Escolho como símbolo para o ano que começa o Pelicano. Conhece-se o seu significado de símbolo maçónico. Importará deixar aqui o que confere mais força ao seu significante e o que encerra a sua forte mensagem.
São Jerónimo, num comentário do Salmo 102, disse: “Sou como um pelicano do deserto, que fustiga o peito e alimenta com o próprio sangue os seus filhos”. “Ó pássaro bom! Ó pelicano bom, Senhor Jesus!” “Que o pássaro bom nos ensine amar mais a Eucaristia, Sacramento no qual Jesus se acha presente, com seu corpo, sangue, alma e divindade. Ele é banquete sagrado, “o pelicano bom a nos inundar com vosso sangue, sangue no qual uma só gota pode salvar o mundo inteiro” (Santo Tomás de Aquino). No hino Adoro te devote: “Pie pellicáne Jésu Domine, Me immundum munda túo sánguine, Cújus una stílla sálvum fácere Tótum múndum quit ab ómni scélere.” (Senhor Jesus, terno pelicano, lava-me a mim, imundo, com o teu sangue, do qual uma só gota já pode salvar o mundo de todos os pecados).
À interpretação teológica, os místicos acrescentaram mais um significado: ao transferir para os outros os nossos talentos e dons, alimentamos as suas vidas. O Pelicano é o símbolo escolhido do Grau de Cavaleiro Rosa Cruz, 18 (grau alquímico por excelência e Cristão), lembrando a origem alquimista dos rosa-cruzes, apelando à simbologia do sacrifício de Cristo, cujo sangue derramado sobre a cruz foi instrumento de regeneração dos espíritos).
A dimensão do símbolo é transportada por Alfred de Musset, no seu poema O Pelicano: “Qualquer preocupação que sofras em tua vida,/ Oh! deixa dilatar-se, esta santa ferida/ Que os negros serafins têm cavado em teu peito/ Nada nos faz tão grandes como um sofrer perfeito./ Mas, por estar atento, não creias, ó poeta,/ Que no Mundo a tua voz deva ficar quieta !/ Os mais pungentes são os cânticos mais belos,/ E eu conheço imortais que são tristes anelos./ Quando o pelicano, em longa viagem solta,/ Nas brumas da tardinha aos seus caniços volta,/ Famintos filhos seus caminham sobre a praia,/ Vendo-o esbater-se ao longe em cima às plúmbeas águas/ Já crendo em apanhar e repartir a presa/ Eles correm ao pai com gritos de alegrias/ Erguendo os bicos sobre as gargantas frias./ Ele, galgando a passos lentos uma rocha elevada,/ Em sua asa pendente abrigando a ninhada,/ Pescador melancólico, ele olha os céus./ O sangue corre em golfadas em seu peito aberto;/ Em vão dos mares escavou a profundeza:/ O Oceano estava vazio e a praia deserta;/ Por todo alimento ele traz seu coração./ Sombrio e silencioso, estendido sobre a pedra,/ Repartindo aos seus filhos suas entranhas de pai,/ No seu amor sublime embala a sua dor,/ E, olhando escorrer seu peito a sangrar,/ Sobre seu festim de morte ele se prostra e cambaleia,/ Ébrio de volúpia, de ternura e de horror./ Mas às vezes, no meio do divino sacrifício,/ Fatigado de morrer em tão longo suplício,/ Ele acredita que os filhos o deixem vivendo;/ Então soergue-se, abre sua asa ao vento,/ E, ferindo-se o coração com um grito selvagem,/ Solta dentro da noite um tão fúnebre adeus,/ Que os pássaros dos mares desertam a beira-mar,/ E que o viajante demorado na praia,/ Sentindo passar a morte, se recomenda a Deus.” (La Nuit de Mai (1835)).
O Pelicano, enquanto Dador, está em intima ligação com o Tronco da Viúva, oferecido aos Ir.’. no sigilo do Hospitaleiro e do Venerável. Ambos providenciam. Ambos amparam. Na sacralidade do rito, faço duas ressalvas quanto ao Tronco da Viúva. A primeira para a descrição que rodeia o seu uso, adentro do texto bíblico (Mateus 6:2-4) “Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. “3 Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita; 4 para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” A outra, para a sacralidade que acompanha a sua passagem pela L.’. e que provém do conjunto de energias [centradas, por fim, na Egrégora] que animam os Ir.’., como ele mesmo fosse incenso queimado (como a lei de Amra – causa e efeito).
Como construtores sociais, tomemos consciência do nosso papel na Ordem e na sociedade. Lembremo-nos do Pelicano. Da caridade com que distribui voluntariosamente o alimento em seu próprio sacrifício e em prol dos filhos que ama e que dele carecem para (sobre)viver. Atente-se na bondade com que o faz. Para homens que se aprimoram na conversão dos símbolos em valores e princípios operativos, o Pelicano insurge-se como uma força que devemos trabalhar em Nós. Copiemos-lhe os gestos, indo em socorro dos que precisam. Por excelência, sempre, prioritariamente, dos nossos. Sem alardes. Desprezando as luzes da ribalta, os holofotes mundanos, os favores profanos que agradecem caridades postiças e não a verdadeira generosidade [do Pelicano]. Se entendermos o Pelicano como o Deus que provê alimento para o seu Cosmos, satisfazendo-o com a própria substância, resta-nos, movidos pela energia do símbolo, abrir as nossas entranhas e deixar cair, em fraternidade, gota a gota, pedaço a pedaço (3-5-7), o alimento em falta. Ser Maçon é também Ser esse Pelicano. Oferecer essa ajuda. Emprestar as forças - não as que nos sobejam, mas as que temos, Todas as que Temos - a quem delas mais precisa. Provir essas necessidades. Sermos e Estarmos para os Outros, pelos Outros e nos Outros. Enlaçarmo-nos nesse (enorme) abraço fraternal.