terça-feira, 8 de abril de 2014

"A Partilha de África, o 31 de Janeiro e a Maçonaria em Portugal”, pelo Prof. Amadeu Carvalho Homem


“Nos finais do século XIX, com os trabalhos pioneiros de etnografia e antropologia de James Frazer, Franz Boas e Malinowski, entre outros, a Europa descobre “o outro”, “o bom selvagem”, “os povos primitivos”,as civilizações de África. Os países industrializados da Europa descobrem outras culturas, outros modos de vida, mas também a importância dos recursos naturais de África, tão necessários ao seu processo de industrialização.
A Alemanha entra nesta “corrida” na segunda metade do século XIX sob a liderança de Bismark e inicia a sua expansão mundial, encorajada pela burguesia nacional, instituindo uma verdadeira política imperialista, conhecida como Welpolitik.
Começa a corrida a África, principalmente, por parte de Inglaterra, França e Alemanha. Esta disputa foi, entre outros, um dos principais factores que esteve na base das causas da Primeira Guerra Mundial.
Em Portugal, Alexandre Herculano profundamente marcado pelos dramáticos acontecimentos da sua época - as invasões francesas, o domínio inglês e o influxo das ideias liberais, vindas sobretudo de França, que conduziriam à Revolução de 1820 - publica a sua História de Portugal.
Leite de Vasconcelos, pioneiro nos estudos de arqueologia, etnografia e antropologia e sociolinguística, publica importantes trabalhos de investigação na procura da essência da portugalidade (Etnologia Portuguesa e Religiões da Lusitânia, entre outros).
Portugal económico, estrutural e espiritualmente exaurido com as invasões francesas, o domínio inglês e as lutas liberais, enfrenta graves dificuldades neste processo de luta pela ocupação de África.
Sob influência do Marquês Sá da Bandeira, entre 1836 e 1865, dá-se uma viragem na política portuguesa para África. O interesse governamental de então pelos territórios africanos depara, no entanto, com a fraca implantação portuguesa no terreno. O interior era mal conhecido, e apenas nas regiões costeiras existiam zonas de ocupação que serviam de meio de escoamento de produtos coloniais.
Nas décadas de 1870 e 1890, verifica-se um aumento do interesse dos países europeus pelo continente africano. A ocupação de vastas zonas do litoral pelos portugueses era um obstáculo às pretensões dos outros países, mas as zonas do interior eram ainda muito pouco conhecidas.
Os problemas políticos e financeiros portugueses facilitaram uma mudança de poderes instalados neste continente e uma alteração da política dominante, que se altera do direito tradicional da prioridade das Descobertas, para um direito de ocupação efectiva, estabelecido internacionalmente na Conferência de Berlim de 1884-1885, convocada por Bismark.
Inicia-se a ocupação do interior de África. Criam-se as sociedades de geografia europeias durante a primeira metade do século XIX, e desenvolvem-se trabalhos de exploração geográfica e científica com ampla divulgação nos periódicos e livros da época. As informações obtidas, apresentadas de forma atractiva, com mapas, imagens exóticas com reprodução da fauna e flora, atraem a atenção de um público cada vez maior. Estas explorações chamam também a atenção dos poderes políticos para as possibilidades de exploração económica das vastas riquezas desse continente e da sua mão-de-obra barata.
Em Portugal, em 10 de Novembro de 1875, um grupo de cerca de 74 subscritores, entre os quais se encontravam os maçons Luciano Cordeiro, Pinheiro Chagas, Sousa Martins, Cândido de Figueiredo e Teófilo Braga, requerem junto do Rei D. Luís a criação da Sociedade de Geografia de Lisboa, com o objectivo de promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas, possibilitando deste modo, no contexto do movimento europeu de exploração e colonização, desenvolver um particular contributo na ênfase dada à corrida de exploração do continente africano. Nos primeiros anos da sua existência foi criada a Comissão Nacional Portuguesa de Exploração e Civilização da África, com o objectivo de apoiar cientificamente o esforço colonial português em África, particularmente no contexto da crescente competição europeia na apropriação de territórios naquele continente.
Entre os exploradores europeus mais famosos de então estavam Livingston que traçou os planos do vasto interior africano e Stanley no Congo.
Entre os exploradores portugueses depois de Serpa Pinto, que a cruzou numa complicada expedição e traçou mapas do seu interior, destacaram-se Capelo e Ivens.
Face às mais que previsíveis decisões da Conferência de Berlim era preciso demonstrar a presença portuguesa no interior da África austral, como forma de sustentar as reivindicações constantes do mapa cor-de-rosa entretanto produzido. Para realizar tão importante projecto, são nomeados Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, que depois de terem sido dados como mortos ou perdidos, por não haver notícias deles durante cerca de um ano, concluem com êxito a expedição. Ao longo de toda a viagem, Roberto Ivens escreve, desenha, faz croquis, levanta cartas; Hermenegildo Capelo recolhe espécimes de plantas, rochas e animais.
A 21 de Junho 1885, é concluída uma nova expedição em Moçambique, em que foram percorridas 4500 milhas geográficas (mais de 8300 km), 1.500 das quais por regiões ignotas, tendo-se feito numerosas determinações geográficas e observações magnéticas e meteorológicas.
Estas expedições, para além de terem permitido fazer várias determinações geográficas, colheitas de fósseis, minerais e de várias colecções de história natural, tiveram como objectivo essencial afirmar a presença portuguesa nos territórios explorados e reivindicar os respectivos direitos de soberania, já que os mesmos se incluíam no famoso mapa cor-de-rosa que delimitava as pretensões portuguesas na África meridional.
O chamado Mapa cor-de-rosa seria o documento representativo da pretensão da soberania de Portugal sobre os territórios sitos entre Angola e Moçambique, nos quais hoje se situam a Zâmbia, o Zimbabwe e o Malawi.
A disputa com a Grã-Bretanha sobre estes territórios levou ao ultimato britânico de 1890, a que Portugal cedeu, causando sérios danos à imagem do governo monárquico português.
A Sociedade de Geografia de Lisboa, defendeu sem sucesso a necessidade de formar uma barreira às intenções expansionistas britânicas que pretendiam a soberania sobre um território que, do Sudão, se prolongasse até ao Cabo pelo interior da África, organizando uma subscrição permanente para manter estações civilizadoras na zona de influência portuguesa do interior do continente, definida num mapa como uma ampla faixa da costa à contra-costa, ligando Angola a Moçambique. Nascia assim, ainda sem sanção oficial, o chamado "Mapa Cor-de-Rosa".
O resultado foi o ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890 sendo exigido a Portugal a retirada de toda a zona disputada sob pena de serem cortadas as relações diplomáticas.
Portugal isolado protestou, mas seguiu-se a inevitável cedência e recuo. E assim acabou o "mapa cor-de-rosa", mas não sem que antes tivesse deixado um legado de humilhação nacional e frustração (bem patente no Finis Patriae de Guerra Junqueiro) que haveria de marcar Portugal durante muitas décadas. Na sequência deste episódio, Alfredo Keil compôs a portuguesa (Hino Nacional Português).
Em resultado desta humilhação nacional, perca de soberania de territórios africanos a favor de Inglaterra e de outras potências estrangeiras, criam-se as bases de sublevação, de afirmação de independência nacional e do espírito republicano no Porto, com a malograda Revolta Republicana do 31 de Janeiro de 1891, liderada pelo Dr. Alves da Veiga.
Portugal apenas recupera a sua auto estima depois da implantação da República em 5 de Outubro de 1910, bem como as suas debilitadas finanças de então.
Neste momento o nosso país encontra-se, igualmente, por razões diversas, perante a humilhação de uma situação de intervenção financeira estrangeira, mas como outrora, com determinação, trabalho e perseverança, estamos certos os portugueses saberão encontrar caminhos de esperança e recuperar a auto-estima e a sua autonomia financeira nacional.» [Fernando Castel-Branco Sacramento - Director do Museu Maçónico Português]