sábado, 16 de outubro de 2010

AINDA HÁ TEMPO PARA FEMINISMOS?


A minha recente incursão pelo mundo da política no feminino confirmou-me que aqueles que me habituei a ter como os mais elementares direitos da mulher são hoje ainda uma miragem para muitas mulheres, para as quais. a vida familiar e social ainda radica numa distribuição de papéis que lhes exige a duplicação de papeis e as obriga, ainda que inconscientemente, a optar pelo papel sacrossanto de mãe ou por uma carreira.
Há, naturalmente, ainda muito para mudar, até do ponto de vista legislativo, mas o que me parece mais difícil é atingir o ponto em que as mulheres entendam que são elas as primeiras a ter de mudar, e, a latere, os homens que têm ao lado, e as respectivas famílias. O que representa livrarem-se de alguns handicaps emocionais, provindos de um sentimento de culpa de raiz judaico-cristã e de uma chantagem(zinha) emocional, que as cerca como estivessem prisioneiras do seu próprio estatuto.
São as mulheres que têm de mudar de vida para que se consiga o equilíbrio entre a emergência do feminino e a democratização da política, porque esta cidadania plena se traduz numa «igualdade inédita e subversiva». Exige a tal mudança de paradigma no domínio mais fundamental das relações humanas, o da relação homem-mulher, ao nível das relações pessoais e ao nível das respectivas funções na vida social, cultural e, sobretudo, familiar.
A política traz em si hoje questões novas que exigem uma visão transversal, que ultrapasse a mera óptica economicista do problema, à luz de realidades sociais recentes: falo, sobretudo, da globalização e da interdependência, das movimentações e dos desequilíbrios a nível mundial, e da pobreza. A emergência de uma política no feminino porá em causa a forma e a visão da política tradicional. A plena cidadania feminina pode oferecer à política a revitalização que esta reclama, a passagem de um “poder sobre” para um “poder com” e de um “poder contra” para um “poder para”. E daí à oportunidade de as mulheres humanizarem a função ou o exercício do poder, juntando razão e coração, isto é, aliando «uma racionalidade técnica e operacional sem falhas com um cuidado do outro, sem compromisso nem demissão».
Numa política gasta pelo exercício (esgotado) dos modelos de masculinidade, parece cada vez mais evidente o carácter existencial da cidadania das mulheres, a sua «cidadania múltipla», a que lhes permitirá encontrar «novas palavras e novos métodos», no conselho de Virgínia Woolf. E, não restam dúvidas, que o exercício desta cidadania é imperativo e urgente.
Maria de Lourdes Pintassilgo foi das primeiras a afirmar que «a estratégia da paridade permitirá às mulheres o usufruto pleno da sua cidadania», e que a democracia paritária era uma dimensão essencial da democracia verdadeira, a par do primado da lei ou do princípio da separação de poderes.
Um fenómeno lógico, ao fim e ao cabo, da própria democracia.