A Justiça falece. A Justiça apodrece. Mas o "mercado da justiça" tende a render. A propósito da "negociação" das penas, importa chamar a atenção para alguns pontos. "Negociar" as penas é cavar ainda mais fundo o já ultrajado princípio da igualdade de tratamento dos cidadãos perante a lei. A Constituição, embora claramente "suspensa", estabelece que o Ministério Público exerce a acção penal orientado pelo princípio da legalidade, que está obrigado a dirigir as investigações seguindo critérios de objectividade e que lhe assiste o dever da procura da verdade material do caso. A "negociação" das penas - e assim o confirmam Hollywood e a prática judiciária americana - acaba, na maioria das vezes, por ficar dependente da capacidade/habilidade negocial dos advogados dos arguidos (sendo que quanto maior a capacidade financeira do arguido para custear as despesas com "grandes" advogados maior é a possibilidade de a pena ser "negociada" em moldes mais favoráveis ao arguido), o que me parece agrava o fosso entre ricos e pobres, mais ainda do que actual, desequilibrando os pratos da balança em função do volume de notas de um dos pratos. Um Ministério Público supostamente independente tem a sua actuação circunscrita à lei e ao quadro e poderes nela delimitados, e dependente do controlo no âmbito da função judiciária. A única vinculação do Ministério Público, em princípio, é à tal "verdade material". Num País em que a prescrição já é um fantasma suficientemente diabólico nas mãos de hábeis advogados custeados por ainda mais hábeis arguidos permitir a manipulação da medida da pena, ou a sua não aplicação de todo, é um insulto ao comum dos cidadãos. Permitir que se introduzam factores de negociação das penas dependentes do bolso do arguido é um acto de terrorismo legitimado por um Estado que já pouco tem de "igual" para oferecer aos seus cidadãos. Mais do que terrorismo judiciário, tendo em conta que a medida das penas dos crimes mais graves são as que mais afectam a justiça social, é terrorismo social. Os tribunais deveriam ser o último reduto da Democracia, o último porto seguro dos cidadãos. Não o são, até pelo fantasma da prescrição a coberto de expedientes dilatórios que envergonham a Justiça e a desmerecem aos olhos dos que dela mais precisam e com ela mais contam. Haja diligência, isenção, transparência e independência. Valores não negociáveis, creio eu ainda. AM