quarta-feira, 18 de setembro de 2013

DAT ROSA MEL APIBUS - ou como a abelha e a colmeia laboram - uma perspectiva mística breve


“DAT ROSA MEL APIBUS” (A ROSA dá o Mel às Abelhas) proclama a divisa da Irmandade Rosa-Cruz. Uma rosa com sete pétalas, simbolizando, para além da sacralidade do número sete,  as doutrinas secretas e teosóficas de HP Blavatsky. A Rosa domina a cruz de espinhos, em alegoria clara ao signo de Vénus, revelando o triunfo do círculo solar sobre a cruz da matéria. O lema que espelha a forma como nos compete oferecer o conhecimento espiritual e o consolo às almas, dos quais as abelhas são um símbolo venerável.
"A cruz está ferida profusamente rodeada e rosas Quem colocou rosas na cruz? ... E a partir do meio brota uma vida santa dos raios tríplices de um único ponto." - Goethe, Die Geheimnisse (1784-1786)
Eis como, na alquimia, a rosa branca e vermelho são símbolos que ilustram o lunar e o solar, a partir do qual jorra o "precioso sangue cor de rosa" dos fluxos de Cristo-Lapis. E o Shehina, o brilho da sabedoria celestial na terra, retratado na imagem da rosa, e "a recolha de mel" representam a herança dos conhecimentos teosóficos. Eis, igualmente, a evocação da parábola do Cântico dos Cânticos: "Eu sou a rosa de Sharon e o lírio do campo". 
Só a Rosa já é, por si, um símbolo  complexo e ambivalente: a perfeição celestial e a paixão terrena, o tempo do infinito e a eternidade, a vida e a morte, a fertilidade e a virgindade. Podemos ver nela o lótus do Oriente. No simbolismo do coração, a rosa, colocada no centro da cruz, é o ponto de unidade, pelo que, a rosa branca e a rosa vermelha representam a união do fogo e da água, dos opostos, tal como é o quaternário dos elementos. Para os Rosacruzes, a Rosa-cruz é a Rosa Mística, sendo a rosa a luz divina do universo e a cruz uma alusão ao mundo temporal de dor e sacrifício. A rosa faz-se crescer na árvore da vida, em constante regeneração e ressurreição.  Remetendo-nos para a lenda do Graal, as invocações feitas ao coração divino de Jesus,  exaltado como "o templo em que habita a vida do mundo", também surgem representadas por uma rosa, ela mesma a fornalha do amor divino "sempre brilhando no fogo do Espírito Santo". 
A pureza procurada no Graal são as virtudes da vida que procuramos alcançar, entre labirintos e a "Palavra Perdida". 
Herberto Helder (Última Ciência, 1988) fala da sua arte de roseira: " Pratiquei a minha arte de roseira: a fria inclinação das rosas contra os dedos iluminava em baixo as palavras. Abri-as até dentro onde era negro o coração nas cápsulas. Das rosas fundas, da fundura nas palavras. Transfigurei-as. .... Uma frase, uma ferida, uma vida selada."
Ao comentar Provérbios 6:8 – Vá observar a abelha e aprenda como ela é “laboriosa”,” São Clemente de Alexandria acrescenta: “Pois a abelha se serve das flores de um prado inteiro, para com elas fabricar um só mel". "Imitai a prudência das abelhas“, recomenda Teolepto de Filadélfia, citando-as como exemplo na vida espiritual das comunidades monásticas. Um sacramentário gelasiano (do papa Gelásio I, 410-496) faz alusão às extraordinárias qualidades das abelhas que extraem o pólen das flores roçando-as apenas, sem lhes tirar o viço. Elas não dão à luz; mas graças ao trabalho dos seus “lábios” tornam-se mães; assim também o Cristo emana da boca do Pai e da Mãe Divinos. A ela se referem os autores da Idade Média, destacando Bernard de Clairvaux, em que a abelha simboliza o Espírito Santo. E assim chegamos a este símbolo maçónico antigo, raramente usado hoje, mas muito popular no século XIX, o da abelha e da colméia. 
O labirinto da rosa é como a teia da aranha que pode fazer com que a abelha se enrede nos perigos, como nós nos podemos perder ante as dificuldades e os desnortes da vida. E porque procuram as abelhas o Centro? Pelo mesmo motivo que um religioso procura Deus, porque Ele é o Centro e a Circunferência, o Um e o Todo. 
Aqui temos essencialmente o conceito de trabalho, em que a abelha simboliza a indústria e o trabalho, usando a colmeia, como uma estrutura construída (usando a Geometria Sagrada) com lógica e harmonia - um milagre de engenharia natural – da qual retira o bem mais precioso: o alimento espiritual do mel. Assim como a abelha é uma construtora, o maçom labora, por si, mas também contínua e organizadamente. 
Este símbolo maçónico aparece em antigos estandartes e aventais, e no grau de Mestre Maçom dos rituais mais antigos da Nossa Ordem, desde, pelo menos, o início do século XVIII [o catecismo maçónico irlandês datado de 1724 refere-se-lhe: “Uma abelha tem sido, em todas as épocas e nações, o grande hieróglifo da Maçonaria, pois supera todas as outras criaturas vivas na capacidade de criação e de aumentar a sua habitação. Construir parece ser da própria essência ou natureza da abelha”. A renovação dos rituais, a partir de 1813, ignora este símbolo, remetendo-o para o uso em Lojas de Pesquisa, com exceção da Maçonaria Americana, que manteve a sua importância no Ritual. As revisões dos ritos, quando feitas por quem não assimilou todo o seu significante, resulta no "símbolo perdido". Mas a actualidade dos tempos apela, insistentemente, à nossa qualidade de Obreiros na construção de colmeias de que jorre o alimento espiritual de que carecemos. Num tempo em que valores e princípios foram relegados para o esquecimento, lembremo-nos que, também nós, no nosso seio, nos tornámos preguiçosos no labor, e perdemos essa capacidade e necessidade de nos organizarmos para ser produtores vivos da Palavra e da Acção. Talvez tenha sido o apagamento da figura da Abelha-Rainha e o afastamento das mulheres no labor conjunto da Ordem que conviu a quem reviu os ritos. Porém, hoje, a Colmeia só jorrará mel se o trabalho for uno e concertado. Pensemos nisto.  
Dat Rosa Mel Apibus: "A rosa dá o mel das abelhas" depois de gravura de Johann Thedore Debry (m. 1598)