domingo, 6 de setembro de 2009

O Conselho de Corrupção e o Código dos Contratos Públicos

Um texto publicado no O Correio da Manhã de 4 de Setembro serve de mote a esta reflexão.
"A aplicação da lei em Portugal é rápida e inexorável para os pobres, modificando-se sensivelmente quando se trata de burgueses abastados; e completamente, a ponto de não exercer o seu predomínio (...) quando se dirige a pessoas de elevada condição.”, frase de Maria Rattazzi que traçava a justiça do nosso país em finais do século XIX, e que Euclides Dâmaso, director do DIAP/Coimbra, rebuscou para descrever o quadro actual.
Por outro lado, Maria José Morgado diz que se precisa de ferramentas de trabalho, de informatização a sério, de bases de dados que não têm e realça a necessidade de se criar um tribunal especializado para o combate ao crime económico. Foca precisamnete como área de risco "A aquisição de bens e serviço para a administração central e local, as obras públicas, a concessão sem concurso público, as decisões sobre gestão do território e do ambiente”.
O mesmo artigo cita nomes de políticos a braços ou nos braços da justiça, como VALENTIM LOUREIRO, FERREIRA TORRES, FÁTIMA FELGUEIRAS, menciona os € 34 MILHÕES já recuperados em impostos pela ‘Operação Furacão’, as 3185 DENÚNCIAS DE CRIME ECONÓMICO recebidas, os 426 INQUÉRITOS DE CORRUPÇÃO levantados e o Éden das OFFSHORES.
Esta parece-me uma visão clara do problema.
João Cravinho já a tinha e a recompensa pelo esforço foi ... Bruxelas.
Fui inspectora da Inspecção-Geral de Finanças, subinspectora das Obras Públicas, auditora do Tribunal de Contas e sei que esta é uma realidade muito incómoda. Eu própria, não sendo um Cravinho, mas quando muito apenas uma cravina, já me vi metida em alhadas e comportei-me, qual virgem num bordel!, o que me custou ... demais.
Daí que conhecendo o "meio" fique estupefacta com a solução encontrada, que não vai ao encontro da visão realista dos especialistas "do terreno" citados, mas mais parece satisfazer visões idealistas e irreais.
Dou com a notícia de que o Conselho de Prevenção da Corrupção, que funciona junto do Tribunal de Contas, para avaliar o estado actual da luta contra a corrupção, "pediu" a meio milhar de gestores públicos que, em 30 dias - a contar de Março, data da deliberação - respondam a um inquérito sobre prevenção da corrupção, que os responsabilizará no futuro por eventuais ilícitos, disse o secretário-geral do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), José Tavares, por inerência do cargo de Director-Geral, aliás também Juiz Conselheiro do mesmo Tribunal.
"O CPC aprovou uma deliberação estrutural que reconhece e recomenda que todos os gestores de dinheiros e de património públicos devem analisar as suas organizações, identificar os eventuais riscos de corrupção e prever medidas que possam reduzir ou eliminar a sua ocorrência», afirmou. Igualmente, como o fez Maria José Morgado, definiu como uma das «áreas» de maior risco de corrupção - a contratação pública.
Acompanhei a elaboração do novo Código dos Contratos Públicos, acompanho a sua implantação, como formadora e consultora, e pergunto-me: se esta foi sempre uma área de risco, porque se constata que esta é uma peça técnica altamente permissiva para o alastramento do dito fenómeno?
Não foi o Tribunal de Contas consultado, na fase de discussão pública, sobre os textos prévios?
Sendo o Código elaborado por um/dois dos maiores gabinetes de advogados de Direito Público, usualmente do outro lado da bancada, porque não se muniu e não difundiu o Governo os textos preparatórios, que materializam a mens legis? Ou melhor, reformulando, existem? Por certo o Estado não ignora que, existindo uma divergência um litígio entre si e o adjudicatário/fornecedor/empreiteiro, são estes os Golias que enfrentarão os seus representantes: os david's. Espera milagres?
Mas voltando ao que parece ser algo simples para o Conselho e para o Tribunal assalta-me a curiosidade: passados 30 x ... 30 dias, qual é o resultado de tão arrojada ideia: perguntar aos gestores se há, onde há, e o que estão a fazer para que deixe de haver corrupção. Quantos responderam? Como responderam? E o que se propõe fazer o Conselho? Desatar a enviar milícias (para além dos espiões do SIS/SIED que pretendem fazer rigorosamente o mesmo), técnicos/auditores+agentes infiltrados?
Voltemos ao caso.
Passados meses, os resultados - a existirem - estão no segredo dos Deuses, para que nós, comuns dos mortais, não caiamos na tentação de olhar para Deus e, como Moisés, acabarmos cegos, ou olharmos para trás, como a mulher de Jó!
Que a Maria José tinha razão, sim! Tribunais especializados!
Criarem-se Conselhos de isto e daquilo, sendo jovem a Democracia, já se provou que de pouco serve, se é que serve para coisa alguma! Vá-se lá exigir que um exército de iluminados desvende, através de confissões voluntárias, quem usa colarinho branco neste país! Se é naif não sei, mas seguramente, perdoeem-me, é ingénuo! E até estou inclinada a comparar tudo isto com Daniel na cova dos leões!
Felizmente que Guilherme Oliveira Martins é O Homem Culto daquelas paragens e bem conhece tais "passagens biblicas". Oxalá saiba dar ao Conselho um conselho: o povo está de olho em vós, não o decepcionem! Que ateus já temos que baste! E isto é um caso de Deus e só acabará bem se houver um milagre!