domingo, 14 de agosto de 2011

"Um Muro entre gerações"


Um Muro entre gerações, 12 agosto 2011, DIE ZEIT HAMBURGO. Brilhante artigo a recordar que foi há 50 anos que o Muro de Berlim se ergueu. E que foi, há mais de 20 anos, derrubado. Mas o "não dito" perdura nas famílias, criando outros muros.
Johannes Staemmler é o jornalista que suscita a questão, com base em testemunhos pessoais. E esclarece que as memórias da construção e da queda do muro não saem com naturalidade, que são "rodadas". O discurso "começa com uma descrição do Unrechtsstaat [expressão dada na RDA, literalmente: Estado de não-Direito] para alcançar a reunificação passando pela revolução pacífica. Mas esta versão coletiva cai num impasse em relação a um capítulo essencial: a terceira e última geração de alemães de Leste. " Os jovens alemães de Leste tinham 8-10 anos quando o muro caiu. Mas o muro perdura "dentro de nós". Têm "lembranças vagas das primeiras tardes nos "Pioneiros" [movimento de enquadramento da juventude comunista]. Os cravos que, com uma confiança cega nos pais e nos professores,..." levavam "para o aniversário do partido. Da sua tristeza quando os pais viam recusada a autorização de saída do território. Hoje como ontem, a vergonha e o orgulho andam de braço dado. Mas isto não é tudo. Também sentimos nas famílias, ainda hoje, a presença do muro, mesmo passados 20 anos sobre a sua demolição. Está erguido entre pais e filhos, impondo uma certa forma de memória e uma triagem das lembranças."
"De repente, os projetos dos nossos pais não contavam para nada. De repente, era como se tudo o que tinham vivido fosse artificial. De repente, os nossos pais tornaram-se frágeis. Descobriram à sua custa que nem o Partido Cristão-Democrata, nem os militantes cumpriam as promessas feitas. Pouco interessava que fossem filhos de operários, de pastores, ou de militantes do partido. Ninguém tinha referências, andava toda a gente à deriva. Este sentimento de confusão que reinava nas famílias e na sociedade em geral unia-nos, a nós, a terceira geração de alemães de Leste. Os nossos avós tinham conhecido a guerra. Desempenharam um papel fundamental na construção da RDA e do novo modo de vida. Os nossos pais nasceram na década de 1950 e 1960 e não conheceram outro país para além deste."
"Entre 1975 e 1985, a RDA viu nascer perto de 2 milhões e 400 mil crianças. São a terceira geração de um país que já não existe. Também não sabíamos nada sobre o novo regime, mas éramos novos e não tínhamos nada a perder. Percebemos melhor as possibilidades que os perigos. Explicámos um pouco o mundo aos nossos pais."
"O profundo sentimento de perplexidade que reinava na época fez nascer uma memória seletiva sobre tudo o que dizia respeito à RDA. Os nossos pais refugiaram-se em lembranças estereotipadas. Falam pouco, limitando-se geralmente a contar o que já não os envergonha hoje. Não querem pôr em perigo a sua nova identidade. Quando recordam a vida que tiveram, dão uma versão cheia de lacunas e refinada. Falam das coletividades onde todos trabalharam. Ou das "manifestações das segundas" e das viagens organizadas. Mas nós, os mais novos, deixamos passar. Até hoje, não lhes fizemos perguntas. Ficamos calados."
"Ficamos calados porque não queremos complicar ainda mais o mundo deles. Estávamos lá quando compraram o primeiro carro, quando fizeram as primeiras viagens ao ocidente, quando perderam o emprego, quando se refugiaram nas suas hortas.
Também não dissemos nada durante o debate público na RDA e no período pós-revolucionário. Éramos muito jovens na altura e não servíamos para participar num debate que apresentava interpretações unilaterais da História. E, para além disso, alguém tinha vontade de dizer publicamente que era do Leste? Estamos integrados, somos ambiciosos, cheios de projetos e, muitas vezes, mais capitalistas do que muitos alemães ocidentais. Preferimos esquecer as nossas origens do que torná-las objeto de debate.
Esta paz, este silêncio teve um preço. Não fazemos perguntas aos nossos pais. Como era viver num Estado totalitário? Como foi possível durar tanto tempo? Como reagiram quando vos disseram que tinham de ir para a tropa quando queriam estudar? Onde está o vosso processo da Stasi, para eu poder ler? Estas perguntas têm de ser feitas para se poder iniciar um novo debate, mais diversificado e mais contraditório do que o anterior.
Queremos outras alternativas, para além de um Unrechtsstaat ou de uma nostalgia insignificante do Leste. Ao acabarmos com o não dito, seremos capazes de derrubar, de uma vez por todas, o muro erguido no seio das famílias."