domingo, 2 de março de 2014

Lima de Freitas - A ilustração do "Porto de Graal"


A propósito da ilustração do livro de Mestre Lima de Freitas, Porto do Graal, que aqui deixo, permitam-me deixar algumas anotações pessoais.
Como se sabe o Mestre era um profundo conhecedor da simbologia profunda deste tema.
Assim, a taça (emblema do feminino) contém o dragão cuja força faz antever o mistério de um casamento mágico, ritual, do feminino e do masculino e dos opostos.
O vaso ou a taça representariam o LAPIS PHILOSOPHORUM, a Pedra filosofal. Algo que contém e é contido, algo que tendo muitos ou todos os nomes, não tem nenhum ... A equivalência entre o vaso e a Pedra surge de modo especial na lenda contada por Eschenbach, no seu PARSIVAL: "Num pano de seda verde ela trazia a perfeição do paraíso, ao mesmo tempo raiz e ramo. Era uma coisa chamada o Graal ultrapassando toda a perfeição terrestre." E ainda: " Eles (os cavaleiros do Graal) vivem por meio de uma pedra da mais bela qualidade. Se não a conheceis, direi aqui o seu nome. Lapsit exillis (sic) é o seu nome."
Das obras que melhor estudam estes rituais destaco as de Jessie l. Weston, From Ritual To Romance (1920) e The Quest Of The Holy Grail (1913).
Lima de Fretas parte do mito e da sua vocação graálica e mística: "Irrompendo do inconsciente dos povos, os mitos são as 'notícias' que nos chegam dos arquétipos inexprimíveis". (Lima de Freitas)
A sua princesa do Graal é a personificação do feminino, da natureza-mãe, que oferece a vida e o bem estar ao cavaleiro a quem entrega a taça [e que, simbolicamente, pode ser em si mesma, também, o feminino]. A Anima de que o herói adquire consciência e, assim se redime, a alusão à terra "gasta" e que falece à sua volta. A terra voltará a verdejar, o que justifica a presença do dragão adentro da taça. 
O Mestre LF pode ter-se inspirado no espírito místico de Fantin-Latour (Preludio de Lohengrin, óleo de 1892), ou em Dante Gabriel Rossetti (A Virgem do Santo Graal, 1857), confirmando aquela irrefutável verdade da eternidade do mito, da sua continuidade e permanência. Cada artista, seja de que Arte for, empresta à sua própria obra a interpretação que os seus sentidos dele fazem. Ao contrário da obra de Rossetti, pobre em vibração, a princesa desta obra ergue, como que em veneração, uma taça, representando algo que a transcende, um casamento do ceú e da terra [assim o representavam os mais antigos papiros do Egipto].
"Irrompendo do inconsciente dos povos, os mitos são as ‘notícias’ que nos chegam dos arquétipos inexprimíveis (...)." dizia Lima de Freitas
O quadro, marcado pelo forte simbolismo do que entendia ser "a riqueza ocultada da tradição mítico-espiritual portuguesa" recorda-me a lenda oriental que profetiza que "o cálice sagrado (o Graal que já teria estado em Portugal) será encontrado quando se aproximarem os tempos de Shamballah", o lendário reino do Prestes João da Tradição Lusiada, os Reinos Internos da Terra ou Agharta, o V.I.T.R.I.O.L. dos Rosacruzes e da Maçonaria, o Lugar Sagrado onde Melquisedeque dirige os "destinos do Mundo".
A sua obra revela a “riqueza ocultada da tradição mítico-espiritual portuguesa”, muito semelhante à que Fernando Pessoa já tinha vislumbrado e transmitido na “Mensagem”: “Cumpriram-se os Mares, o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!”.
Portugal, este pequeno país lusitano (de Lux-Citânia, lugar de Luz), à Beira-Mar plantado cujo papel incumprido o saudoso Prof. Agostinho da Silva idealizava como o “Menino Jesus das Nações”.
Aqui fica um poema do poeta português Augusto Ferreira Gomes (amigo de Fernando Pessoa) que ilustra bem quer o pensamento de Pessoa quer a mensagem subliminar do Mestre LF: “Ao nocturno passado - fé crescente - erguendo olhos em sombras abismados, e fechando-os de novo marejados pelo sinal da névoa ainda ausente, todos sentem que a alma, em vão dormente, cisma com horizontes dilatados; e vivem a verdade de esperados domínios. E assim, abstractamente, se constrói um Império ao pé do Mar, - sentido universal de um só altar - fundindo-se no céu imenso e aberto... Gentes! Esperai que Deus, com sua mão, desfaça para sempre a cerração que envolve há tanto tempo o Encoberto... Quando dado o sinal, o Império for e quando o Ocidente ressurgir, no momento marcado hão de tinir pelos ares as trombetas do Senhor. E haverá pelos céus, só paz e amor. Um só Cálix de Ouro há de fulgir, uma só cruz na Terra há de existir, sem inspirar receio nem temor... Será a hora estranha da Verdade. E morta a pompa do pagão sentido, surgirá, então a Outra Idade. Acabará este viver incerto. Será o Império único e unido Quando der sinal o Encoberto!"
E seria então, na perspectiva de Lima de Freitas, pautada na sua obra, de que este quadro é apenas um exemplo, e, também, na visão de Pessoa, que o "V Império" haveria de surgir na Terra, sob o Alvorecer duma Nova Era! AM