quarta-feira, 13 de outubro de 2010

"Fazer filhos": um problema "localizado" na Europa!

Muito interessante um dos últimos artigos do Le Figaro. A questão do declínio demográfico do Velho Continente. Pode dizer-se que, genericamente falando, quase todos os países da Europa registam um número insuficiente de nascimentos (à exceção da França) e todos eles realizaram a transição demográfica (passagem da natalidade natural para a natalidade pós-médica). Mas reconhece-se que, não obstante a Europa se apresente como uma realidade jurídica "personalizada", dificilmente o fenómeno se pode dizer homogéneo na universalidade dos 27. A questão da demografia, associada à taxa de natalidade, continua a ser uma questão especifica, com particularidades nos contextos nacionais, sobretudo por causa das diferenças culturais intrínsecas a cada país.
Vejamos o caso da Alemanha. Parece não se libertar do trauma nazi. Vejamos, igualmente, a Inglaterra. Ambas partulham uma cultura que impele as mulheres a tomar opções entre a maternidade e a profissão. Assume-se, para os alemães, por exemplo, que uma mãe que trabalha é uma má mãe.
Vejamos a Itália, a Espanha, a Polónia (e, dentro em pouco, a Irlanda), em que a cultura assente no catolicismo, e que antes se insurgia como um factor de acréscimo da natalidade, hoje é claramente, um travão à natalidade. Tudo porque as espanholas, as italianas e as polacas nem têm uma cultura católica tão fechada que as empurre para o casamento nem têm uma cultura católica tão aberta que lhes permita, sem estigmas, terem filhos fora do casamento. E menos casamentos aqui equivale a menos filhos.
Vejamos os países de Leste, que parece não terem ainda não ultrapassado o traumatismo pós-comunista.
Confirma-se, pois, que falar de uma taxa de fecundidade europeia não faz sentido.
Exceção feita à França, em que a taxa de fecundidade - de dois filhos por mulher - garante a substituição de gerações. Provavelmente porque a sua "transição" cultural se fez, primeiro, com a Revolução Francesa e depois com a revolução cultural de Maio de 68. Diz-se, mesmo, que as francesas estão vacinadas contra a “desnatalidade”. Curiosamente não porque se casem mais do que as italianas mas porque, face ao seu pouco enraizamento cultural católico, o facto de não casarem não as impede de ter filhos e, daí que, a maioria dos bebés franceses nasça fora do casamento. Acontece que, ao contrário das alemãs, as francesas não se vêem perante a opção forçada de uma escolha entre maternidade e profissão, já que não lhes advém qualquer estigma de manterem uma a par da outra. E, acresce, que ter filhos até parece estar na moda.
Em resultado, em França, registam-se, por ano, entre 825 mil e 850 mil nascimentos (enquanto temos 650 mil na Alemanha, com maior população). Ou seja, a França beneficia de um crescimento natural (fora da imigração) de 300 mil crianças por ano, o que representa 60% do crescimento europeu. Daqui a 20 anos, quando a geração de Maio de 1968 morrer, haverá 800 mil mortes anuais, mas, mantendo-se a natalidade, esse número será equilibrado pelos nascimentos. Entretanto, daqui a menos de 15 anos, a França ficará com uma população maior e mais jovem do que a Alemanha e recuperado a posição demográfica que tinha na Europa antes da Revolução.
Daqui que o caso de França é, uma exceção, pelo que não pode ser submersa na descrição do colapso coletivo europeu, para mais que até é reveladora, entre os franceses, uma moral mais elevada do que se diz. Falar de uma taxa de fecundidade europeia de 1,6 filhos por mulher não faz qualquer sentido, quando a fecundidade varia entre 1,3 (Itália) e 2 (França).
A crise demográfica é um fenómeno nacional, salva pela cultura em casos pontuais como o da França.
Em Portugal, todos os dias ouvimos falar do colapso do sistema de segurança social, porque não estar assegurada a sucessão intergeracional, mas não se vêm a ser tomadas quaisquer medidas - descontando as que já vieram e as que já foram - que constituam incentivos ao aumento da taxa de natalidade. E os próximos tempos sao de crise. Em suma, fazer filhos em Portugal, não parece recomendável, e, por acaso, até parece uma "decisão" de elevado risco face à contenção. Portanto, não se vislumbram soluções, nem a curto nem a médio prazo, para o problema. E, numa casa portuguesa, com certeza, em que tudo vai escassear, os bébés também parecem estar em vias de extinção (ou, num cenário menos negro, de retracção).