O bem‐aventurado João, o discípulo que Jesus amava, o da Galileia, de Betsaida, o filho de Zebedeu e Maria Salomé e irmão menor de São Tiago maior, surge, nos ciclos dos apóstolos, com uma taça envenenada de que escapa o veneno exorcizado por um sinal da cruz, em forma de dragãozinho de uma ou várias cabeças. Aqui deixo algumas notas que podem contribuir para a compreensão desta referência. A figura teria como fundamento, de acordo com a tradição recolhida pelo Pseudo‐Isidoro de Sevilha, que se havia tentado envenenar São João pelo cálice eucarístico. S. Miguel e o Cavaleiro S. Jorge são talvez as primeiras referências mais integradoras do modelo ofilátrico que se podem encontrar em vários passos da Bíblia. A vara de Moisés, deitada por terra, torna-se serpente alada, que só o Profeta pode dominar e com ela conduzir o Povo Eleito (Êxodo 4, 1-5). O Livro dos Números diz que Deus enviou para castigo dos Judeus descrentes serpentes ondulantes que causavam, com as suas mordeduras, muitas mortes. Moisés intercederá pelo seu Povo junto de Deus, que lhe ordena que fizesse uma serpe enrolada numa vara a fim de que quem a olhasse, se acaso tivesse sido mordido, se salvasse (Números 21, 4-9).
Sem falar dos cultos ofilátricos pagãos, a tradição judaico-cristã, que os adoptou, incorporará o tema no seu imaginário religioso. A serpente salvífica de Moisés será associada, pelos exegetas do Cristianismo, ao próprio Cristo Salvador, lendo-se no Evangelho de João: "Como Moisés levantou a serpente no deserto, é preciso que o Filho do Homem seja elevado a fim de que aquele que nele crê, tenha a vida eterna." (João 3, 14). Nos textos neo-testamentários atribuídos a S. João, por seu turno, o tema é recorrente, atingindo maior densidade no Livro do Apocalipse, muito embora, aqui, como símbolo diabólico e destruidor.
E esta será um dos apontamentos que podem ajudar ao estudo da representação iconográfica de S. João Evangelista com um cálice ou taça numa das mãos, com uma serpente sobre o mesmo, símbolo do veneno com que o quiseram assassinar.
Por outro lado, o dragão é ainda o animal que guarda segredos e tesouros. E, assim, resta perguntar: o que guardará o dragão sobrepondo-se, qual vigilante, sobre a taça? E, aqui, as interpretações vão ainda mais longe: o que conterá a Taça?