
Trabalhar com relógio de ponto não é um imperativo! É uma regra. Tão-só. (aparelhozinho mais insignificante e trabalhador que me afastou definitivamente da Administração Pública!)
Estou naquela onda de defender, ferverosamente, o ócio criativo. É um conceito de Domenico De Masi, em livro - que recomendo - sobre a sociedade pós-industrial, o desenvolvimento sem emprego, a globalização, a criatividade e o tempo livre. Partindo da insatisfação com o modelo social centrado na idolatria do trabalho, o sociólogo italiano propõe um novo modelo de sociedade baseado na simultaneidade entre trabalho, estudo e lazer, no qual os indivíduos são educados a privilegiar a satisfação de necessidades radicais, como a introspecção, a amizade, o amor, as actividades lúdicas e a convivência. Segundo De Masi, sendo verdade que o ócio corre o risco de se tornar em violência, neurose, vício e preguiça, é também verdade que se pode elevar para a arte, a criatividade e a liberdade.
Desde Setembro que estou livre dos laços que me ligavam ao Tribunal de Contas! E Deus sabe como isso me tem feito bem. Como me vi medrar! Como me redescobri! Foi enfim provavelmente o maior - ou o primeiro dos ... - acto de lucidez da minha vida! Curiosamente, muitos interpretaram-no como prova de insanidade! Confirmei que é naquele precioso tempo que chamamos de "livre" que mais estamos ocupados. Retidos para pensar, filosofar, explorar qualidades, optimizá-las e exponenciá-las. Por isso Domenico entende que o ócio criativo é uma ferramenta para o aprimoramento, o aperfeiçoamento, pessoal fora do trabalho. Trata-se de uma das mais belas teorias, que nos impele para o reconhecimento da necessidade de nos compormos como indíviduos, de nos recompormos como seres sociais. Como diz Domenico - "A criatividade não é só ideias, é unir fantasias com concretizações". Saber aproveitar o tempo livre é construir um mundo novo à nossa volta, no qual nos arrogamos ao direito de exercitar o corpo e a mente, reencontrarmos os amigos, a família e reinventaremos a colectividade. Sendo o tempo o nosso bem mais precioso é reconfortante pensar que esta, que é uma conversa vulgar, é tema da tese deste professor de Sociologia do Trabalho, Director da Faculdade da Ciência de Comunicação da Universidade "La Sapienza" de Roma. Ao fim e ao cabo, temperamo-nos com a ideia de que também os académicos pensam nisto! O que não admira, porque, entre devaneios de ócio e não ócio, é que nasceu a filosofia! E para quem não perceba que um consultor e um cidadão consciente atinge a sua melhor perfomance se, de vez em quando, parar, passo a explicar, corroborando o professor, porque é que não é de todo inconciliável o ócio criativo com o estudo, o trabalho e a diversão. Antes de mais, isso consegue-se com uma grande paixão pela vida, com um profundo gosto pelo trabalho. É um paradoxo? Não. O que está em causa é o tradicional modelo de trabalho. Conheço imensa gente que desperdiça tempo a fazer coisa nenhuma e que nem sequer estuda, se actualiza, se aperfeiçoa. Ou seja, que são maus profissionais! Quanta gente fica todo o dia no empregozinho falando sobre isto e mais sobre aquilo, jogando no computador, pensando em nada. No fim do dia, até tem créditos no relógio do ponto! Se produziu? Nem sempre. A capacidade de alienação continua a ser um mecanismo de defesa para quem não gosta do que faz, porque não gosta da vida, porque não gosta de si!
Reencaminhando-nos para a filosofia, o momento e o lugar ficam na Grécia, no tempo em que tinha 40 mil habitantes e cerca de 80 grandes génios (Sócrates, Platão, Aristóteles...) É óbvio que se dispara com o argumento de que tal apenas foi possível porque havia escravos à disposição ( 8/pessoa), mas será bom não olvidar que grande parte da força braçal foi substituída pela tecnologia e que o uso de toda a tralha de electrodomésticos e equipamento que existe nas nossas casas equivale ao trabalho de 33 escravos.
Resta o problema de que, com o ócio criativo vem também a introspeção, a meditação, a reflexão, a autocrítica, e há muito boa gente que, ao olhar para dentro, não gosta do que vê. Problema deles. Como diz a Vera "Temos pena!"