há dias (interpretando-a estes como um presente de Natal!), pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Tudo por causa do artigo que o jornalista Estêvão Gago da Câmara escreveu na véspera das eleições legislativas em 2005, no jornal Açoriano Oriental, em que aquele afirma que o então candidato a deputado do PS, Ricardo Rodrigues, “esteve envolvido com um gang internacional na qualidade de advogado, sócio e procurador de uma sociedade off-shore registada algures num paraíso fiscal e de ter sido advogado e sócio de uma mulher que está foragida no estrangeiro, acusada de ter dado um golpe de centenas de milhares de contos à agência da Caixa Geral de Depósitos na Lagoa”.
Para o jornalista Estêvão da Câmara, Ricardo Rodrigues não se devia, por isto, candidatar a deputado. Vai daí que o actual vice-líder da bancada parlamentar, Ricardo Rodrigues não gostou do texto e queixou-se criminalmente do jornalista, por entender que o jornalista questionara, com aquela atitude, a sua honra cometendo um crime de difamação.
Estêvão Gago defendeu-se pedindo que um juiz de instrução, face à prova produzida, não o sujeitasse a julgamento, proferindo o chamado despacho de não pronúncia, porque, no seu entender, "o seu texto tinha, para além da componente opinativa, uma componente factual que, embora podendo tocar na honra do queixoso, nem por isso deixava de ser legítima porque estava protegida pela liberdade de expressão, um direito constitucional que importa particularmente salvaguardar quando estão em causa afirmações que relevam do escrutínio dos titulares do poder político/público."
O juiz Pedro Soares de Albergaria encontrou um nexo de causalidade entre os juízos de valor tecidos pelo jornalista e o "tom da peça jornalística": “Nesta, o arguido exprime um juízo negativo sobre a posição político-partidária do assistente (`não deveria nunca ter enveredado pela actividade política’; ‘o seu regresso é uma insistência no erro’; `ao optar por não reintegrar o assistente (…) quis o destino e as circunstâncias que (…) nascesse um `caso’ nacional da política açoriana’, etc.) e esse é, na verdade, o valor comunicativo-jornalístico aparente daquela peça.” As opiniões (não lhes chamaria tal porque não são atitudes pessoais, mas sim atitudes públicas, e as meras opiniões são pessoais) do jornalista estariam apoiadas em imputações de facto, tais como “esteve envolvido com um gang internacional na qualidade de advogado, sócio e procurador de uma sociedade off shore registada algures num paraíso fiscal”; “advogado/sócio de uma mulher que está foragida no estrangeiro, acusada de `ter dado o golpe de centenas de milhar de contos”‘, e eram estas afirmações que permitiriam imputar ao assistente Ricardo Rodrigues comportamentos indignos ou desonrosos.
Havia, então, que apurar se existiam causas que legitimassem o texto do jornalista, isto é, se o interesse do mesmo era legítimo e se eram verdadeiros os factos em causa ou se, pelo menos, o jornalista tinha razões para, de boa-fé, os tomar como verdadeiros.
Ao contrário, no entender daquele magistrado, “a notoriedade política do assistente, a relevância dos cargos que ocupara (antigo governante regional), a sua actividade político-partidária, incluída a condição de candidato a deputado que então tinha e, finalmente, a circunstância de ter sido investigado e arguido num processo em que se apreciaram crimes de associação criminosa, infidelidade, burla qualificada e falsificação de documentos, entre outros; e bem assim, que o assistente fora além disso advogado daquela que nesse processo foi principal arguida (ao tempo foragida e mais tarde julgada em processo separado com condenação por crimes continuados de burla qualificada e falsificação de documentos)”, consubstanciavam matéria relevante "do ponto de vista jornalístico e à luz da função da imprensa numa sociedade livre". Ou seja, as “apreciações sobre a oportunidade e valor do percurso político percorrido e então a percorrer pelo assistente”. Já quanto à veracidade das afirmações do jornalista, a questão foi mais complexa: Ricardo Rodrigues, embora tivesse sido constituído arguido no processo criminal em causa, não chegara a ser acusado pelo Ministério Público, que arquivou o processo quanto a si.
Questão fundamental: Como interpretar as afirmações do jornalista de que o político tinha estado envolvido com um gang internacional? Iriam ou não, para além do que podia, de boa-fé, afirmar?Segundo o juiz Pedro Soares de Albergaria, naquele processo criminal, o M.° P.º tinha referido expressamente que, sobre Ricardo Rodrigues, tinham recaído “suspeitas de envolvimento na factualidade ilícita que trata os autos”, pelo que, o jornalista não tinha ido além do que já ficara afirmado pelo M.°P.°, donde, não teve dúvidas de que o texto de Estêvão Gago estava protegido pela liberdade de expressão pelo que proferiu despacho de não pronúncia.
E de tudo isto, retiram os seus colegas (alguns, óbvio) a conclusão de que esta é "Uma decisão que, embora proferida em Abril, podemos considerar um presente de Natal."
Lamento, mas discordo profundamente.
Já devíamos estar fartos, a esta hora, dos caprichos e devaneios exercitados a bel-prazer pelos senhores jornalistas, com graves repercussões ao nível pessoal e público na vida de quem faz política. Primeiro, porque não pertencem todos ao mesmo saco. Segundo, porque o grau de exposição é cada vez mais acentuado, e isso parece afastar - curiosamente - não os malfeitores, mas os que não o são (até porque em relação aos outros, as coisas são como são ...).
A democracia deveria ter já atingido um confortável nível de respeito e de exercício do direito de cidadania que delimitasse (não limitasse!) a possibilidade de se ferir o próximo sem um elevado grau de probabilidade na acusação e contemporizando a aplicação de sanções a quem, independentemente da sua actividade ser a jornalística ou outra, exorbita a boa-fé.
Portanto, esta decisão já - ironicamente - ou não? - de Abril não é um bom presente. Nem sequer é um presente. Muito menos de Natal.
A não ser que nestes se incluam "presentes" envenenados!
Parece que estão unânimes os magistrados em se congratular com a sentença de um tribunal de l.a instância de Ponta Delgada, de 3 de Abril do corrente ano e confirmada, há dias (interpretando-a estes como um presente de Natal!), pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Tudo por causa do artigo que o jornalista Estêvão Gago da Câmara escreveu na véspera das eleições legislativas em 2005, no jornal Açoriano Oriental, em que aquele afirma que o então candidato a deputado do PS, Ricardo Rodrigues, “esteve envolvido com um gang internacional na qualidade de advogado, sócio e procurador de uma sociedade off-shore registada algures num paraíso fiscal e de ter sido advogado e sócio de uma mulher que está foragida no estrangeiro, acusada de ter dado um golpe de centenas de milhares de contos à agência da Caixa Geral de Depósitos na Lagoa”.
Para o jornalista Estêvão da Câmara, Ricardo Rodrigues não se devia, por isto, candidatar a deputado. Vai daí que o actual vice-líder da bancada parlamentar, Ricardo Rodrigues não gostou do texto e queixou-se criminalmente do jornalista, por entender que o jornalista questionara, com aquela atitude, a sua honra cometendo um crime de difamação.
Estêvão Gago defendeu-se pedindo que um juiz de instrução, face à prova produzida, não o sujeitasse a julgamento, proferindo o chamado despacho de não pronúncia, porque, no seu entender, "o seu texto tinha, para além da componente opinativa, uma componente factual que, embora podendo tocar na honra do queixoso, nem por isso deixava de ser legítima porque estava protegida pela liberdade de expressão, um direito constitucional que importa particularmente salvaguardar quando estão em causa afirmações que relevam do escrutínio dos titulares do poder político/público."
O juiz Pedro Soares de Albergaria encontrou um nexo de causalidade entre os juízos de valor tecidos pelo jornalista e o "tom da peça jornalística": “Nesta, o arguido exprime um juízo negativo sobre a posição político-partidária do assistente (`não deveria nunca ter enveredado pela actividade política’; ‘o seu regresso é uma insistência no erro’; `ao optar por não reintegrar o assistente (…) quis o destino e as circunstâncias que (…) nascesse um `caso’ nacional da política açoriana’, etc.) e esse é, na verdade, o valor comunicativo-jornalístico aparente daquela peça.” As opiniões (não lhes chamaria tal porque não são atitudes pessoais, mas sim atitudes públicas, e as meras opiniões são pessoais) do jornalista estariam apoiadas em imputações de facto, tais como “esteve envolvido com um gang internacional na qualidade de advogado, sócio e procurador de uma sociedade off shore registada algures num paraíso fiscal”; “advogado/sócio de uma mulher que está foragida no estrangeiro, acusada de `ter dado o golpe de centenas de milhar de contos”‘, e eram estas afirmações que permitiriam imputar ao assistente Ricardo Rodrigues comportamentos indignos ou desonrosos.
Havia, então, que apurar se existiam causas que legitimassem o texto do jornalista, isto é, se o interesse do mesmo era legítimo e se eram verdadeiros os factos em causa ou se, pelo menos, o jornalista tinha razões para, de boa-fé, os tomar como verdadeiros.
Ao contrário, no entender daquele magistrado, “a notoriedade política do assistente, a relevância dos cargos que ocupara (antigo governante regional), a sua actividade político-partidária, incluída a condição de candidato a deputado que então tinha e, finalmente, a circunstância de ter sido investigado e arguido num processo em que se apreciaram crimes de associação criminosa, infidelidade, burla qualificada e falsificação de documentos, entre outros; e bem assim, que o assistente fora além disso advogado daquela que nesse processo foi principal arguida (ao tempo foragida e mais tarde julgada em processo separado com condenação por crimes continuados de burla qualificada e falsificação de documentos)”, consubstanciavam matéria relevante "do ponto de vista jornalístico e à luz da função da imprensa numa sociedade livre". Ou seja, as “apreciações sobre a oportunidade e valor do percurso político percorrido e então a percorrer pelo assistente”. Já quanto à veracidade das afirmações do jornalista, a questão foi mais complexa: Ricardo Rodrigues, embora tivesse sido constituído arguido no processo criminal em causa, não chegara a ser acusado pelo Ministério Público, que arquivou o processo quanto a si.
Questão fundamental: Como interpretar as afirmações do jornalista de que o político tinha estado envolvido com um gang internacional? Iriam ou não, para além do que podia, de boa-fé, afirmar?Segundo o juiz Pedro Soares de Albergaria, naquele processo criminal, o M.° P.º tinha referido expressamente que, sobre Ricardo Rodrigues, tinham recaído “suspeitas de envolvimento na factualidade ilícita que trata os autos”, pelo que, o jornalista não tinha ido além do que já ficara afirmado pelo M.°P.°, donde, não teve dúvidas de que o texto de Estêvão Gago estava protegido pela liberdade de expressão pelo que proferiu despacho de não pronúncia.
E de tudo isto, retiram os seus colegas (alguns, óbvio) a conclusão de que esta é "Uma decisão que, embora proferida em Abril, podemos considerar um presente de Natal."
Lamento, mas discordo profundamente.
Já devíamos estar fartos, a esta hora, dos caprichos e devaneios exercitados a bel-prazer pelos senhores jornalistas, com graves repercussões ao nível pessoal e público na vida de quem faz política. Primeiro, porque não pertencem todos ao mesmo saco. Segundo, porque o grau de exposição é cada vez mais acentuado, e isso parece afastar - curiosamente - não os malfeitores, mas os que não o são (até porque em relação aos outros, as coisas são como são ...).
A democracia deveria ter já atingido um confortável nível de respeito e de exercício do direito de cidadania que delimitasse (não limitasse!) a possibilidade de se ferir o próximo sem um elevado grau de probabilidade na acusação e contemporizando a aplicação de sanções a quem, independentemente da sua actividade ser a jornalística ou outra, exorbita a boa-fé.
Portanto, esta decisão já - ironicamente - ou não? - de Abril não é um bom presente. Nem sequer é um presente. Muito menos de Natal.
A não ser que nestes se incluam "presentes" envenenados!