Numa altura em que a própria existência do euro é posta em causa, um economista americano lembra a diferença fundamental entre a moeda única e a União Europeia: enquanto a primeira é o resultado de uma política muito à direita, a segunda resulta de um projeto profundamente solidário. A morte de um deles não significa, por isso, a morte do outro. - Mark Weisbrot (Presseurope)
O euro está a ter a maior baixa de sempre em relação ao franco suíço e os juros das obrigações italianas e espanholas subiram a níveis recorde. Este último episódio da crise da zona euro é o resultado do medo de que o efeito de contágio atinja agora a Itália. Com uma economia de 2 biliões de dólares e uma dívida de 2.44 biliões, a Itália é demasiado grande para falir e as autoridades europeias estão preocupadas.
Apesar de haver ainda poucas razões de preocupação sobre uma subida das taxas de juro de Itália para níveis que possam por a solvência do país em risco, os mercados financeiros estão a agir de maneira irracional e elevam tanto o receio como a perspetiva de autorrealização da profecia. O facto de as autoridades europeias ainda não terem chegado a acordo sobre a ajuda à Grécia – uma economia cujo tamanho é menos de um sexto da de Itália – não inspira confiança na sua capacidade para gerirem uma crise maior.
As economias mais fracas da zona euro – Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha – enfrentam ainda a perspetiva de anos de dificuldades económicas, com altas taxas de desemprego (16%, 12%, 14% e 21%, respetivamente). Uma vez que o objetivo desta austeridade autoinfligida é salvar o euro, vale a pena perguntar se o euro merece ser salvo. E faz sentido levantar esta questão do ponto de vista da maioria dos europeus que têm de trabalhar para viver – ou seja, de um ponto de vista progressivo.
Diz-se frequentemente que a união monetária, que agora inclui 17 países, tem de ser mantida a bem do projeto europeu. Isto inclui ideais muito válidos, como a solidariedade europeia, a construção padrões comuns para os direitos humanos e a inclusão social, a manutenção sob controlo dos nacionalismos de extrema-direita e, evidentemente, a integração económica e política subjacente a tal progresso. Mas isto confunde a união monetária, ou zona euro, com a própria União Europeia.
A Dinamarca, a Suécia e o reino Unido, por exemplo, fazem parte da União Europeia mas não fazem parte da união monetária. Não há nenhuma razão para que o projeto europeu não prossiga e que a UE não prospere, sem o euro.
E há boas razões para esperar que seja isso que aconteça. O problema é que a união monetária, ao contrário da própria UE, é um ambíguo projeto de direita. Se isto não era claro no início, tornou-se agora completamente evidente, numa altura em que as economias mais fracas da zona euro estão a ser sujeitas a punições que antes estavam apenas reservadas para os países de baixo – e médio – rendimento, apanhados nas garras dos Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos líderes do G7. Em vez de tentarem sair da recessão através de estímulos fiscal ou/e monetário, como fez a maior parte dos governos do mundo em 2009, estes países estão a ser obrigados a fazer exatamente o contrário, com enormes custos sociais.
Às feridas juntam-se os insultos: as privatizações na Grécia ou “a reforma do mercado de trabalho” em Espanha; os efeitos regressivos das medidas tomadas na distribuição de rendimento e riqueza; e um Estado Previdência que encolhe e enfraquece, enquanto os bancos são resgatados com o dinheiro dos contribuintes – tudo isto indicia claramente uma agenda de direita das autoridades europeias, tal como a sua tentativa de tirarem partido da crise para introduzirem mudanças políticas de direita.
A natureza de direita da união monetária ficou institucionalizada logo desde o início. As regras que limitam a dívida pública a 60% do PIB e o deficit orçamental anual a 3% do PIB, apesar de na prática serem violadas, são desnecessariamente restritivas numa altura de recessão e de altas taxas de desemprego. O mandato do Banco Central Europeu para se preocupar apenas com a inflação, e de não se importar em absoluto com o emprego, é outro péssimo indicador. A Reserva Federal dos Estados Unidos, por exemplo, é uma instituição conservadora mas, pelo menos, está obrigada por lei a preocupar-se tanto com o emprego como com a inflação. E a Fed – apesar da sua comprovada incompetência ao não reconhecer a bolha imobiliária de 8 biliões de dólares que fez desabar a economia dos Estados Unidos – já provou ser flexível perante a recessão e a fraca recuperação, criando mais de 2 biliões de dólares como parte de uma política de expansão monetária. Comparativamente, os extremistas que dirigem o Banco Central Europeu, desde abril que sobem as taxas de juro, apesar do desemprego nas economias mais fracas da zona euro estar em níveis de depressão.
Alguns economistas e observadores políticos defendem que a zona euro precisa de uma união fiscal, com maior coordenação das políticas orçamentais, para poder funcionar. Mas a política fiscal da direita é contraproducente, como já vimos, ainda que a coordenação possa melhorar. Outros economistas – nos quais me incluo – defendem que as grandes diferenças de produtividades existentes entre as economias dos países membros são uma séria dificuldade para a união monetária. Mas mesmo que estes problemas pudessem ser resolvidos, a zona euro não vale o esforço que está a ser feito se for um projeto de direita.
A integração económica europeia anterior à zona euro era de uma natureza diferente. A União Europeia esforçava-se para puxar para cima as economias mais fracas e proteger as vulneráveis. Mas as autoridades europeias provaram ser impiedosas na união monetária.
A ideia de que o euro tem de ser salvo para o bem da solidariedade europeia também tem um papel na noção excessivamente simplista da resistência que os contribuintes de países como a Alemanha, a Holanda e a Finlândia mostraram ao “resgate” da Grécia. Apesar de ser inegável que alguma desta resistência se baseia em preconceitos nacionalistas – frequentemente ateados pela Comunicação Social – isso não é tudo. Muitos europeus não gostam da ideia de terem de pagar a conta do resgate dos bancos europeus que fizeram maus empréstimos. E as autoridades europeias não estão a “ajudar” a Grécia, mais do que os Estados Unidos e a NATO estão a “ajudar” o Afeganistão – para usar um debate análogo em que aqueles que se opõem às políticas destrutivas são rotulados como “retrógrados” e “isolacionistas”.
Parece que muita da esquerda europeia não percebe a natureza de direita das instituições, das autoridades e, especialmente, das políticas macroeconómicas que têm de enfrentar na zona euro. Isto faz parte de um problema mais amplo de incompreensão da opinião pública sobre a política macroeconómica mundial, que permitiu que bancos centrais de direita implementassem políticas destrutivas, mesmo sob governos de esquerda. Esta incompreensão, em conjunto com a falta de contributo democrático, pode explicar o paradoxo de, atualmente, a Europa ter mais políticas macroeconómicas de direita do que os Estados Unidos, apesar de ter sindicatos mais fortes e outras bases institucionais para uma política económica mais progressista.
O euro está a ter a maior baixa de sempre em relação ao franco suíço e os juros das obrigações italianas e espanholas subiram a níveis recorde. Este último episódio da crise da zona euro é o resultado do medo de que o efeito de contágio atinja agora a Itália. Com uma economia de 2 biliões de dólares e uma dívida de 2.44 biliões, a Itália é demasiado grande para falir e as autoridades europeias estão preocupadas.
Apesar de haver ainda poucas razões de preocupação sobre uma subida das taxas de juro de Itália para níveis que possam por a solvência do país em risco, os mercados financeiros estão a agir de maneira irracional e elevam tanto o receio como a perspetiva de autorrealização da profecia. O facto de as autoridades europeias ainda não terem chegado a acordo sobre a ajuda à Grécia – uma economia cujo tamanho é menos de um sexto da de Itália – não inspira confiança na sua capacidade para gerirem uma crise maior.
As economias mais fracas da zona euro – Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha – enfrentam ainda a perspetiva de anos de dificuldades económicas, com altas taxas de desemprego (16%, 12%, 14% e 21%, respetivamente). Uma vez que o objetivo desta austeridade autoinfligida é salvar o euro, vale a pena perguntar se o euro merece ser salvo. E faz sentido levantar esta questão do ponto de vista da maioria dos europeus que têm de trabalhar para viver – ou seja, de um ponto de vista progressivo.
Diz-se frequentemente que a união monetária, que agora inclui 17 países, tem de ser mantida a bem do projeto europeu. Isto inclui ideais muito válidos, como a solidariedade europeia, a construção padrões comuns para os direitos humanos e a inclusão social, a manutenção sob controlo dos nacionalismos de extrema-direita e, evidentemente, a integração económica e política subjacente a tal progresso. Mas isto confunde a união monetária, ou zona euro, com a própria União Europeia.
A Dinamarca, a Suécia e o reino Unido, por exemplo, fazem parte da União Europeia mas não fazem parte da união monetária. Não há nenhuma razão para que o projeto europeu não prossiga e que a UE não prospere, sem o euro.
E há boas razões para esperar que seja isso que aconteça. O problema é que a união monetária, ao contrário da própria UE, é um ambíguo projeto de direita. Se isto não era claro no início, tornou-se agora completamente evidente, numa altura em que as economias mais fracas da zona euro estão a ser sujeitas a punições que antes estavam apenas reservadas para os países de baixo – e médio – rendimento, apanhados nas garras dos Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos líderes do G7. Em vez de tentarem sair da recessão através de estímulos fiscal ou/e monetário, como fez a maior parte dos governos do mundo em 2009, estes países estão a ser obrigados a fazer exatamente o contrário, com enormes custos sociais.
Às feridas juntam-se os insultos: as privatizações na Grécia ou “a reforma do mercado de trabalho” em Espanha; os efeitos regressivos das medidas tomadas na distribuição de rendimento e riqueza; e um Estado Previdência que encolhe e enfraquece, enquanto os bancos são resgatados com o dinheiro dos contribuintes – tudo isto indicia claramente uma agenda de direita das autoridades europeias, tal como a sua tentativa de tirarem partido da crise para introduzirem mudanças políticas de direita.
A natureza de direita da união monetária ficou institucionalizada logo desde o início. As regras que limitam a dívida pública a 60% do PIB e o deficit orçamental anual a 3% do PIB, apesar de na prática serem violadas, são desnecessariamente restritivas numa altura de recessão e de altas taxas de desemprego. O mandato do Banco Central Europeu para se preocupar apenas com a inflação, e de não se importar em absoluto com o emprego, é outro péssimo indicador. A Reserva Federal dos Estados Unidos, por exemplo, é uma instituição conservadora mas, pelo menos, está obrigada por lei a preocupar-se tanto com o emprego como com a inflação. E a Fed – apesar da sua comprovada incompetência ao não reconhecer a bolha imobiliária de 8 biliões de dólares que fez desabar a economia dos Estados Unidos – já provou ser flexível perante a recessão e a fraca recuperação, criando mais de 2 biliões de dólares como parte de uma política de expansão monetária. Comparativamente, os extremistas que dirigem o Banco Central Europeu, desde abril que sobem as taxas de juro, apesar do desemprego nas economias mais fracas da zona euro estar em níveis de depressão.
Alguns economistas e observadores políticos defendem que a zona euro precisa de uma união fiscal, com maior coordenação das políticas orçamentais, para poder funcionar. Mas a política fiscal da direita é contraproducente, como já vimos, ainda que a coordenação possa melhorar. Outros economistas – nos quais me incluo – defendem que as grandes diferenças de produtividades existentes entre as economias dos países membros são uma séria dificuldade para a união monetária. Mas mesmo que estes problemas pudessem ser resolvidos, a zona euro não vale o esforço que está a ser feito se for um projeto de direita.
A integração económica europeia anterior à zona euro era de uma natureza diferente. A União Europeia esforçava-se para puxar para cima as economias mais fracas e proteger as vulneráveis. Mas as autoridades europeias provaram ser impiedosas na união monetária.
A ideia de que o euro tem de ser salvo para o bem da solidariedade europeia também tem um papel na noção excessivamente simplista da resistência que os contribuintes de países como a Alemanha, a Holanda e a Finlândia mostraram ao “resgate” da Grécia. Apesar de ser inegável que alguma desta resistência se baseia em preconceitos nacionalistas – frequentemente ateados pela Comunicação Social – isso não é tudo. Muitos europeus não gostam da ideia de terem de pagar a conta do resgate dos bancos europeus que fizeram maus empréstimos. E as autoridades europeias não estão a “ajudar” a Grécia, mais do que os Estados Unidos e a NATO estão a “ajudar” o Afeganistão – para usar um debate análogo em que aqueles que se opõem às políticas destrutivas são rotulados como “retrógrados” e “isolacionistas”.
Parece que muita da esquerda europeia não percebe a natureza de direita das instituições, das autoridades e, especialmente, das políticas macroeconómicas que têm de enfrentar na zona euro. Isto faz parte de um problema mais amplo de incompreensão da opinião pública sobre a política macroeconómica mundial, que permitiu que bancos centrais de direita implementassem políticas destrutivas, mesmo sob governos de esquerda. Esta incompreensão, em conjunto com a falta de contributo democrático, pode explicar o paradoxo de, atualmente, a Europa ter mais políticas macroeconómicas de direita do que os Estados Unidos, apesar de ter sindicatos mais fortes e outras bases institucionais para uma política económica mais progressista.