segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Alpiarça e Carbonarismo

Terras de Alpiarça. A "Moscovo Portuguesa". O chão da terra dos meus antepassados é por ali. Em Vale de Cavalos, Chamusca. Soube, não há muitos anos, que alguns estiveram associados à Carbonária. Será a eles que devo o meu "pêlo na venta", ou o "mau nariz para óculos". Ou o espírito livre. Ou ter sido fundadora da Academia de Estudos Laicos e Republicanos. Reservo-me a outros textos para historiar mais, hoje fico-me por um breve intróito. (leia, de António Ventura, " Carbonária em Portugal")
Desde a República que à Carbonária se atribui um papel maldito. Há 100 anos que é vista como uma organização maldita, autora do regicídio, com uma ligação afirmada, insinuada e pouco esclarecida, com a Maçonaria Portuguesa. A controversa das suas origens é a controversa das suas histórias. O que se prende com a sua natureza secreta e com o silêncio que lhe votaram a Igreja, a Maçonaria e a política. A Igreja omitiu a sua colaboração na resistência conjunta a Napoleão. A Maçonaria omitiu a condição carbonária de muitos maçons que, na Europa e na América, foram os primeiros artífices das sociedades democráticas e a história das ideias republicanas, socialistas e liberais e desvalorizou a condição carbonária de alguns dos seus mentores. Se a Igreja se podia contentar com a oposição a Napoleão e o apelo aos valores nacionais italianos, onde o catolicismo imperava (daí a bula de 1809), já não podia apoiar uma organização que não controlava (daí a bula de 1821). A Maçonaria contrariava-se porque eram maçons muitos dos seus dirigentes e porque estes desenvolviam actividades políticas subversivas, violentas, sem mandato, e que a comprometiam, ainda que de forma indirecta.
Certo é que nenhuma sociedade secreta fascinou tanto as multidões sequiosas de liberdade ou de independência política conquistada a lágrimas e sangue, quanto a Maçonaria Florestal ("Carbonária": porque foi fundada por carvoeiros de Hannover). Constituída no último Quartel do Séc. XV, entrou na História, como organização de carácter político, após a Grande Revolução Francesa. Na Itália, adquiriu fama de violenta e sanguinária. Foi introduzida em França por ordem de Napoleão (mas não tardou em converter-se na mais poderosa força oposicionista ao expansionismo do grande corso, lutando contra ele na França, na Áustria, na Espanha e em Portugal).
Em Portugal, o processo de implantação da República foi complexo. A revolução do republicanismo ortodoxo falhou, mas a do republicanismo carbonário triunfou. O movimento carbonário era a expressão de um estrato socioeconómico com características muito diferentes das registadas nos dirigentes do Partido Republicano. Os carbonários eram marujos, soldados e trabalhadores das profissões mais modestas; eram, para a classe média de 1910, a mesma ralé que em 1836 tinha causado a indignação de Herculano. A plebe armada tinha-se revelado uma força que o Exército não conseguira dominar. Tornara-se ameaçadora e perigosa. Teófilo Braga comparou: «[...] a Carbonária entregou a revolução ao Partido com a humildade de um sapateiro dando um par de botas ao freguês». Era o que pensavam os republicanos moderados: as forças populares tinham feito uma revolução que lhes não pertencia, mas ao partido. Por isso, segundo os notáveis da República, o papel do povo tinha ali o seu ponto final. O regime viu-se confrontado, desde a primeira hora, com duas forças contraditórias: uma força de combate sem quadros; quadros partidários sem força de luta.
Francisco Carromeu diz que "Há equívocos na História que tarde ou nunca se esclarecem. E não é verdade que o tempo acabe sempre por trazer a verdade à tona. Há acontecimentos que morrem com os seus protagonistas, há segredos que nunca são revelados, há vontades que se confundem com factos, há factos que só existiram nas memórias de quem os relata e historiadores levados a tomar por boas, informações que não passam de vaidades ou desejos que a história tivesse sido outra. Há ainda um inventário de “verdades feitas” que nem com a demonstração das maiores evidências evita a permanência de teses já consagradas."
"O papel do carbonarismo na História de Portugal é um desses acontecimentos que a História evita. Pelo menos, convive mal com ele." (Francisco Carromeu)
Os republicanos ciosos do seu regime relegaram-nos ao esquecimento. Com receio que vissem à tona as fotografias na confecção de explosivos. Com desdém porque alguns dos seus membros serem conotados com o assassinato do rei e do príncipe real. "A Carbonária Portuguesa tinha feito o 5 de Outubro, mas esse acabou por ser um facto histórico menos relevante do que os actos de Costa e Buíça. Pouco tempo depois da proclamação da República, a Carbonária dissolvia-se, a república consolidava-se e os heróis desses tempos outra coisa já não eram, senão um espectro que a quase todos convinha ignorar. Passou a ser, então, uma organização maldita." (Francisco Carromeu) O termo «Carbonária» imputa-se, em Portugal, uma conotação tão pejorativa que condiciona qualquer análise crítica ao acerco de temas históricos entre o século XIX e as duas primeiras décadas do século XX. "O acto regicida de Manuel Buíça e Alfredo Costa, no dia 1 de Fevereiro de 1908, passou para a história como o acto mais relevante da organização, um crime praticado por carbonários, em circunstâncias nunca esclarecidas completamente, dadas as características de natureza secreta da sua organização e a morte no local dos seus autores."
"Após a implantação da República, feito que à Carbonária Portuguesa se deve inteiramente, todos fizeram os possíveis para dela evitar qualquer alusão. Foi como se todos fizessem um pacto de silêncio. A Carbonária era um nome, cada vez mais incómodo e, tanto os partidos republicanos como a própria Maçonaria Portuguesa optaram por omitir as suas cumplicidades. Para além disso, a própria Carbonária Portuguesa extinguiu-se, quase de imediato e o silêncio acabou por ser definitivo." (Francisco Carromeu)
A Carbonária tornou-se um episódio maldito na História de Portugal. Já não há quem a defenda. E porque era uma sociedade secreta não deixou registos, ficheiros, materiais ou vestigios, o que dificulta a recriação e a ambiência que rodearam os 30.000 iniciados que tinha por alturas do 5.Out. A curta duração temporal da Carbonária Portuguesa e de todas as organizações carbonárias, em Portugal ou na Europa, não legitima que remetamos ao esquecimento o papel do carbonarismo desde a Revolução Francesa até à implantação da República em Portugal.
Porque mais importante do que o espaço temporal em que se afirma como organização é a sua missão e o contexto sócio-cultural de que emerge. Um traço comum a todas as sociedades carbonárias, uma linha que as faz "parceiras de uma mesma viagem, filhas de um mesmo ideal, contemporâneas da mesma época histórica." Nascem na fase romântica de consolidação dos regimes constitucionais, como resposta ao grito de alarme de uma nação quando a sua soberania e unidade estão em perigo e é no povo que tem o seu melhor terreno de recrutamento e implantação. Republicanas por princípio, podem até aceitar a monarquia, na condição de ser constitucional, e são chefiadas por alguém provindo do interior de uma obediência maçónica. Sendo maçons, esses líderes carbonários escolheram uma via maçónica paralela, cismática. O carbonarismo foi o princípio fundador de um dos tipos de organizações mais coerentes do romantismo político. Nacionalista, liberal, popular e adversa a qualquer tipo de imperialismo, a ética carbonária é defensiva por excelência e emergiu sempre sob a forma de sociedades políticas secretas para perservar o que considerava ser os valores elementares das nações que exigiram a sua formação. Conseguido esse objectivo, extinguiu-se porque, como idealistas em guerrilha, nunca teve vocação para se organizar como partido político ou para se constituir em estrutura de loobing.