Um artigo do Diário Económico merece algumas reflexões.
Cumpriu a Hércules realizar doze trabalhos sob o comando de Euristeu, Rei de Argos de Micenas. Cumprem agora a Vitor Gaspar e a Santos Pereira realizar os dez desafios da equipa económica do Governo sob o comando de Pedro Passos Coelho.
Duas observações parecem pertinentes. Pelo menos duas. À primeira vista. Concidentemente com os dois trabalhos que faltam na lista dos actuais Ministros das Finanças e Economia.
Vejamos a lista de trabalhos adjudicados a Vitor Gaspar e a Santos Pereira.
Um, terão de aplicar o plano da ‘troika'. E convém que o façam cabal e escrupolosamente, senão, o financiamento que nos promete salvar da bancarrota pode ficar onde está e tudo isto, incluindo a demissão do Governo socialista ter sido em vão, ou talvez não, já que prometeu a reviravolta política desejada pela então Oposição e hoje Governo.
Dois, terão de enfrentar a contestação social que se espera com manifestações de estudantes e talvez qualquer coisita mais e, ainda, de mobilizar o país, fazendo-o compreender porquê tanta austeridade, sobretudo quando vêm a público mais disparates – a um feriado sejamos soft - sem qualquer justificação legal, como a atribuição a juízes falecidos de subsídios de compensação, a passagem de receitas por médicos falecidos ou a atribuição de seguros a familiares de funcionários (tudo isto pesado vamos em milhões de euros). Há pois que punir exemplarmente os responsáveis, a que acrescem as medidas já esperadas como o corte de pensões, o congelamento de salários na Função Pública, a subida de impostos e a redução de verbas para muitas empresas e organismos públicos.
Três, terão de encontrar soluções para os desvios, já que a meio do caminho as medidas correctivas são previsíveis e inevitáveis. Criatividade e jogo de cintura obrigarão a um plano B ou C ou mesmo D.
Quarto, terão de acompanhar as avaliações trimestrais efectuadas pelo FMI, pela Comissão Europeia e pelo BCE, de modo a garantir que o País tenha uma boa nota, valorizando os bons resultados que tenham sido obtidos.
Quinto, terão de acalmar os mercados e falar para fora, gerindo a comunicação de forma a não fragilizar a imagem do país perante outros eventuais investidores.
Sexto, terão de estimular a economia. Pelas contas do FMI já fez as contas: este ano a economia portuguesa vai recuar 1,8% e em 2012 o recuo será de 2%. É o resultado das medidas de contenção para garantir a redução do défice e da dívida pública. Mas importa ainda que, no meio de tanta depressão, se reinvente uma forma de estimular a economia.
Sétimo, terão de vender em baixa, incluindo, antevê-se, que privatize em força numa das piores alturas para avançar com processos de privatização. Ou seja: vender depressa e bem. E diz o povo que assim não o faz ninguém.
Oitavo, terão de reduzir a TSU, aquela que é, porventura, a medida mais que polémica da campanha eleitoral. Trata-se de um compromisso assumido para estimular a actividade das empresas e, em último, a economia. Álvaro Santos Pereira é acérrimo defensor da medida. Para compensar a quebra de receitas, caberá a Vítor Gaspar arranjar alternativas através dos impostos.
Nono, terão de alterar a lei laboral, flexibilizando-a, e de gerir o desemprego (que vai em 700 000). Um dos trabalhos mais penosos do actual Executivo e particularmente do super ministro da Economia.
Décimo, terão de liberalizar e acabar com as acções douradas, mais uma das imposições da ‘troika'. E assim desproteger os sectores que ainda se encontrem protegidos da concorrência, quer seja externa como interna.
Bem sei que faltam dois trabalhos para que Vitor Gaspar e Álvaro Santos Pereira se comparem a Hércules, mas ambos terão de confirmar ter a robustez e a firmeza deste para realizar estes dez e oxalá os ventos soprem a favor. Tudo leva a crer que, no actual contexto, o alívio de menos dois trabalhos forçados podem estar compensados pelo grau de dificuldade destes dez. Seguramente, reconheça-se, têm nestes uma enorme “carga de trabalhos”. Oxalá que Passos Coelho não tenha o feitio (ou defeito) de Euristeu.