sexta-feira, 7 de junho de 2013

Iniciação e alquimia

"Tome um crisol de ourives, passe-lhe gordura na parte interna e deite-lhe o nosso remédio, segundo a proporção requerida, tudo a fogo lento; e quando o mercúrio começar a fumegar, jogue o remédio encerrado em cera virgem ou em papel, pegue um carvão grande, aceso, especialmente preparado para este fim, e ponha-o no fundo do cadinho, deixando cozer em fogo violento; e quando tudo estiver liquefeito jogue em um tubo engordurado. Eis que assim terás Ouro e Prata finíssimos, segundo o fermento que tiveres empregado." (Tratado de Santo Tomaz de Aquino sobre a Arte da Alquimia, dedicado a frei Reginaldo (atribuído)).
A Tábua de Esmeralda conteria, segundo a tradição lendária, em Alexandria, em poucas frases criptografadas, incompreensíveis para os não-iniciados, os principais preceitos alquímicos, tendo-se tornado o compêndio da sabedoria hermética: "É verdadeiro, completo, claro e certo. O que está embaixo é como o que está em cima e o que está em cima é igual ao que está embaixo, para realizar os milagres de uma única coisa. Ao mesmo tempo, as coisas foram e vieram do Um, desse modo as coisas nasceram dessa coisa única por adopção. O Sol é o pai, a Lua a mãe, o vento o embalou em seu ventre, a Terra é sua ama; o Telesma do mundo está aqui. Seu poder não tem limites na Terra. Separarás a Terra do Fogo, o sutil do espesso, docemente, com grande indústria. Sobe da Terra para o céu e desce novamente à Terra e recolhe a força das coisas superiores e inferiores. Deste modo obterás a glória do mundo e as trevas se afastarão. É a força de toda força, pois vencerá a coisa sutil e penetrará na coisa espessa. Assim o mundo foi criado. Esta é a fonte das admiráveis adaptações aqui indicadas. Por esta razão fui chamado de Hermes Trimegisto, pois possuo as três partes da filosofia universal. O que eu disse da Obra Solar é completo."
No século XIV, devastada pela peste, por revoltas, invasões, guerras e distúrbios de diferentes naturezas, a Europa em crise, revalorizando o mundo antigo e suas tradições, deixou-se invadir por uma onda crescente de estudos alquímicos. Contra essa onda posicionou-se firmemente a Igreja Católica, reagindo não apenas à alquimia como um campo fértil para todo tipo de charlatanismo e impostura, alvo de oportunistas estimulados pela ambição, mas, sobretudo, ao grande interesse manifestado pelos segmentos mais esclarecidos, inclusive do próprio clero, o que provocava a sua inquietação. Dominicanos e franciscanos publicaram vários decretos, entre 1273 e 1323, proibindo estudos e práticas alquímicas, confirmados em 1317 por uma nova interdição lançada pelo Papa João XXII. 
Este clima de proibição e de perseguição, somado à crença de que ensinamentos elevados e conhecimentos mágicos, caso fossem divulgados, se vulgarizariam e, assim, perderiam toda a sua força, intensificou a instituição do segredo, mantido sob forte juramento: "Eu te faço jurar pelos céus, pela terra, pela luz e pelas trevas. Eu te faço jurar pelo fogo, pelo ar, pela terra e pela água. Eu te faço jurar pelo mais alto dos céus, pelas profundezas da terra e pelo abismo do Tártaro. Eu te faço jurar por Mercúrio e por Anubis, pelo rugido do dragão Kerkoruburus e pelo latido do Cão de três tetas, Cérbero, guardião do Inferno. Eu te conjuro pelas três Parcas, pelas três fúrias e pela espada a não revelar a pessoa alguma nossas teorias e técnicas."
Na alquimia, o fogo tortura a matéria, e desse sofrimento, que chega à morte, o metal sai regenerado. Simbolicamente, o mesmo ocorre na morte iniciática, da qual se ressuscita para um estado de conhecimento/sabedoria. O mito retoma, portanto, a associação alquímica entre ritual e sacrifício cruento, assumindo a premissa de que não há criação sem sacrifício prévio, presente na maior parte das religiões. Podemos constatar, em diferentes culturas, os «sacrifícios de criação», assentes na crença de que a transferência de uma vida é necessária para a criação de algo novo. Tal como o êxito da obra metalúrgica exige a fusão/morte do metal, o sacrifício de uma vida humana é necessário para a transmutação espiritual. A morte iniciática conduz no caso à iluminação, à integração plena do ser ao Cosmos. E, com a Iniciação, ainda tudo começa ....