O Conselho Superior de Magistratura revogou provimento de Juiz Presidente de Tribunal - Numa atitude inédita, o Conselho Superior da Magistratura revogou um provimento dado por Juíza-Presidente de Tribunal Judicial, por meio de deliberação - que, in casu, foi tomada na sessão ordinária do Conselho Permanente de 10 de Dezembro de 2013 - agora divulgada no meio judicial: a) O art. 28/1 da Portaria n.° 280/2013, de 26.08, ao dispor que não devem ser juntos ao processo físico as "peças autos e termos do processo que não sejam relevantes para a decisão material da causa", tem em vista apenas os suportes em papel de tais actos e não os duplicados e cópias deles; b) Consequentemente, revogar o Provimento n.°11/2013, de 13.09, proferido pela Exma. Sra. Juiz de Direito Presidente do Tribunal (...)»
Comentário: Recordam-se, a propósito, as funções do Conselho Superior da Magistratura: «1. A nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar competem ao Conselho Superior da Magistratura, nos termos da lei. 2. A nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como o exercício da acção disciplinar, competem ao respectivo conselho superior, nos termos da lei.» - artigo 217º, nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa; Constitui entendimento pacífico que o Conselho Superior da Magistratura é o órgão do Estado a quem estão constitucionalmente atribuídas as competências de nomeação, colocação, transferência e promoção dos Juízes dos Tribunais Judiciais e o exercício da acção disciplinar, sendo, simultaneamente, um órgão de salvaguarda institucional dos Juízes e da sua independência.
Na fundamentação da proposta de deliberação, aprovada, consta que «Não estando em causa actos jurisdicionais, mas administrativos, a legalidade dos provimentos proferidos pelos juízes presidentes deve ser sindicada pelo Conselho Superior da Magistratura, enquanto órgão superior do Estado que desenvolve as funções administrativas de gestão e disciplina da magistratura judicial.»
Porém, ao revogar um provimento lavrado no âmbito das competências administrativas e funcionais próprias de juiz presidente do tribunal da primeira instância, o C.S.M. não terá praticado um acto de gestão da magistratura judicial (como seria o caso, por exemplo, da alteração das regras de distribuição de processos, a introdução da especialização em Secções ou a reafectação de Juízes no âmbito da Comarca).
Por seu turno, o provimento insere-se no vasto campo de competências administrativas e funcionais próprias de juiz presidente de tribunal de comarca (art. 88º da L.O.T.J.): «1 - Sem prejuízo da autonomia do Ministério Público e do poder de delegação, o presidente do tribunal de comarca possui competências de representação e direcção, de gestão processual, administrativas e funcionais. 2 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências de representação e direcção: a) Representar e dirigir o tribunal; b) Acompanhar a realização dos objectivos fixados para os serviços do tribunal por parte dos funcionários; c) Promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados do tribunal, com a participação dos juízes e funcionários; d) Adoptar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça; e) Ser ouvido pelo Conselho Superior da Magistratura, sempre que seja ponderada a realização de sindicâncias relativamente aos juízos da comarca; f) Ser ouvido pelo Conselho dos Oficiais de Justiça, sempre que seja ponderada a realização de inspecções extraordinárias quanto aos oficiais de justiça da comarca ou de sindicâncias relativamente às secretarias da comarca; g) Elaborar, para apresentação ao Conselho Superior da Magistratura, um relatório semestral sobre o estado dos serviços e a qualidade da resposta, dando conhecimento do mesmo à Procuradoria-Geral da República e à Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ). 3 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências funcionais: a) Dar posse aos juízes e funcionários; b) Elaborar os mapas e turnos de férias dos juízes e submetê-los a aprovação do Conselho Superior da Magistratura; c) Autorizar o gozo de férias dos funcionários e aprovar os respectivos mapas anuais; d) Exercer a acção disciplinar sobre os funcionários em serviço no tribunal, relativamente a pena de gravidade inferior à de multa, e, nos restantes casos, instaurar processo disciplinar, se a infracção ocorrer no respectivo tribunal; e) Nomear um juiz substituto, em caso de impedimento do substituto legal, nos termos do disposto no artigo 76.º. 4 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências de gestão processual: a) Implementar métodos de trabalho e objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições nessa matéria por parte do Conselho Superior da Magistratura, designadamente na fixação dos indicadores do volume processual adequado; b) Acompanhar e avaliar a actividade do tribunal, nomeadamente a qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos; c) Acompanhar o movimento processual do tribunal, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando o Conselho Superior da Magistratura e propondo as medidas que se justifiquem; d) Promover a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais; e) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a especialização de secções nos juízos; f) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a reafectação dos juízes no âmbito da comarca, tendo em vista uma distribuição racional e eficiente do serviço; g) Proceder à reafectação de funcionários dentro da respectiva comarca e nos limites legalmente definidos; h) Solicitar o suprimento de necessidades de resposta adicional, nomeadamente através do recurso ao quadro complementar de juízes. 5 - A competência prevista no número anterior quanto às matérias referidas na alínea d) não prejudica o disposto em legislação específica quanto à adopção de mecanismos de agilização processual pelo presidente ou pelo juiz. 6 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências administrativas: a) Elaborar o projecto de orçamento, ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador, que fará sugestões sempre que entender necessário; b) Elaborar os planos anuais e plurianuais de actividades e relatórios de actividades; c) Elaborar os regulamentos internos do tribunal de comarca e dos respectivos juízos; d) Propor as alterações orçamentais consideradas adequadas; e) Participar na concepção e execução das medidas de organização e modernização dos tribunais; f) Planear as necessidades de recursos humanos;»
Por seu turno, o artigo 203º da Constituição da República Portuguesa garante que «Os Tribunais são independentes e estão apenas sujeitos à lei.»
Trata-se de uma garantia judiciária fundamental dos cidadãos. Inultrapassável.
As discussões inseridas no processo legislativo da nova organização judiciária chegaram a suscitar fundados receios de potenciais violações dessa garantia, emergentes das novas atribuições e competências, designadamente, dos juízes presidentes das comarcas, tendo acabado por produzir algumas alterações no projecto legislativo original.
É preciso saber interpretar e respeitar o alcance dessa garantia - própria de um Estado de Direito - e o Conselho Superior da Magistratura tem um papel institucional fundamental na salvaguarda da mesma, respeitando e fazendo respeitar a independência dos Tribunais. Ser e parecer - também neste âmbito - é importante.
Qualquer violação dessa independência tem custos potenciais elevados e dificilmente reparáveis para o Estado de Direito." (Jorge M. Langweg)