«... Como seres humanos em desenvolvimento e em crescimento, as crianças são - naturalmente - vulneráveis e manipuláveis, estão dependentes da vontade e das ideias de quem por elas é responsável. Cabe - portanto - a quem tem essa responsabilidade saber exercê-la de um modo adulto, saudável, legal, e - de preferência - moralmente aceitável.
A realidade não é - todavia - esta. Os casos em que crianças inocentes são utilizadas como armas varia e é - até um certo ponto - mais ou menos aceite e tolerada pela hipocrisia social ou pela indiferença que orienta muitos dos comportamentos em sociedades onde as solidariedades orgânicas de outrora já pouco ou nada funcionam. Assim sendo, temos situações extremas de recrutamento de crianças para as fileiras de movimentos de guerra e de guerrilha, para movimentos terroristas e fundamentalistas religiosos, sendo estas crianças privadas de qualquer esperança num futuro enquadrado e numa vida de paz e de desenvolvimento harmonioso. Temos - depois - as crianças que são empregues como escudos humanos em situações de conflito aberto e que são submetidas a riscos de vida diários e constantes, sendo estas privadas de uma visão equilibrada e pacífica do mundo, o qual passam a ver como um local de permanente conflito e de guerra, um local atreito a ódios e a guerras motivados pela origem racial e pelo conflito étnico. Temos - ainda - as crianças abusadas sexualmente e obrigadas a iniciar uma vida sexual demasiado cedo ou como relação de dependência de um/a abusador/a, sendo estas amputadas muito cedo do direito e da possibilidade de viverem mais tarde uma vida sexual plena, de acordo com as escolhas que a sua natureza e o seu desenvolvimento físico, emocional, e psicológico lhes deveria possibilitar. Temos - em quarto lugar - as crianças que são vítimas de situações de divórcios e que são utilizadas por um dos progenitores, ou por ambos, para a obtenção de vantagens pecuniárias, para chantagens de circunstância ou para arremesso de frustrações de adultos incapazes, sendo estas igualmente privadas de um desenvolvimento saudável e de uma visão de família e de laços e de relações sociais escorreitas e saudáveis. E temos - finalmente - as crianças que são manipuladas e manipuláveis pelos pais, seja para estarem à chuva e ao frio num protesto - seguramente legítimo - pelo fecho de uma escola, seja para estarem no treino de um qualquer clube de futebol, ou numa qualquer audição para um anúncio de TV do momento, ou para uma telenovela da moda.
Em qualquer um destes casos, uma coisa é certa: as crianças são as vítimas e os adultos os cobardes. Dizer o contrário, tentar fazer acreditar que qualquer uma destas situações é tolerável deve ser - a todos os títulos - social e moralmente condenável.» Paulo Pereira de Almeida, DN