Já não trazia, há algum tempo, à vossa consideração um problema de ordem estritamente social, o que se justifica, não pelo desapego a este tipo de preocupações, mas porque outras se têm insurgido como mais actualizadas.
Contudo, uma reflexão com a minha mãe, fez-me voltar a atenção para o problema da violência sobre os idosos. Oiço cada vez mais os relatos de idosos “empurrados” para as suas casinhas de província porque os filhos deixaram de poder pagar os empréstimos ou as rendas das casas e ocuparam as suas, já pagas ou com menores custos. Relatos de gente que coage os pais – ainda que por mera chantagem emocional – a ajudas pecuniárias, sonegando-lhes parte das suas pensões. Relatos de mães que fazem de criadas das filhas, cuidando-lhes das casas e dos filhos. Relatos de aparentes elevados estatutos de vida dos filhos à conta do que extorquem aos pais. Só falo naturalmente de situações em que se usam os idosos contra a sua vontade e não de acordos familiares, desejáveis até.
As sociedades europeias confrontam-se com grandes problemas suscitados pelo envelhecimento populacional, desde o declínio da população activa, ao envelhecimento da mão-de-obra, à pressão sobre os regimes de pensão e as finanças públicas, à necessidade de redes formais de prestação de cuidados e serviços aos idosos, aos maus-tratos infligidos em contexto familiar e institucional. Dados recentes da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apontam para uma primeira sociografia da vítima (mulher, entre os 65 e 75 anos, reformada, a residir no meio urbano) e do agressor (cônjuges, filhos do sexo masculino entre os 35-45 anos).
A definição do conceito de abuso de idosos não é consensual, nem sequer juridicamente, mas é certo que se refere a um comportamento destrutivo dirigido a um adulto idoso que ocorre num contexto de confiança e cuja frequência (única ou regular) não só provoca sofrimento físico, psicológico e emocional, como representa uma séria violação dos direitos humanos. Tal coincide com a própria definição adoptada pelo Conselho de Europa e pelas Nações Unidas. Independentemente da diversidade conceptual existente neste domínio, o conceito integra vários tipos de mau trato, designadamente o abuso físico, psicológico, material e financeiro, e a negligência - activa e passiva. Todos igualmente preocupantes e reprováveis.
Os idosos inculcam atitudes de culpa, de baixa auto-estima, de isolamento social, entram em depressão, reforçam as suas dependências e sofrem do estigma social que se começa a gerar à sua volta.
Os maus-tratos às pessoas idosas também são, diria que são essencialmente, um problema de Direitos Humanos. O que deve chamar a nossa atenção para a violência do dia-a-dia, começando por explicar ao idoso que nada nem ninguém tem o direito de infligir na sua honra ou na sua pessoa qualquer tipo de destrato, ou sequer negligência, ou sequer menosprezo. E denunciando à comunidade, e, sendo caso disso, às autoridades competentes, situações deste tipo.
Um país mede-se pela sua atitude para com as crianças, mas é bom que não nos esqueçamos que se mede, igualmente, pela sua atitude para com os mais velhos.
A quem devemos, nada mais nada menos, que a vida. Ou seja, muito do somos. A seu tempo, trataram-nos com enlevo e dedicação. Hoje, chegou a nossa vez de retribuir. É o mínimo que podemos exigir a nós próprios. Um altruísmo que se converte num egoísmo quando lhes percebemos o sorriso, e mais, ainda, quando contribuímos para ele.