«Caros accionistas, a eleição dos nossos candidatos veio demonstrar, uma vez mais, que a democracia funciona e nada temos a temer. Agora é atacar as derradeiras guarnições de mais-valia (como fundos de pensões e monopólios naturais), que a janela desta crise é preciosa, mas não dura, se até o CEO tem limites e o petróleo nos começa a falhar.
A classe média continua a pernear no tapete rolante da dívida, mas os média têm feito uma excelente cobertura e ninguém desconfia de nada – é dar-lhe toda a corda de esperança que reclama, para que no momento certo o alçapão se abra sem alarde e suavemente nos livremos desta roda de bocas inúteis, que já só atrasa o andamento da economia.
Resta o problema dos relapsos e dos enraivecidos, que vociferam pelas ruas “não pagamos” e motim.
Mas são, convenhamos, conduzidos por gatinhos escaldados, sem crédito nem guizos nem projecto coerente. Nada que seduza o coração dos isolados, como o provam as sondagens e o misto de admiração e inveja que continuamos a despertar nas cobaias.
Mas nem tudo são rosas, cavalheiros, pois se o clima emocional da populaça é tele-regulável, o mesmo não se pode dizer da frente ecológica, onde poderosas forças de bloqueio se concentram como gases deletérios, esgotamentos, externalidades que ameaçam gravemente o nosso modo de vida. Em poucas palavras: não cabe mais ninguém na ratoeira do progresso industrial.
Sete mil milhões de bocas engodadas pelo isco do consumo rivalizam por recursos limitados, que pertencem por direito natural aos nossos netos.
Começou a grande dança de cadeiras, e nunca como hoje a presciência valeu tanto no mercado evolutivo. Felizmente, somos nós quem determina
quando a música termina e a corrida começa.
Temos na mão o queijo, a faca e o conto de fadas da modernidade, temos por nós a confusão do inimigo, o fantasma da desordem, a esperança e o vazio dos desesperados, além da nova lei de segurança interna. Assim, e embora seja cedo para celebrar (pois a história, mesmo de trela ao pescoço, não deixa de ser um animal imprevisível), hão de concordar, cavalheiros, que as coisas estão bem encarreiradas. Todavia, não podemos vacilar.
O capital unido jamais será vencido! Há que pôr a compaixão na gaveta e no terreno uma vontade de ferro, pois avizinha-se a batalha decisiva desta guerra de classes. E, passada a turbulência, cá estaremos, accionistas do futuro, para herdar a Terra.» - 'FALA O DIRETOR-GERAL', José Miguel Silva, no Le Monde Diplomatique – Edição Portuguesa Janeiro 2014