«Às vezes, um verso contém toda a emoção do mundo e impõe um silêncio absoluto de pura exigência de meditação. Essa experiência acontece-nos frequentemente quando lemos aquela arte poética que toca a essencialidade das coisas ou vivemos emoções estéticas tão fundas, porventura aqueles instantes em que Goethe dizia que o tempo devia parar. Um desses versos, que me emocionou, colhi-o na poesia de Jorge Luís Borges e diz: "Por Francis Haslam, que pediu perdão aos seus filhos/ Por morrer tão devagar". É uma metáfora terrível que hoje traduz o universo absurdo que a sociedade impõe aos mais velhos, quando a vida produtiva chega ao fim ou os donos dos países os tornam gradualmente descartáveis.
No mercadorismo social, no deve-haver do poder ultra-liberal, como acontece de forma miserável em Portugal, não há lugar para os idosos - ou, se há, são na maior parte dos casos armazéns antecipadores da morte -, os idosos são um segmento geracional que os detentores do mando, não poucas vezes, acusam (pelo crime de se ter prolongado a esperança de vida) de responsável por desequilíbrios orçamentais.
Lembrei-me do verso de Borges porque a questão dos idosos em Portugal (reformados e pensionistas), gente que viveu e vive, ainda, em muitos casos, uma precariedade humana aviltante, depois de duras vidas de trabalho e de desigualdades sem fim, e faz lembrar aquela caricatura (excessiva, como todas as caricaturas), tão feita de desumanidade: consideram-nos mortos - e gostavam de os ver morrer mais depressa.
Foi também o texto magnífico de José Tolentino Mendonça, no "Expresso", intitulado "A Velhice Ofendida", que me fez voltar à pulsão da escrita em tema tão inquietante e tão presente no quotidiano. O poeta começa lembrar que "nos primeiros quatro meses deste ano foram registados em Portugal 294 suicídios" e que "ocorrem no nosso país mais suicídios do que mortes em acidentes de estrada". E acrescenta: "Mas houve um dado que se cravou completamente na minha cabeça e não me abandona:quem mais é tentado pelo suicídio são os velhos, acima dos 75 anos de idade, com menos defesas perante a solidão, a pobreza ou o sofrimento". José Tolentino Mendonça cita um curioso texto do filósofo Norberto Bobbio, onde o autor, com sarcástica ironia, escreve que "quem elogia a velhice nunca a teve diante dos olhos", para relatar depois a seguinte experiência de Bobbio: "O tempo urge. Eu deveria acelerar os movimentos para chegar a tempo e, em vez disso, vejo-me obrigado, dia após dia, a mover-me cada vez mais devagar. Emprego mais tempo e disponho de menos tempo. Pergunto a mim mesmo, preocupado: será que vou conseguir? Sinto-me compelido pela necessidade... E contudo sou obrigado a marcar o passo, embaraçado nos movimentos, desmemoriado, e portanto obrigado a deter-me para anotar tudo de que preciso em folhas que, no momento oportuno, não encontrarei".
Esta é uma imagem fugaz do drama interior de muitos idosos. Mas depois, nas andanças do dia-a-dia o braço longo do drama estende-se à solidão do abandono, às agressões físicas de que os idosos são vítimas, dentro das quatro paredes de um eufemismo chamado lar, às vidas de miséria que são a linha final de muitos. Os velhos. Como diz José Tolentino Mendonça "ser velho no Portugal contemporâneo não é uma coisa bonita de ser ver".» - Fernando Paulouro Neves