No seu “discurso da União”, proferido no Parlamento Europeu, a 28 de setembro, o Presidente da Comissão Europeia quis defender a sua instituição e apresentar propostas concretas para sair da crise. Mas a imprensa europeia não tem ilusões quanto às verdadeiras margens de manobra.
“O regresso de Durão Barroso! “, ironiza o Mediapart. “A Comissão Europeia deu sinal de vida, quarta-feira, em Estrasburgo. O desaparecimento de Durão Barroso foi notícia que correu durante meses num ambiente de turbulência financeira sem precedentes na zona euro.
“Para provar aos céticos que está mais vivo do que nunca, Durão Barroso utilizou duas propostas emblemáticas com vista a acalmar os mercados financeiros: desde logo, uma taxa sobre as transações financeiras à escala europeia. Depois, euro-obrigações para a zona euro.” Mas o site parisiense mostra-se cético, visto que “a única proposta que o mesmo Durão Barroso pôs em cima da mesa, o ano passado, pela mesma ocasião (luz verde para um endividamento europeu destinado a financiar determinados projetos de investimento) nunca se concretizou”. “Se o português se esforça para se impor nas questões de regulação financeira, no ponto máximo da crise, é porque passou uma boa parte do seu primeiro mandato (2004-2009) a desemaranhar a pouca regulação ainda oficial sobre os mercados. (...) Como é possível que, hoje, possa afirmar que tem meios para os mercados retomarem o seu lugar?
Para o Público, em Lisboa, o discurso de Durão Barroso teve “um propósito político central: rejeitar a proposta franco-alemã para um governo económico da zona euro, apresentada pela chanceler Angela Merkel e pelo presidente Nicolas Sarkozy no seu encontro de 16 de Agosto passado”.
“Ontem, Barroso respondeu-lhes que o ‘governo económico’ só pode ser a Comissão. Fê-lo perante a única instituição europeia com que pode contar para esse fim — o Parlamento Europeu. Fica do seu discurso um certo sabor a admissão de fraqueza. A Comissão, a que preside, quase desapareceu em combate na voragem da crise europeia. Foi sistematicamente marginalizada pela vontade da dupla franco-alemã. Assistiu impotente à transferência do poder para Berlim. E se houve um protagonista no combate efectivo aos efeitos devastadores desta crise ele foi o Banco Central Europeu. Dir-se-á que esta é uma tendência inevitável nas novas circunstâncias da integração europeia que a crise da dívida se limitou a acelerar.”
Seja como for, temos de reconhecer que a Comissão Europeia reagiu, nota o El País, que adianta, sobre a intervenção de Durão Barroso no Parlamento Europeu, ter sido “um pequeno exemplo de realismo no marasmo de incapacidades e retóricas inúteis que, ultimamente, caracteriza a gestão da crise na zona euro”.
Entre as propostas do Presidente da Comissão Europeia, o Público retém essencialmente o valor de 0,01%: o montante da “taxa Tobin” que Bruxelas “tenciona cobrar sobre as transações interbancárias a partir de 2014: “É um número que evidencia a timidez da iniciativa, comparado com os 4 milhões e 600 mil euros que os cidadãos europeus injetaram no sistema financeiro no início da crise. E é preciso saber se esta medida é exequível, pois a paquidérmica máquina financeira da UE exige que qualquer alteração em matéria de fiscalidade europeia seja aprovada por unanimidade pelos Estados-membros — e o governo britânico já manifestou a sua oposição a esta medida.
Por muito que lhe custe, não era o Presidente da Comissão Europeia que devia ter feito o “discurso do Estado da União”, mas Angela Merkel, afirma o editorialista Marek Magierowski, no Rczespospolita: “não é ele que mexe os cordelinhos e não é ele que carrega o fardo de um eventual desmoronamento da zona euro […], a UE é governada pela chanceler alemã e toda a gente tem os olhos postos nela. [...] O discurso foi frequentemente interrompido por ovações dos eurodeputados e os líderes dos partidos conservadores partilharam desse entusiasmo. Toda a gente desempenhou admiravelmente o seu papel no teatro de UE. Mas a vida está lá fora.”
Em contrapartida, a demonstração de força do Presidente da Comissão Europeia convenceu Maroun Labaki, do Soir. “Durão Barroso é um político muito hábil. Um pouco de tática, uns efeitos de magia e muita convicção: o Presidente da Comissão Europeia proferiu um grande ‘discurso sobre o estado da UE’, muito político. […] Podemos dizer que, ontem, nasceu um ‘apoio’ entre a Comissão e o Parlamento Europeu. Esta aproximação será feita de facto à custa das capitais e do Conselho Europeu no seu todo. Os chefes de Estado e de Governo têm mesmo com que se preocupar...” (Presseurope)