Era ele que erguia casas e amontoava pedra ante pedra onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas ele subia pelas arestas que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia de sua grande missão: Não sabia, por exemplo, que a casa de um homem é um templo, um templo sem religião. Como tão-pouco sabia que a casa que ele fazia, sendo a sua liberdade era também a sua escravidão.
De facto, como podia um operário em construção compreender porque um tijolo e uma pedra valiam mais do que um pão? Tijolos e pedras ele empilhava com indiferença, pá, cimento e esquadria! Quanto ao pão, ele sofregamente, extenuado, ao fim do dia, o devorava e o comia! E assim o operário ia com suor e com cimento, pedra a pedra, erguendo uma casa aqui, adiante um apartamento, além uma igreja, à frente um quartel e uma prisão. Prisão de que não sofria não fosse ele tão-somente um simples operário em construção. Mas ele desconhecia esse facto extraordinário: que o operário faz a coisa e a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia à mesa, ao cortar a pedra, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo o que havia naquela casa - chão, parede, porta, janela - era gente como ele quem os fazia. Como ele, um humilde operário, apenas mais um operário em construção. Olhou em torno e viu que, para além de tudo aquilo, havia lá fora um bairro, uma rua, uma cidade, um país, uma nação! Tudo, tudo o que existia, era gente como ele quem os fazia. Como ele, um vulgar operário que sabia apenas exercer a sua profissão.
Ah, homens de livre pensamento, não sabereis nunca o quanto aquele mais normal operário soube naquele preciso momento. Naquela casa vazia, que ele mesmo levantara um mundo novo nascia de que ele nem sequer suspeitara. Então, o operário emocionado, olhou a sua própria mão, a sua rude mão de operário, de operário em construção. E olhando bem para ela, teve num segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro dessa compreensão, desse instante solitário, que, tal como a sua construção, cresceu também o operário. Cresceu em alto e profundo, em largo e no coração e, como tudo o que cresce, ele não cresceu em vão. Pois além do que sabia - Exercer a profissão – o operário adquiriu uma nova dimensão: A dimensão da poesia.
E um facto novo se viu que a todos admirava: O que o operário dizia, o outro operário escutava. E foi assim que o operário do edifício em construção que sempre dizia "sim" começou a dizer "não" e aprendeu a notar coisas a que não dava atenção. E o operário dizia, quando assim o entendia: Não! E o operário fez-se forte na sua resolução, na sua novíssima revolução! Como era de se esperar, as bocas da delação começaram a dizer coisas aos ouvidos dos senhores de preto que neles mandavam. Mas estes nem concebiam tal preocupação. - "Convençam-no" do contrário - Diziam ele sobre o operário. E ao dizerem isto sorriam.
No dia seguinte o operário, ao sair da construção viu-se de súbito cercado dos homens da delação e sofreu por destinado a sua primeira agressão. Teve o seu rosto cuspido e o seu braço quebrado, mas quando lhe foi perguntado o operário continuou a dizer: Não! Em vão sofrera o operário a sua primeira agressão, muitas outras seguiram, muitas outras se seguirão. Porém, por imprescindível ao edifício em construção, o seu trabalho prosseguia e todo o seu sofrimento se misturava com o peso das pedras e com a rudeza do cimento da construção.
Sentindo que a violência não dobraria o operário, um dia os senhores tentaram dobrá-lo de modo contrário, de sorte que o foram levando ao alto da construção, e num fugaz momento mostraram-lhe toda aquela imensa e rica região e apontando-a ao operário fizeram-lhe esta declaração: - Dar-te-emos todo este poder e satisfação. Porque a nós foi entregue e damo-la a quem quiser. Damos-te tempo de lazer e tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês será teu se nos obedeceres e ainda muito mais virá a ser teu, se abandonares o que te faz dizer não. Disseram isto e fitaram o cortador da pedra que olhava e reflectia, mas o que via o operário os outros não viam. O operário via casas e dentro das estruturas, via coisas, objectos, produtos, manufacturas. E em cada coisa que via misteriosamente havia a marca da sua mão. E o operário continuou a dizer: Não! - Loucura! – gritaram os senhores de preto - Não vês o que te damos? - Mentira! - disse o operário. Não podem dar-me o que já é meu.
E um grande silêncio fez-se dentro do seu coração. Um silêncio de martírios, um silêncio de prisão. Um silêncio povoado de pedidos de perdão, um silêncio apavorado com o medo em solidão. Um silêncio de torturas e gritos de maldição, um silêncio de fracturas que se arrastaram pelo chão. E o operário ouviu, uma e outra vez, a voz de todos os seus irmãos, os irmãos que morreram, por outros que viverão.
Uma esperança sincera cresceu então no seio da sua alma e adentro da tarde mansa agigantou-se a razão de um cortador de pedra pobre e esquecido: Razão porém que fizera do operário construído o operário em construção.
De facto, como podia um operário em construção compreender porque um tijolo e uma pedra valiam mais do que um pão? Tijolos e pedras ele empilhava com indiferença, pá, cimento e esquadria! Quanto ao pão, ele sofregamente, extenuado, ao fim do dia, o devorava e o comia! E assim o operário ia com suor e com cimento, pedra a pedra, erguendo uma casa aqui, adiante um apartamento, além uma igreja, à frente um quartel e uma prisão. Prisão de que não sofria não fosse ele tão-somente um simples operário em construção. Mas ele desconhecia esse facto extraordinário: que o operário faz a coisa e a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia à mesa, ao cortar a pedra, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo o que havia naquela casa - chão, parede, porta, janela - era gente como ele quem os fazia. Como ele, um humilde operário, apenas mais um operário em construção. Olhou em torno e viu que, para além de tudo aquilo, havia lá fora um bairro, uma rua, uma cidade, um país, uma nação! Tudo, tudo o que existia, era gente como ele quem os fazia. Como ele, um vulgar operário que sabia apenas exercer a sua profissão.
Ah, homens de livre pensamento, não sabereis nunca o quanto aquele mais normal operário soube naquele preciso momento. Naquela casa vazia, que ele mesmo levantara um mundo novo nascia de que ele nem sequer suspeitara. Então, o operário emocionado, olhou a sua própria mão, a sua rude mão de operário, de operário em construção. E olhando bem para ela, teve num segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro dessa compreensão, desse instante solitário, que, tal como a sua construção, cresceu também o operário. Cresceu em alto e profundo, em largo e no coração e, como tudo o que cresce, ele não cresceu em vão. Pois além do que sabia - Exercer a profissão – o operário adquiriu uma nova dimensão: A dimensão da poesia.
E um facto novo se viu que a todos admirava: O que o operário dizia, o outro operário escutava. E foi assim que o operário do edifício em construção que sempre dizia "sim" começou a dizer "não" e aprendeu a notar coisas a que não dava atenção. E o operário dizia, quando assim o entendia: Não! E o operário fez-se forte na sua resolução, na sua novíssima revolução! Como era de se esperar, as bocas da delação começaram a dizer coisas aos ouvidos dos senhores de preto que neles mandavam. Mas estes nem concebiam tal preocupação. - "Convençam-no" do contrário - Diziam ele sobre o operário. E ao dizerem isto sorriam.
No dia seguinte o operário, ao sair da construção viu-se de súbito cercado dos homens da delação e sofreu por destinado a sua primeira agressão. Teve o seu rosto cuspido e o seu braço quebrado, mas quando lhe foi perguntado o operário continuou a dizer: Não! Em vão sofrera o operário a sua primeira agressão, muitas outras seguiram, muitas outras se seguirão. Porém, por imprescindível ao edifício em construção, o seu trabalho prosseguia e todo o seu sofrimento se misturava com o peso das pedras e com a rudeza do cimento da construção.
Sentindo que a violência não dobraria o operário, um dia os senhores tentaram dobrá-lo de modo contrário, de sorte que o foram levando ao alto da construção, e num fugaz momento mostraram-lhe toda aquela imensa e rica região e apontando-a ao operário fizeram-lhe esta declaração: - Dar-te-emos todo este poder e satisfação. Porque a nós foi entregue e damo-la a quem quiser. Damos-te tempo de lazer e tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês será teu se nos obedeceres e ainda muito mais virá a ser teu, se abandonares o que te faz dizer não. Disseram isto e fitaram o cortador da pedra que olhava e reflectia, mas o que via o operário os outros não viam. O operário via casas e dentro das estruturas, via coisas, objectos, produtos, manufacturas. E em cada coisa que via misteriosamente havia a marca da sua mão. E o operário continuou a dizer: Não! - Loucura! – gritaram os senhores de preto - Não vês o que te damos? - Mentira! - disse o operário. Não podem dar-me o que já é meu.
E um grande silêncio fez-se dentro do seu coração. Um silêncio de martírios, um silêncio de prisão. Um silêncio povoado de pedidos de perdão, um silêncio apavorado com o medo em solidão. Um silêncio de torturas e gritos de maldição, um silêncio de fracturas que se arrastaram pelo chão. E o operário ouviu, uma e outra vez, a voz de todos os seus irmãos, os irmãos que morreram, por outros que viverão.
Uma esperança sincera cresceu então no seio da sua alma e adentro da tarde mansa agigantou-se a razão de um cortador de pedra pobre e esquecido: Razão porém que fizera do operário construído o operário em construção.