«Tudo correu pelo pior, no ano que vai embora. Estamos mais pequenos, mais pobres, mais desesperados e mais sem rumo. Endireitar o que estes senhores entortaram e amolgaram vai ser muito difícil.
O ano aproxima-se do fim e as coisas, para os portugueses, vão de mal a pior. A máquina de propaganda do Governo é o que há de mais enganador, e aquilo que chamava a "alma" popular foi sovada e tende a tombar na indiferença. Já não se pode ver o primeiro-ministro pela constância com que não larga as televisões, em especial a SIC, que parece ter tirado a assinatura do rosto acabrunhado e das banalidades que soletra. Aliás, as televisões pouco ou nada explicam, não cumprindo a vocação e a missão para que se criaram: ir mais ao fundo das questões, através de debates e de comentários realmente originais e estudados. O dr. Passos, há dias, disse que os banqueiros foram os mais sacrificados de todos nós. A pouca vergonha tornou-se instrumental e o ludíbrio intelectual e moral um caso de polícia de costumes.
Tudo indica que vamos sofrer abalões, mas nenhum dos partidos de Esquerda desce ao fundo dos problemas. Helena Garrido, neste jornal, tem advertido, com a prudência que a caracteriza e a reserva que a distingue, as ameaças que pairam nos nossos mais próximos horizontes. Devo dizer que, com Nicolau Santos e Pedro Santos Guerreiro, é um dos três comentadores que ouço, leio e aprecio, porque não impinge gato por lebre, recusa as grandes tiradas gestuais, como as faz o triste Costa Pinto ou o impante Ricardo Costa, que parece ninguém conseguir calar. O comentário português é uma "mixurufada" de vaidade, de incompetência e de ignorância da história. À carência de verticalidade, excede a pesporrência e a fatuidade.
Não digo uma anormalidade quando refiro a pobreza do jornalismo actual. Semelhante à pobreza como ideologia que Passos Coelho nos impôs devido à sua própria fragilidade política e intelectual. Um Presidente, um Governo e um Parlamento, a tese de Sá Carneiro, revelou-se um dos grandes pesadelos da nossa história, por constituir uma anomalia estrutural que conduz, inevitavelmente, ao autoritarismo e a uma mascarada da democracia. Está à vista.
Tudo correu pelo pior, no ano que vai embora. Estamos mais pequenos, mais pobres, mais desesperados e mais sem rumo. Endireitar o que estes senhores entortaram e amolgaram vai ser muito difícil. E quando certos sectores da sociedade portuguesa começam a falar em coligações entre o PS e o PSD, alguma coisa de tenebroso está em marcha. Não podemos permitir que isso, ou algo de semelhante, aconteça. Mas é lamentável que agrupamentos da "extrema-esquerda", ou assim disfarçados, tenham manifestado intenções de aprovar tal decisão.
Tudo parece diluir-se numa amálgama de interesses cavilosos, e o que era a dignidade e o carácter está a esboroar-se. A imprensa portuguesa deixou de o ser para se transformar numa massa apócrifa dominada por grupos económicos, inclusive estrangeiros, com "gestores" portugueses que mais não são do que factótuns invertebrados. Nos conselhos de administração, são colocados homens de mão, com larga experiência de saneamentos e de obediência ao dinheiro, e quem der mais é que é o patrão. A sociedade portuguesa está a ser dominada por esta gente, alguma da qual com relações familiares a altas figuras do Estado. A volta que as estruturas têm de levar é mesmo de alto a baixo. Minada e armadilhada como está a sociedade, as vozes livres são cada vez mais raras. O medo transformou-se num instrumento ideológico. Temos de resistir e de nos aguentar. Já passámos por pior. Ou não?»