domingo, 7 de agosto de 2011

A CONSPIRADORA - A não perder!

Em cinema, de que se faz, afinal, a história? Em A Conspiradora, a sua oitava longa-metragem como realizador, Robert Redford relança essas questões a partir da figura, emblemática entre todas, que é Abraham Lincoln (1809-1865) — obviamente não por acaso, uma personagem com importante presença dramática e simbólica na história de Hollywood. É um filme que abre com o assassinato de Lincoln, já que o seu tema nuclear é o pós-Lincoln. Mais exactamente: centra-se no destino de Mary Surratt (Robin Wright), acusada de participar na conspiração para matar aquele que foi o 16º Presidente dos EUA. A odisseia de Surratt envolve uma perturbante carga simbólica (e creio que é importante não divulgar aquilo que lhe acontece nos textos que se possam escrever sobre A Conspiradora: afinal de contas, ela será bem conhecida da maioria dos espectadores americanos, mas ignorada de quase todos os outros). Por três razões fundamentais: 1) - a sua condição de mulher confere-lhe um protagonismo "marginal" no contexto social e político em que os acontecimentos decorrem; 2) - o fim da Guerra Civil (o general Robert E. Lee, das forças sulistas, rendeu-se cinco dias antes de John Wilkes Booth ter disparado contra Lincoln) gerava uma conjuntura fortemente marcada pela pesada herança da escravatura; 3) - enfim, a defesa de Surratt coloca em jogo toda uma série de elementos perturbantes, impensados ou recalcados, sobre o direito de cada ser humano a defender-se e ser defendido à face da lei. Daí a extrema importância, ao mesmo tempo dramática e simbólica, da personagem de Frederick Aiken (James McAvoy), o jovem advogado de defesa de Surratt. Ele é, afinal, o pivot de uma muito clássica lógica liberal de encenação. Liberal, entenda-se, no sentido que liga a palavra à tradição política de Hollywood, tão exemplarmente assumida por Sydney Pollack (1934-2008), grande amigo de Redford e seu director em alguns filmes emblemáticos dessa tradição, incluindo O Nosso Amor de Ontem (1973), Os Três Dias do Condor (1975) e O Cowboy Eléctrico (1979). Trata-se, assim, de questionar qual o lugar do indivíduo no interior de um dispositivo gerido pela realidade, e também pela mitologia, do colectivo — nessa perspectiva, Aiken é um duplo antecipado do cineasta: por ele passam as perguntas apaixonadas, mas contundentes, dirigidas a uma América à procura da sua própria identidade. Vi pela segunda vez e gostei. Lição idêntica à da do Super 8 de ontem: as mulheres têm muita força e a amizade - e o amor - podem tudo!