Subscrevo, naturalmente. O artigo do Manuel Caldeira Cabral, no Jornal de Negócios. Sobre o dito manifesto e a geração "rasca".
"O manifesto não contém nenhuma referência aos jovens, nem à palavra desemprego, ou à palavra licenciado. Não refere a precariedade, não fala de criar empregos. Fala principalmente de acabar.
A actual geração de jovens teve muito mais oportunidades de estudar e tem mais oportunidades de encontrar bons empregos. Mas então porque é que está a ser apresentada como uma geração sem emprego e sem futuro?
Hoje, cinco vezes mais jovens têm acesso à universidade do que na geração dos seus pais. Fazer um curso passou de ser um privilégio de poucos para uma oportunidade aberta a todos. Há também mais oportunidades à saída da universidade, com o aumento dos empregos criativos, com exigência técnica e científica ou que requerem responsabilidade e liderança.
1. - Mas então onde estão as dificuldades?
A geração que entrou no mercado de trabalho nos últimos dez anos, em que o número de licenciados duplicou, assistiu ao fim de um regime de sociedade fechada. Isto trouxe oportunidades, mas também dificuldades.
O apertado funil à entrada, que existia no passado, garantia a escassez, alimentando a ideia de que ter um canudo bastava para ter uma situação profissional estável, bom salário e regalias.
A situação anterior era muito injusta, pois significava que limitando as oportunidades a poucos, estes tinham a vida garantida. Hoje, estamos numa sociedade em que todos podem estudar. Uma consequência disso é que o canudo não dá nenhum direito adquirido. O quase feudalismo, em que só alguns tinham oportunidade de ser doutores, mas em que esse título assegurava a reverência e privilégios, felizmente acabou. É importante que acabe dentro das cabeças das pessoas, e que estas percebam que estudar dá uma oportunidade que, se bem aproveitada, pode abrir outras oportunidades.
Na anterior geração, quase todos os licenciados acabavam por ocupar empregos que estavam entre os 10% melhor remunerados. Na actual geração, os melhores empregos continuam a ser ocupados por licenciados. No entanto, com 35% de licenciados, é matematicamente impossível que todos os licenciados venham a ter empregos que estejam entre os 10% melhores. Alguns jovens terão que ajustar as suas expectativas a uma realidade em que há mais empregos de qualidade, mas também há mais pessoas qualificadas a competir por estes.
O problema de alguns jovens é agravado pelo desfasamento existente entre as áreas que escolheram e a procura de qualificações por parte das empresas. Em algumas áreas bem identificadas existe um excesso de licenciados face às necessidades do mercado (direito, arquitectura, algumas ciências sociais). Quem escolheu, e quem continua a escolher, estas áreas sabe que decidiu seguir um caminho difícil, que poderá passar pelo desemprego e precariedade. Mas há muitas outras áreas, que atraem um número crescente de alunos, onde, mesmo com a crise, não há problemas de empregabilidade (economia, engenharias, etc).
2. - Por outro lado, mesmo salientando que esta geração enfrenta dificuldades diferentes das anteriores, é importante realçar que a caracterização que está a ser feita dos actuais jovens é errada. A maioria dos jovens licenciados consegue um emprego com contrato sem termo, a ganhar mais de mil euros, antes dos 30 anos. Cerca de 90% dos licenciados entre os 25 e os 34 anos, estão empregados, dos quais 75% com vínculo permanente. Os jovens licenciados têm níveis de desemprego muito mais baixos e salários muito mais elevados do que os dos jovens menos qualificados. Estudar ainda é a forma mais segura de sair da escravatura dos baixos salários e de evitar o desemprego - ver quadros.
Hoje, em Portugal, há muito mais empregos nas universidades, nas empresas de novas tecnologias, em actividades artísticas e nas indústrias criativas, em grandes empresas, nacionais ou multinacionais, do que havia há 25 anos. Nos últimos dez anos criaram-se mais empregos na investigação do que nos 50 anos anteriores. Há também mais juízes, mais médicos e mais engenheiros a trabalhar em Portugal do que alguma vez houve. A proporção de pessoas a ganhar mais de 2.000 euros é claramente superior à de há 20 anos, mesmo corrigindo pelo índice de preços. A maioria dos jovens licenciados de hoje vai ter salários reais melhores do que os dos seus pais.
Há ainda inúmeras oportunidades no estrangeiro, desde o Erasmus, às bolsas de doutoramento, a estágios pagos pelo Governo ou pela União Europeia. Nada disto existia na geração dos pais destes jovens.
Assim, não considero razoável ter pena desta geração. Há demasiados casos de sucesso para fazer generalizações. Mas, pelo que disse acima, também não aceito a critica fácil a quem tem dificuldades, com a ideia de que só tem problemas quem não quer trabalhar. Este discurso moralista ignora que esta geração enfrenta problemas diferentes dos das gerações anteriores, e que hoje o faz num contexto de uma crise particularmente dura.
3. - Por último, convido a ler o manifesto de convocação para a manifestação de amanhã, que circulou por email. É um manifesto entre o reaccionário e o esquerdismo primário, centrado na defesa do corte das despesas públicas, com um tom de populismo moralista. Um manifesto que defende a "diminuição do número de deputados" (ponto 2), uma "redução drástica dos Municípios e Juntas de Freguesia" (6 e 7), "controlar o pessoal da Função Pública" (14), para além de defender diminuições de salários e de postos de trabalho na RTP e o acabar com a subvenção à mesma televisão (20 e 21). Pergunto se são estas as questões mais importantes para a actual geração? Pergunto se partidos como o PCP e o BE estarão na manifestação a apoiar estas medidas? E se não apoiam, então o que é que lá estão a fazer?
O manifesto não contém nenhuma referência aos jovens, nem à palavra desemprego, ou à palavra licenciado. Não refere a precariedade, não fala de criar empregos. Fala principalmente de acabar. A palavra "acabar" surge 15 vezes, sendo aplicada às instituições públicas em geral, empresas municipais, financiamento dos partidos, motoristas, salários, lugares na RTP, ordenados, reformas, renovação das frotas e PPP.
Este é um manifesto que se esquece de referir os problemas dos jovens e que não aponta soluções para os mesmos. Este manifesto não está à altura de uma geração que, com todas as dificuldades que tem, é também a mais qualificada e capaz que Portugal alguma vez teve. Uma geração que merece melhor destino do que ser colada a um manifesto tão "rasca". "
A actual geração de jovens teve muito mais oportunidades de estudar e tem mais oportunidades de encontrar bons empregos. Mas então porque é que está a ser apresentada como uma geração sem emprego e sem futuro?
Hoje, cinco vezes mais jovens têm acesso à universidade do que na geração dos seus pais. Fazer um curso passou de ser um privilégio de poucos para uma oportunidade aberta a todos. Há também mais oportunidades à saída da universidade, com o aumento dos empregos criativos, com exigência técnica e científica ou que requerem responsabilidade e liderança.
1. - Mas então onde estão as dificuldades?
A geração que entrou no mercado de trabalho nos últimos dez anos, em que o número de licenciados duplicou, assistiu ao fim de um regime de sociedade fechada. Isto trouxe oportunidades, mas também dificuldades.
O apertado funil à entrada, que existia no passado, garantia a escassez, alimentando a ideia de que ter um canudo bastava para ter uma situação profissional estável, bom salário e regalias.
A situação anterior era muito injusta, pois significava que limitando as oportunidades a poucos, estes tinham a vida garantida. Hoje, estamos numa sociedade em que todos podem estudar. Uma consequência disso é que o canudo não dá nenhum direito adquirido. O quase feudalismo, em que só alguns tinham oportunidade de ser doutores, mas em que esse título assegurava a reverência e privilégios, felizmente acabou. É importante que acabe dentro das cabeças das pessoas, e que estas percebam que estudar dá uma oportunidade que, se bem aproveitada, pode abrir outras oportunidades.
Na anterior geração, quase todos os licenciados acabavam por ocupar empregos que estavam entre os 10% melhor remunerados. Na actual geração, os melhores empregos continuam a ser ocupados por licenciados. No entanto, com 35% de licenciados, é matematicamente impossível que todos os licenciados venham a ter empregos que estejam entre os 10% melhores. Alguns jovens terão que ajustar as suas expectativas a uma realidade em que há mais empregos de qualidade, mas também há mais pessoas qualificadas a competir por estes.
O problema de alguns jovens é agravado pelo desfasamento existente entre as áreas que escolheram e a procura de qualificações por parte das empresas. Em algumas áreas bem identificadas existe um excesso de licenciados face às necessidades do mercado (direito, arquitectura, algumas ciências sociais). Quem escolheu, e quem continua a escolher, estas áreas sabe que decidiu seguir um caminho difícil, que poderá passar pelo desemprego e precariedade. Mas há muitas outras áreas, que atraem um número crescente de alunos, onde, mesmo com a crise, não há problemas de empregabilidade (economia, engenharias, etc).
2. - Por outro lado, mesmo salientando que esta geração enfrenta dificuldades diferentes das anteriores, é importante realçar que a caracterização que está a ser feita dos actuais jovens é errada. A maioria dos jovens licenciados consegue um emprego com contrato sem termo, a ganhar mais de mil euros, antes dos 30 anos. Cerca de 90% dos licenciados entre os 25 e os 34 anos, estão empregados, dos quais 75% com vínculo permanente. Os jovens licenciados têm níveis de desemprego muito mais baixos e salários muito mais elevados do que os dos jovens menos qualificados. Estudar ainda é a forma mais segura de sair da escravatura dos baixos salários e de evitar o desemprego - ver quadros.
Hoje, em Portugal, há muito mais empregos nas universidades, nas empresas de novas tecnologias, em actividades artísticas e nas indústrias criativas, em grandes empresas, nacionais ou multinacionais, do que havia há 25 anos. Nos últimos dez anos criaram-se mais empregos na investigação do que nos 50 anos anteriores. Há também mais juízes, mais médicos e mais engenheiros a trabalhar em Portugal do que alguma vez houve. A proporção de pessoas a ganhar mais de 2.000 euros é claramente superior à de há 20 anos, mesmo corrigindo pelo índice de preços. A maioria dos jovens licenciados de hoje vai ter salários reais melhores do que os dos seus pais.
Há ainda inúmeras oportunidades no estrangeiro, desde o Erasmus, às bolsas de doutoramento, a estágios pagos pelo Governo ou pela União Europeia. Nada disto existia na geração dos pais destes jovens.
Assim, não considero razoável ter pena desta geração. Há demasiados casos de sucesso para fazer generalizações. Mas, pelo que disse acima, também não aceito a critica fácil a quem tem dificuldades, com a ideia de que só tem problemas quem não quer trabalhar. Este discurso moralista ignora que esta geração enfrenta problemas diferentes dos das gerações anteriores, e que hoje o faz num contexto de uma crise particularmente dura.
3. - Por último, convido a ler o manifesto de convocação para a manifestação de amanhã, que circulou por email. É um manifesto entre o reaccionário e o esquerdismo primário, centrado na defesa do corte das despesas públicas, com um tom de populismo moralista. Um manifesto que defende a "diminuição do número de deputados" (ponto 2), uma "redução drástica dos Municípios e Juntas de Freguesia" (6 e 7), "controlar o pessoal da Função Pública" (14), para além de defender diminuições de salários e de postos de trabalho na RTP e o acabar com a subvenção à mesma televisão (20 e 21). Pergunto se são estas as questões mais importantes para a actual geração? Pergunto se partidos como o PCP e o BE estarão na manifestação a apoiar estas medidas? E se não apoiam, então o que é que lá estão a fazer?
O manifesto não contém nenhuma referência aos jovens, nem à palavra desemprego, ou à palavra licenciado. Não refere a precariedade, não fala de criar empregos. Fala principalmente de acabar. A palavra "acabar" surge 15 vezes, sendo aplicada às instituições públicas em geral, empresas municipais, financiamento dos partidos, motoristas, salários, lugares na RTP, ordenados, reformas, renovação das frotas e PPP.
Este é um manifesto que se esquece de referir os problemas dos jovens e que não aponta soluções para os mesmos. Este manifesto não está à altura de uma geração que, com todas as dificuldades que tem, é também a mais qualificada e capaz que Portugal alguma vez teve. Uma geração que merece melhor destino do que ser colada a um manifesto tão "rasca". "