segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

“ODIO GLI INDIFFERENTI” - Escuta, Portugal!

Artigo de excepcional qualidade, pela reflexão e pelas ilacções tiradas.
«“ODIO GLI INDIFFERENTI”. A expressão, no original italiano, é de António Gramsci, em texto escrito em 1917. Para o dirigente comunista sardo era impensável a vida humana desligada da sociedade e da necessidade de intervenção cidadã, já que os Homens não podem permanecer estranhos à cidade e demitir-se da cidadania. “A indiferença é o peso morto da história”, dizia, enfatizando o ónus brutal da passividade “daqueles com que não se pode contar”. A indiferença e o absentismo das multidões dá azo, por outro lado, a todo o tipo de maquinações e à possibilidade da manipulação por parte de uns poucos do querer coletivo. Nestas circunstâncias, os Homens deixarão de ser atores para se tornarem meros figurantes de uma trama que não controlam e que inevitavelmente se desenrolará em seu prejuízo. Todos, quem se interessou e quem não quis saber, quem foi ativo e quem se mostrou indiferente, quem lutou e quem não lutou, serão afetados. Será então tarde de mais.
As piores situações da história da humanidade decorreram, segundo um aforismo célebre, “do consentimento de muitos, da convicção de alguns e do assentimento de quase todos”. Mas uma coisa é certa; nunca os indiferentes poderão reclamar inocência. Pelo contrário. Na sua passividade cúmplice, revelar-se-ão os principais culpados das situações de degradação social advindas e serão os verdadeiros carrascos dos que se sacrificaram para as impedir. Isto mesmo já sabia, no século XVI, o filósofo francês Étienne de la Boetie, denunciando a conivência das populações com os regimes tirânicos, a fácil aceitação do que ele denominou “servidão voluntária”. Também nos inícios do século XX, o sociólogo alemão Max Weber afirmava, com notável perspicácia, que “neutro é quem já se decidiu pelo mais forte”.
Como é possível ser “neutro” perante a atual realidade portuguesa? Como é possível não querer saber? Como é possível ser indiferente quando as mais recentes estatísticas oficiais da União Europeia (Eurostat) indicam que um quarto dos cidadãos portugueses vive na pobreza e em situação de exclusão social (25,3%, ou seja 2,7 milhões de pessoas) e a classe média está num processo acelerado de empobrecimento? Como se pode esquecer que o desemprego atinge cerca de um milhão de portugueses e 200 mil já foram forçados a emigrar? Como contemporizar com uma perda brutal do rendimento das famílias portuguesas que, segundo o Instituto Nacional de Estatística, recuou para níveis do início do século XXI? Como aceitar que cerca de meio milhão de crianças tenha perdido o abono de família e que, segundo o mesmo estudo sobre o Índice de Bem-Estar do INE, a percentagem de pessoas com mais de 15 anos a viverem em agregados familiares em que a totalidade dos seus elementos em idade ativa estão desempregados tenha tido um agravamento de 60% nos últimos anos?
Principalmente, como tolerar o que nos revela o Relatório de Ultra Riqueza no Mundo 2013 do banco suíço UBS, segundo o qual, em Portugal, há mais 85 milionários – indivíduos com fortunas superiores a 30 milhões de dólares (perto de 22,4 milhões de euros) – do que em 2012 (correspondendo a um acréscimo de 10,8%) e que os 870 milionários portugueses atualmente existentes detêm, em conjunto, uma fortuna avaliada em 100 mil milhões de dólares (75 mil milhões de euros), valor que representa um aumento de 11,1% em relação a 2012 (Público, 8/11/2013)? Note-se que, segundo este estudo, o crescimento do número de multimilionários em Portugal, um dos países mais flagelados pela crise na Europa, foi maior do que a média europeia (8,7%), sendo o valor das suas fortunas também superior ao da média europeia (10,4%). Como é isto possível?! Como pode tal suceder num país intervencionado pela troika internacional e a braços com uma das piores situações económicas da sua história? Como se podem deixar extremar desta maneira as desigualdades sociais no nosso país? Acusando o atual governo de estar a transformar Portugal num “terreno salgado e estéril”, José Pacheco Pereira dirá mesmo “Pode-se-lhes perdoar tudo, os erros de política, a incompetência, o amiguismo, uma parte da corrupção dos grandes e dos médios, menos isto, este salgar da terra que pisamos, apenas para obter uns ganhos pequeninos no presente e com o custo de enormes estragos no futuro.” (Público, 30/11/2013).
Porque a solidariedade humana e a empatia com os outros se constitui como uma efetiva força moral, no escrito de 1917 anteriormente referido, António Gramsci dirá: “Chi vive veramente non può non essere cittadino, e parteggiare. Indifferenza è abulia, è parassitismo, è vigliaccheria, non è vita. [...] Vivo, sono partigiano. Perciò odio chi non parteggia, odio gli indifferenti.” São verdades que não necessitam de tradução. Verdades antigas, a recordar-nos a famosa máxima do filósofo ateniense Platão, “o castigo para quem não acredita na política e não se interessa por ela é ser governado por gente de pior qualidade”.» - do Hugo Fernandez

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Um Portugal de vampiros: Caçadores, precisam-se, com carácter de urgência!

Eduardo Lourenço alerta para a invasão do País por «uma espécie de vampiros», que controla o sistema inventado pela modernidade, vivendo-se agora um «apocalipse indireto» em «estado de guerra permanente». Se, por um lado, fico triste, por mais este apontamento sobre a actual situação do País que parece ter caído numa espécie de nigredo [a tal noite escura da alma], por outro, vejo aqui uma saída, embora sanguinária, mas, ao menos, certeira de pôr um fim ao melodrama português. Junte-se então uma miscelânea de objetos e circunstâncias específicas (crucifixo, hóstia, fogo, alho, estacas, e sol, q.b., e enfim, balas de prata e muita Bíblia ... ) e façamos deles uso. E lembrei-me, ainda, de uma outra solução, mas essa implicaria que tivéssemos um presidente da república à altura - e isso, é certo e sabido que não o temos! - e que, tal como no filme 'Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros', fosse presidente durante o dia e exterminador de vampiros durante a noite. Acresce que este presidente emergiu como lider, há quase 30 anos, do covil de um braço da elite dos ditos - quem não se lembra da sua surpreendente vitória no XII Congresso do PSD, lá por maio 1985? - pelo que será impossível contar com sua excelência para a "limpeza"! Deixo aqui algumas imagens ilustrativas da eventual "solução final"! E porquê a Biblia? - perguntam os mais distraídos destes assuntos. Basta conhecer aquele pequeno e breve excerto d'"A Carta à Igreja em Laodicéia" (Apocalipse 3:14-22) "Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca." Tal como muitos de nós por aqui temos alertado, o "perigo" vem dos "mornos"! Se os tívéssemos "vomitado" a tempo, não estávamos hoje a ser sugados vampiricamente ... Portugal, é A HORA! 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Por Uma Europa de Pé - A Cidade Condicional

"A Cidade Condicional - Deixando Atenas por Ocidente e cavalgando por vinte séculos, chegamos a Europa, maravilha quieta dos homens cansados.
A cidade foi erigida em pedra, depois arrasada e reconstruída em tijolo, depois novamente destruída e refeita em betão e vidro, pensada para durar e espelhar quem a habita, até ao fim dos tempos ou a extinção da espécie.
Europa é um lugar por exclusão de partes, nada de seu que não tivesse importado ou imitado dos impérios circundantes, das culturas que herdou ou que subjugou pela força e pelo cansaço.
A sua moeda é ambígua, tem uma face que representa o império e outra dedicada às diversas províncias, como se de povos se pudesse inventar um povo.
Os cidadãos desentendem-se em muitas línguas e são-lhes dadas palavras vagas e fracas como uma desistência. Ninguém pensa com as palavras de Europa, porque não servem para o íntimo, e os amantes não as trocam, porque não servem para o amor, e os loucos não as gritam, porque são palavras que não voam.
A cidade trabalha como um prisma do avesso, uma mistura de muitas cores que resulta em cinzento. Os prédios, as vestes, as músicas tocadas em algumas esquinas a certas horas, são pardas de cor e de textura, como algo que permaneceu demasiado tempo no bolso de umas calças e já não se distingue. Morre-se muito nesse cinza-Europa, e pode um homem desaparecer apenas porque deixou de ser visto.
Ali, os verbos futuros duram o tempo de uma queda. O passado engole a gente e os sonhos, o sol que nasce parece gasto de outras cidades mais vivas, é um sol de ontem, que não deixa ver nada de novo.
Assim é Europa, mas não tem de ser assim.
Há homens secretos a rir pelos buracos da cidade. Há rachas nos muros, nas paredes, no asfalto do império. Surgem poemas no tecido coçado dos assentos dos autocarros. Versos brutos de coisas brutas e antigas, de pão e vermelho vivo, de dor e ar e boca.
A seriedade, o peso, a história da cidade criaram uma casta de homens que são sombras e anjos, filhos de putas e de deuses distraídos.  
Em algum momento hão-de juntar-se os doidos e votar moções de nuvem, eleger pássaros, escolher as leis do acaso, formas governos de um dia e presidentes de um salto.
Hão-de os bancos comprar cantos e assobios, as pastas negras transportar berlindes e piões, as gravatas atadas em cordas de saltar e os decretos transformados em aviões de papel.
E Europa há-de ser outra coisa, que rebentemos todos se não for outra coisa.
Já nos cansa a nona de Beethoven. Não se canta uma alegria afinada pela fome.
Enfiem as doze estrelas num sítio onde faça muito escuro. Queremos mais cor, e menos bandeiras.
Queremos as coisas primeiras, comer com as mãos e semear o que sobrar nos dedos.
E um dia, isto ainda há-de ser outra coisa. Que rebentemos todos se não for outra coisa." Nuno Camarneiro

O desdém pelo Estado de Direito [do Governo de Passos Coelho] demonstrado pelas sucessivas inconstitucionalidades dos seus presentes envenenados...

E como há factos que falam por si [a foto também já que representa os presentes envenenados do Governo vigente], aqui fica um "365 forte" sobre "Uma fundamental inaptidão", nas palavras do David Crisóstomo
"À hora a que escrevo isto ainda não houve reacção do JSD. Ou do PSD. Ou melhor, houve, "O PSD aguarda com serenidade a divulgação do acórdão para proceder à sua análise". Aguardam serenamente. Mas passadas 11 horas da divulgação do acórdão do Tribunal Constitucional que declara ilegal a proposta de referendo à co-adoção e à adoção por casais do mesmo sexo ainda nenhum dos 103 deputados que a aprovaram se tinha dignado a comentá-lo. Nem nenhum dos porta-vozes do PSD ou da JSD. Mas, e principalmente, nenhum dos sete deputados que propuseram que se interrompesse um processo legislativo em curso para a realização de um referendo reagiu. Joana Barata Lopes, Duarte Marques, Cristóvão Simão Ribeiro, André Pardal, Cláudia Monteiro de Aguiar, Bruno Coimbra e Hugo Soares. O que contrasta com a atitude que tiveram neste último mês, onde forçaram a aprovação do referendo e andaram as semanas seguintes a justificá-lo. E onde o deputado Hugo Soares se revelou ao país. Onde revelou que acha que as "quatro paredes da Assembleia da República" não servem para discutir determinados assuntos; onde revelou que por vezes não se sente mandatado para exercer o seu mandato enquanto deputado eleito; onde revelou que achou que o trabalho feito na especialidade pelos seus colegas parlamentares, incluindo os do seu partido, podia perfeitamente ser desprezado; onde revelou que não tinha uma posição, uma opinião firmada e fundamentada sobre a temática a referendar, que esta podia variar "se a sociedade estiver preparada"; onde revelou que via como "fundamentalistas" aqueles que alegavam que estávamos perante uma questão de direitos humanos; onde revelou que, segundo a sua magna visão deste mundo, "todos os direitos das pessoas podem ser referendados".
O Tribunal Constitucional não fechou a porta à realização do referendo com uma das duas perguntas. A decisão baseia-se nos aspectos "formais" da resolução aprovada pela Assembleia da República: a inclusão de duas perguntas sobre matérias distintas, que os juízes consideraram que poderia levar "à contaminação recíproca das respostas, não garantindo uma pronúncia referendária genuína e esclarecida", e a exclusão dos cidadãos portugueses que se encontram recenseados nos círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa, que o tribunal considerou que "os direitos e princípios constitucionais, como o da igualdade (artigo 13º), que possam ser convocados para admitir ou rejeitar a possibilidade de coadoção e (ou) adoção conjunta por casais ou unidos de facto do mesmo sexo, é um domínio material que lhes interessa especialmente". Os deputados da JSD poderão facilmente corrigir esta discriminação (deduzo eu) e escolher uma das perguntas para voltar a submeter ao plenário da Assembleia da República Portuguesa. Não é de excluir que o façam, não é de excluir que insistam em voltar a demonstrar a sua tacanha capacidade de pensamento, a sua deprimente capacidade de argumentação, a vergonhosa facilidade com que brincam com a protecção legal de famílias concretas, de crianças concretas. 
Chegámos à 10º inconstitucionaldiade de um diploma aprovado por esta maioria parlamentar. E o pior? Perceber que o desdém com que tratam o cumprimento da lei, o Estado de Direito, ainda não chegou ao fim... 
4 de Abril de 2012 - É declarada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 2.º do Decreto n.º 37/XII da Assembleia da República - o diploma que criminalizava do enriquecimento ilícito. Ficou determinado que estariam a ser violados os princípios da presunção da inocência e da determinabilidade do tipo legal. 
5 de Julho de 2012 -  É declarada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro - o Orçamento de Estado para 2012. Ficou determinado que a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e aposentados violava o princípio da igualdade. 
5 de Abril de 2013 - É declarada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 29.º, 31.º, 77.º e do 177.º, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro - o Orçamento de Estado para 2013. Ficou determinado que a suspensão do subsídio de férias dos funcionários públicos, a redução de salários estendida à docência e investigação, a redução do subsídio de férias dos pensionistas e a contribuição dos subsídios de desemprego e doença violavam os princípios da igualdade e da proporcionalidade. 
24 de Abril de 2013 - É declarada a inconstitucionalidade da norma constante da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 8.º, conjugada com as normas dos artigos 4.º e 5.º, todos do Anexo ao Decreto n.º128/XII - o diploma que criava o Tribunal Arbitral do Desporto. Ficou determinado que estaria a ser violado o direito de acesso aos tribunais e o principio da tutela jurisdicional efetiva.
28 de Maio de 2013 - É declarada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1, alínea c) do Decreto n.º 132/XII, das normas constantes dos artigos 2.º, 3.º, 63.º, n.ºs 1, 2 e 4, 64.º, n.ºs 1 a 3, 65.º e 89.º a 93.º do Anexo I ao mesmo decreto, das disposições normativas constantes dos anexos II e III do mesmo Decreto, dos artigos 25.º, n.º 1, alínea k) e primeira parte do n.º 2 do artigo 100.º, conjugadas com as normas dos artigos 101.º, 102.º, 103.º, n.º 1, e 107.º e, consequentemente, dos artigos 104.º a 106.º e 108.º a 110.º, todos do Anexo I ao Decreto 132/XII, e  do artigo 1.º do Decreto n.º 136/XII - dois diplomas: um que estabelecia o estatuto das comunidades intermunicipais e a transferência de competências do Estado para as autarquias locais e um outro que consagrava as revogações necessárias para a proposta entrar em vigor. Ficou determinado que estaria a ser violada a divisão administrativa do poder local consagrada constitucionalmente e a proibição de órgãos de soberania, de região autónoma ou de poder local poderem delegar os seus poderes noutros órgãos em situações não previstas na constituição e na lei.
29 de Agosto de 2013 - É declarada a inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 2 do artigo 18.º, enquanto conjugada com a segunda, terceira e quarta partes do disposto no n.º 2 do artigo 4.º, do n.º 1 do artigo 4.º e da alínea b) do artigo 47.º do Decreto n.º 177/XII - o diploma que estabelecia o regime da requalificação dos funcionários públicos. Ficou determinado que estariam a ser violados os princípios da tutela da confiança e da proporcionalidade, assim como a garantia da segurança no emprego.
26 de Setembro de 2013 - É declarada a inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 2 e n.º 4 do artigo 368.º, do n.º 2 do artigo 9.º e do n.º 2, n.º3 e n.º5 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com a redacção dada pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho - o Código do Trabalho (com a alteração de Junho). Ficou determinado que estaria a ser violada a proibição de despedimentos sem justa causa, assim como os direitos das associações sindicais e o principio de que os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
20 de Novembro de 2013 -  É declarada a inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 8.º, conjugadas com as normas dos artigos 4.º e 5.º, do Anexo da Lei n.º 74/2013 - o diploma que criava o Tribunal Arbitral do Desporto. Ficou determinado que estaria a ser violado o direito de acesso aos tribunais, em articulação com o princípio da proporcionalidade, e o principio da tutela jurisdicional efetiva.
19 de Dezembro de 2013 -  É declarada a inconstitucionalidade das normas constantes d das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII - o diploma que estabelecia um novo regime de convergência de pensões da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social. Ficou determinado que estaria a ser violado o princípio da confiança, "ínsito no princípio do Estado de direito democrático".
19 de Fevereiro de 2014 - É declarada a inconstitucionalidade da proposta de realização de referendo aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 6-A/2014, o Projecto de Resolução 857/XIII - o referendo sobre a possibilidade de co-adoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo e sobre a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo, casados ou unidos de facto. Ficou determinado que estaria a ser violada a exigência legal de que "cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas com objectividade, clareza e precisão" e que os assuntos propostos a referendo "justificariam a abertura do referendo ao universo eleitoral" que abrangesse todos os cidadãos portugueses recenseados."

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Do Património como Construção do Futuro - Sentido e Significado - CARTA DO CHEFE ÍNDIO SEATTLE AO GRANDE CHEFE DE WASHINGTON


«Do Património como Construção do Futuro - Sentido e Significado - CARTA DO CHEFE ÍNDIO SEATTLE AO GRANDE CHEFE DE WASHINGTON - "O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também a sua amizade e benevolência. Isto é gentil da sua parte, pois sabemos que ele não precisa da nossa amizade.
Vamos, porém, pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano.
As minhas palavras são como as estrelas - elas não empalidecem.
Como podereis comprar ou vender o céu? Como podereis comprar ou vender o calor da terra? A ideia parece-nos estranha. Se a frescura do ar e o murmúrio da água não nos pertencem, como poderemos vendê-los?
Para o meu povo, não há um pedaço desta terra que não seja sagrado. Cada agulha de pinheiro cintilante, cada rio arenoso, cada bruma ligeira no meio dos nossos bosques sombrios são sagrados para os olhos e memória do meu povo.
A seiva que corre na árvore transporta nela a memória dos Peles-Vermelhas, cada clareira e cada insecto que zumbe é sagrado para a memória e para a consciência do meu povo. Fazemos parte da terra e ela faz parte de nós. Esta água cintilante que desce dos ribeiros e dos rios não é apenas água; é o sangue dos nossos antepassados.
Os mortos do homem branco esquecem a sua terra quando começam a viagem através das estrelas. Os nossos mortos, pelo contrário, nunca se afastam da Terra que é Mãe. Fazemos parte dela. E a flor perfumada, o veado, o cavalo e a águia majestosa são nossos irmãos.
As encostas escarpadas, os prados húmidos, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos pertencem à mesma família. Se vendermos esta terra, não ireis, decerto, ensinar aos vossos filhos que ela é sagrada. Como poderei dizer-vos que o murmúrio da água é a voz do pai do meu pai…
Também os rios são nossos irmãos porque nos libertam da sede, arrastam as nossas canoas, trazem até nós os peixes… E, além do mais, cada reflexo nas claras águas dos nossos lagos relata histórias e memórias da vida das nossas gentes. Sim, Grande Chefe de Washington, os nossos rios são nossos irmãos e saciam a nossa sede, levam as nossas canoas e alimentam os nossos filhos.
Se vos vendêssemos a nossa terra, teríeis de recordar e de ensinar aos vossos filhos que os rios são nossos irmãos e também seus. E é por isso que eles devem tratá-los com a mesma doçura com que se trata um irmão. Sabemos que o homem branco não percebe a nossa maneira de ser. Para ele um pedaço de terra é igual a um outro pedaço de terra, pois não a vê como irmã mas como inimiga. Depois de ela ser sua, despreza-a e segue o seu caminho.
Deixa para trás a campa dos seus pais sem se importar. Sequestra a vida dos seus filhos e também não se importa. Não lhe interessa a campa dos seus antepassados nem o património dos seus filhos esquecidos. Trata a sua Mãe-Terra e o seu Irmão-Firmamento como objectos que se compram, se exploram e se vendem tal como ovelhas ou contas coloridas. O seu apetite devora a terra, deixando atrás de si um completo deserto.
Não consigo entender. As vossas cidades ferem os olhos do homem pele-vermelha. Talvez seja porque somos selvagens e não podemos compreender. Não há um único lugar tranquilo nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desenrolar das folhas ou o rumor das asas de um insecto na Primavera.
O barulho da cidade é um insulto para o ouvido. E eu pergunto-me: que tipo de vida tem o homem que não é capaz de escutar o grito solitário de uma garça ou o diálogo nocturno das rãs em redor de uma lagoa? Sou um pele-vermelha e não consigo entender. Nós preferimos o suave murmúrio do vento sobre a superfície de um lago, e o odor deste mesmo vento purificado pela chuva do meio-dia ou perfumado com o aroma dos pinheiros.
Quando o último pele-vermelha tiver desaparecido desta terra, quando a sua sombra não for mais do que uma lembrança, como a de uma nuvem que passa pela pradaria, mesmo então estes ribeiros e estes bosques estarão povoados pelo espírito do meu povo. Porque nós amamos esta terra como uma criança ama o bater do coração da sua mãe.
Se decidisse aceitar a vossa oferta, teria de vos sujeitar a uma condição: que o homem branco considere os animais desta terra como irmãos.
Sou selvagem e não compreendo outra forma de vida. Tenho visto milhares de búfalos a apodrecer, abandonados nas pradarias, mortos a tiro pelo homem branco que dispara de um comboio que passa. Sou selvagem e não compreendo como uma máquina fumegante pode ser mais importante que o búfalo, que apenas matamos para sobreviver.
Tudo o que acontece aos animais acontecerá também ao homem. Todas as coisas estão ligadas. Se tudo desaparecer, o homem pode morrer numa grande solidão espiritual. Todas as coisas se interligam. Ensinai aos vossos filhos o que nós ensinamos aos nossos sobre a terra: que a Terra é nossa Mãe e que tudo o que lhe acontece a nós acontece aos filhos da terra.
Se o homem cuspir na terra, cospe em si mesmo. Sabemos que a terra não pertence ao homem, mas que é o homem que pertence à terra. Os desígnios terrenos são misteriosos para nós. Não compreendemos porque os bisontes são todos massacrados, porque são domesticados os cavalos selvagens, nem por que os lugares mais secretos dos bosques estão impregnados do cheiro dos homens, nem porque a vista das belas colinas está guardada pelos “fios que falam”.
Talvez um dia sejamos irmãos. Logo veremos. Mas estamos certos de uma coisa que talvez o homem branco descubra um dia: o nosso Deus é um mesmo Deus. Agora podeis pensar que Ele vos pertence, da mesma forma que acreditais que as nossas terras vos pertencem. Mas não é assim. Ele é o Deus de todos os homens e a sua compaixão alcança por igual o pele-vermelha e o homem branco.
Esta terra tem um valor inestimável para Ele e maltratá-la pode provocar a ira do Criador. O que é feito dos bosques profundos? Desapareceram. O que é feito da grande águia? Desapareceu também. Mas o homem não teceu a trama da vida: isto sabemos. Ele é apenas um fio dessa trama. E o que lhe faz, fá-lo a si mesmo.
Também os brancos se extinguirão, talvez antes das outras tribos. O homem não teceu a rede da vida. É apenas um fio e está a desafiar a desgraça se ousar destruir essa rede. Tudo está relacionado entre si como o sangue de uma família. E, se sujardes o vosso leito, uma noite morrereis sufocados pelos vossos excrementos. Assim se acaba a vida e só nos restará a possibilidade de tentar sobreviver."» Carta do Chefe Índio Seattle ao Grande Chefe de Washington, Franklin Pierce, em 1854, em resposta à proposta do Governo norte-americano de comprar grande parte das terras da sua tribo Duwamish, em troca da concessão de uma reserva.

Joaquim Vieira, lido na Antena 1 - «É um país descalibrado, onde manda muita gente sem calibre.»


Texto de Joaquim Vieira, lido na Antena 1
«É um país descalibrado, onde manda muita gente sem calibre.
Há um país onde a lei diz que todos são iguais, mas onde há uns menos iguais do que os outros.
Estes ajudaram a erguer o país, e muitos até foram à guerra 
em nome desse mesmo país.
Mas agora são gente pacífica, de físico debilitado e cujas vozes não chegam ao céu.
Não ameaçam ninguém, não paralisam o trabalho e já não cumprem os padrões de produtividade exigidos.
Adoecem mais do que os outros, e são considerados um fardo para a sociedade pelo que custam em tratamentos.
Não trabalham para pagar o que gastam, embora já antes tivessem trabalhado para pagar o que recebem.
O poder político desse país entende que vivem acima das suas possibilidades e que por isso são uma dor de cabeça.
Acha mesmo que seria mais fácil governar se eles não existissem.
Conclui assim pela sua inutilidade, que estão a mais, que são descartáveis.
Não se importa de lhes dificultar o acesso à saúde, porque é indiferente que morram mais cedo.
Talvez seja até preferível, porque morrendo mais cedo ajudam a melhorar o exercício orçamental.
Sendo alvos fáceis e dóceis, sem capacidade contestatária e sem instrumentos de pressão, nada custa retirar-lhes direitos e regalias antes julgados vitalícios.
Sendo solidários e ajudando os familiares mais carenciados, não recebem em troca a solidariedade dos poderes públicos.
Pelo contrário, são os primeiros na linha de fogo, e quando o poder sente alguma aflição financeira é a eles, e muitas vezes só a eles, que começa por retirar as verbas necessárias.
Mesmo que a suprema autoridade judicial se interponha, declarando ilegal tal prática, os governantes não se sentem na obrigação de acatar a restrição, antes a contornam e insistem no mesmo.
E insistem retirando-lhes ainda mais verbas, e retirando a mais vítimas do que antes tinham feito.
Não dizem que aumentam o confisco, mas que estão a recalibrar.
Dizem também que não é um imposto, quando tem toda a forma de um imposto – e um imposto agravado.
Um imposto que se aplica apenas ao tal grupo, e não a todos os contribuintes do país.
Esse grupo são os velhos, e o país, onde não há lugar para velhos, chama-se Portugal.
É um país descalibrado, onde manda muita gente sem calibre.»

Ainda a Lei n.º 64/2013, de 27 de Agosto - ou "o segredo dos deuses"!

E porque me o pedem aqui vai mais um apontamento sobre a já famigerada Lei n.º 64/2013, de 27 de Agosto. Estas benesses escolhem sempre a silly season para "nascer". Trata-se de um autêntico escudo, feito armadura, contra o escrutínio público dos privilégios dos políticos, ex-políticos e de alguns juízes. Chamemos-lhe um “golpe de estado de segredo”! As tão faladas "pensões de luxo" atribuídas aos ex-políticos (ex-deputados, ex-Presidentes da República, ex-ministros e ex-primeiros-ministros, ex-governadores de Macau, ex-ministros da República, das Regiões Autónomas e ex-membros do Conselho de Estado) e os ex-juízes do tribunal constitucional, ficam a coberto dos olhares indiscretos do povo português que desconhecerá quem são e quanto recebem financeiramente do erário público e do orçamento geral de estado estes precioso espécimes. Podem até mesmo decidir, discretamente, entre eles a atribuição a si mesmos dos benefícios, regalias, subsídios ou outras mordomias, sem que o povinho tope a manobra. Ficou, assim, instituída uma qualidade superior de sujeitos de uma classe privilegiada isenta do escrutínio público. Carinhosamente dispensados pelo sistema que eles próprios criaram de revelar as fontes, as origens e a natureza dos seus rendimentos de proveniência pública! Há que manter na privacidade o que é público?! Sei lá porquê veio-me à baila o Código Penal, e constato, assim de repente, umas antipáticas (para o povo, claro) analogias com semelhantes comportamentos e condutas nos artigos 308.º e 375.º, respectivamente o crime de "Traição à Pátria" por abuso de órgão de soberania e o crime de "Peculato". Mas isto sou eu, que tenho mau feitio! “Nem sempre galinha nem sempre rainha”, já dizia D. João V. Quanto à República, triste da pobre, em que a delinquência de alguns, estrategicamente colocados nos seus púlpitos dourados, já está devidamente a coberto da lei e longe dos olhares dos "profanos"! AM

Os velhos: não é possível exterminá-los? - a visão de Pacheco Pereira


«Eu gostaria muito de escrever artigos racionais, ponderados, que merecessem uma aura académica e sensata, que unissem em vez de dividir, que me permitissem ter a minha quota de lugares, prémios e prebendas, mas estou condenado, nestes tempos, a escrever cada vez mais panfletos. Acontece. Isto do imperativo categórico, como Kant sabia, é uma maçada.
Isso deve-se ao facto de não querer ter nenhuma falinha mansa, daquelas que enchem o balofo da nossa política de mútuos cumprimentos e salamaleques, com gente que se mostra impiedosa por indiferença, hostil com os fracos que estão do lado errado da “economia”, subserviente com os fortes, capaz de usar todos os argumentos para dividir, se daí vier alguma pequena folga para as suas costas.
Tenho dito e vou repetir: a herança que estes dois anos de “Governo” Passos Coelho-Portas-troika vai deixar ultrapassará muito o seu tempo de vida como governantes. Se não for antes, em 2015, passarão à história como um epifenómeno dos tempos da crise e sobreviverão incrustados nos partidos de onde lhes vem o poder, como um fungo que não se consegue limpar. Vão continuar a estragar muita coisa, mas a própria lógica de onde vieram os substituirá por outros mais ou menos maus. A maldição portuguesa é esta. Aquilo que mais precisamos, não temos.
Mas, mesmo que desapareçam como as figuras menores que realmente são, vão deixar estragos muito profundos no tecido já de si muito frágil da nossa vida colectiva, cavando fundo divisões e conflitos, destruindo o pouco de humanidade social que algum bem-estar tinha permitido. Eles estão, como as tropas romanas, a fazer no seu Cartago, infelizmente no nosso Portugal, o terreno salgado e estéril. Pode-se-lhes perdoar tudo, os erros de política, a incompetência, o amiguismo, uma parte da corrupção dos grandes e dos médios, menos isto, este salgar da terra que pisamos, apenas para obter uns ganhos pequeninos no presente e com o custo de enormes estragos no futuro.
Um exemplo avulta nos últimos dias, que já vem de trás, mas que ganha uma nova dimensão: o ataque aos velhos por serem velhos, uma irritação com o facto de haver tanta gente que permanece como um ónus para o erário público apesar de já não ser “produtiva”, de não ter saída no “mercado do trabalho”, de estar “gasta”. De ministros que não leram Camões e nem sequer sabem quem são os “velhos do Restelo”, a gente que pulula nesse novo contínuo dos partidos e do Estado que são os blogues, a umas agências de comunicação que são as Tecnoforma dos dias de hoje, boys e empregados de todos os poderes para fazerem na Internet e nos jornais o sale boulot, todos, de uma maneira ou de outra, atacam os velhos, por serem velhos. Numa sociedade envelhecida, isso significa atacar a maioria dos portugueses, em nome de uma ideia de juventude “empreendedora”, capaz de fazer uma empresa do nada só com “ideias”, “inovação” e design, sem os vícios do “passado”, capaz de singrar na vida sem “direitos adquiridos”, nem solidariedade social, imagem que tem o pequeno problema de ser tão mitológica como a Fada dos Dentinhos.
Grande parte do ataque a Mário Soares e a muitos que estiveram na Aula Magna foi feito em nome de eles serem “velhos”, logo senis. Nem sequer é por implicação, é dito com clareza, com o mesmo tipo de “argumentos” com que os soviéticos enviavam os dissidentes para os asilos psiquiátricos porque quem estivesse no uso normal das suas faculdades não podia deixar de ser comunista. Aqui é o mesmo: só pode ser senil quem duvidar da bondade das medidas do Governo, apresentadas como sendo a realidade pura, inescapável, inevitável. Como pode estar bom da cabeça quem coloca em causa a versão em “economês” da lei da gravidade? Só um louco. E se for velho, é-se senil, ultrapassado, antiquado, mesquinho, por definição. Não há outra maneira de explicar que haja velhos com tantas ideias “erradas” sobre a bondade do nosso “ajustamento” e que sejam empecilhos para os “jovens” brilhantes que o aplicam com vigor e sem vergonha.
Muito do discurso contra os velhos, que começa, em bom rigor, cada vez mais cedo, quando se perde o emprego e se fica “gasto” para o mercado de trabalho, é um discurso que pretende ser utilitário no plano político, e é isso que o torna moralmente desprezível. Destina-se a justificar o violento ataque a reformas e pensões, a gente que trabalhou a vida toda, e que ainda tem memória do que custou obter esses malfadados “direitos”, resultado de “contratos” de “confiança” com o estado, tudo coisas de velhos que estão a “roubar” aos mais novos do seu futuro. Estão a mais. E se eles não percebem que estão a mais a gente vai mostrar-lhes pelo vilipêndio e pelo saque que já há muito deveriam ter desaparecido.
Muita coisa tem hoje a ver com esta demonização da idade. Um caso entre muitos, é o que se está a passar com o despedimento colectivo dos trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo. Nem sequer discuto se a empresa tinha que encerrar ou não, porque a partir de um certo nível de dolo e degradação da linguagem esse não é o primeiro problema. Podia ser, mas com esta gente não é, porque, ao fazerem as coisas como fazem, sempre obcecados em enganar-nos, merecem que contra eles se volte tudo, o discurso empolgado dos “navegadores” e a retórica do “mar”, ao mesmo tempo que se fecha o único estaleiro que sobrava, a disparidade de não querer pagar 180 milhões de euros, enquanto se aumenta a taxa para a RTP, que recebe todos os anos muito mais do que isso, a displicência com que se apresenta como grande vitória, mais de 600 despedimentos.
Acresce a soma de mentiras habituais: que 400 trabalhadores vão ser reintegrados (afinal não há nenhuma garantia), que vão ser pagas as devidas indemnizações (afinal parece que só a parte deles), que vai continuar a construção naval (quando não custa perceber que o que a Martifer vai fazer não são navios). O que vai acontecer é um enorme despedimento colectivo feito pelo Estado, o encerramento dos estaleiros à construção naval, o preço de saldo para a Martifer após o Estado, como no BPN, pagar todos os custos. E, na vaguíssima hipótese de alguns trabalhadores serem empregados na nova empresa, serão sempre poucos, com salários mais baixos, com uma folha de antiguidade a zero, e ficarão de fora os mais velhos e os mais reivindicativos. Alguém vai contratar um membro da comissão de trabalhadores, mesmo que seja um excelente soldador? Como muita da mão-de-obra dos estaleiros já tem uma certa idade – os velhos começam a ser velhos aos quarenta –, está-se mesmo a ver a sua “empregabilidade”.
Não custa fazer o discurso politicamente correcto de que a “esquerda não tem o monopólio da sensibilidade social” (e não tem), nem dizer aqueles rodriguinhos do costume do género “que bem sabemos como os portugueses estão a sofrer”, ou que “nenhum Governo gosta de tomar estas medidas”, ou elogiar os portugueses pelo seu papel “decisivo” no sucesso da aplicação do “ajustamento”, etc., etc. Na verdade, estou farto de exibições de confrangimento público e exercícios de “preocupação social”, já não posso ver a hipocrisia de Passos Coelho e de Aguiar Branco, ao lado do exibicionismo pavoneado dos soundbites de Portas.
Swift escreveu em 1729 uma sátira sobre a pobreza na Irlanda chamada Uma modesta proposta para evitar que as crianças dos pobres irlandeses sejam um fardo para os seus pais e o seu país e para as tornar um benefício público. Aconselhava os pobres a comerem os filhos, como meio de combater a fome, “grelhados, fritos, cozidos, guisados ou fervidos”. Na verdade, quando se assiste a este ataque à condição de se ser mais velho – um aborrecimento porque exige pagar reformas e pensões, faz uma pressão indevida sobre o sistema nacional de saúde, e, ainda por cima, protestam e são irreverentes –, podia avançar-se para uma solução mais simples. Para além de os insultar, de lhes retirar rendimentos, de lhes dificultar tudo, desde a obrigação de andar de repartição em repartição em filas para obter papéis que lhes permitam evitar pagar rendas de casa exorbitantes, até ao preço dos medicamentos, para além de lhes estarem a dizer todos os dias que ocupam um espaço indevido nesta sociedade, impedindo os mais jovens de singrarem na maravilhosa economia dos “empreendedores” e da “inovação”, será que não seria possível ir um pouco mais longe e “ajustá-los”, ou seja, exterminá-los?»

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Um Inferno negro - A Primavera tem de ser de papoilas


Vamos assistindo a um suposto cenário de guerra num alegado tempo de paz. E não se fala de resistência - vocábulo  dos velhos tempos que foi tomado de assalto pela "abstenção violenta" - nem se fala de quem lute contra a ocupação do País pelas "forças democráticas" legitimamente postas no poder - prefere-se a "progressão neutral" que cede à pressão do poder pelo poder. Mas há ainda quem fale de luta, sem pensar nesta ou naquela força partidária, somente aquela luta pura que se impõe hoje, como se impõe sempre, em todos os tempos e em todos os lugares. A luta que visa apenas a sobrevivência da Liberdade. Se existe um código de luta? Não. Tal como não existe um código de Liberdade. Os grandes dilemas existencialistas da Liberdade, porém, estão aqui e agora bem presentes: a necessidade de sobreviver, a revolta e a mentira. 'Todos somos responsáveis por tudo perante todos', disse Dostoievski. E a maior responsabilidade é a da inacção e a da inércia. Existe ainda quem pense que a desgraça ainda "só" chegou à casa dos outros e que ainda não chegou à sua. Engano desses: a desgraça de um é a de todos, e quando chega ao outro já chega a nós. Não há mansidão nem brandos costumes que legitimem os braços cruzados, ao menos tenhamos a decência e a civilidade de os levantar e dizer Não! Sei que murcharam os cravos! Sei que murcharam as rosas! É tempo de cultivar campos de papoilas! AM

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Do papel do Iniciador e do Iniciado - Rémi Boyer


«A primeira função das sociedades iniciáticas consiste em acompanhar o demandador até à zona de Silêncio, onde se desenvolve o Ser e a Consciência não-dual. Devem ajudá-lo a encontrar o acesso ao Infinito, o Ponto de Vazio de certas tradições, que, de certa forma, evoca o Ponto Sublime de André Breton e dos Surrealistas, ou o lugar do Ser, o lugar do Coração, do cavaleiro André Michael de Ramsay. Esse Ponto é também “a Fina ponta da alma”, de Mestre Eckhart; o “Lugar de Deus” que vê o noûs descer no Coração, dos hesicastas bem como dos saint-martinianos; “o ponto sem medida”, do sistema shivaíta Trika. Esse “Lugar de Deus” em nós é também a “Câmara do Meio”, dos Maçons, é o acesso à “Câmara Alta”. Com efeito, ao Meio-dia como à Meia-noite, o Mestre Maçom está inscrito no eixo, no Silêncio do Ser, fora das representações pessoais.
Do “ponto de vista” dual, o Ponto de Vazio torna-se o Ponto de encantamento; do “ponto de vista” não-dual, é o Ponto de junção das realidades ou dos mundos. É o Ponto a partir do qual se desenvolve a temporalidade, o juízo, o movimento, as periferias formais cada vez mais densas, condicionadas e alienantes na medida do seu afastamento do eixo do Ser, rumo a uma dualidade bruta e brutal. Na Consciência dual, criadora dos mundos limitados, reina o ter e o fazer. As formas são estruturadas segundo a acção constante do triângulo arcaico Poder-Território-Reprodução. Por reprodução, entendemos não só a reprodução sexual, como também a replicação das formas, mas, sobretudo, a replicação idêntica do eu, do ego, da “pessoa”.
Esta viagem, que passa pelo País do Silêncio, o País da “Imaculada Conceição”, rumo ao Quinto Império da Tradição lusa – onde reina o Rei Encoberto, o Si, o Império do Espírito Santo, ou seja, do Espírito Livre – é efectivamente uma viagem de Regresso. É a viagem de Ulisses, protótipo do Iniciado, que regressa a Ítaca. É a Recordação de Hermes, a Reintegração de Martines de Pasqually, o Reconhecimento de Abinavagupta e do Shivaísmo não-dual de Caxemira.
Para deixar de ser ludibriado, o demandador deverá ser capaz de reconhecer as potências arcaicas condicionantes e condicionadas que actuam no seio da “pessoa”, revertendo-as e inscrevendo-as numa nova verticalidade, evocada por inúmeros símbolos tradicionais. Este processo iniciático fá-lo-á passar necessariamente da imitatio à inventio, ou, ainda, da Iniciação na Cidade à Iniciação no Jardim.
Note-se que a distinção que parece insinuar-se de um lado e do outro da zona de Silêncio é imposta pela linguagem; logo, é de natureza dualista e não pode, por isso, dar-nos a percepção da realidade. No Real, o Si e a “pessoa” confundem-se; o Simples e o hipercomplexo, o Um e o múltiplo, o Silêncio e o ruído, o Infinito e o limitado, a Imobilidade e o movimento, o Não-dual e o dual, são e não são perfeitamente idênticos. A vida aparece como uma celebração (e também como magia, como reencantamento) dual no seio da consciência não-dual.» Rémi Boyer, in O Discurso de Sintra, Zéfiro & Arcano Zero, Sintra, 2011.

A mulher na Idade Média, à luz do Direito de antanho


O PAPEL DO HOMEM E DA MULHER NA IDADE MÉDIA - as leis que norteavam a época eram bem diversas daquelas que inicialmente poderíamos supor. E isto porquê? Porque: • O casamento dos sacerdotes era admitido até ao século XI; • A herança das mulheres e crianças era legal até ao século XIV; • A maioridade acontecia aos catorze anos até ao século XVI; • E, por último, a esposa, ao conservar o seu nome próprio até ao século XVI, engendrou liberdades que foram de seguida ferozmente reprimidas. 
A célebre Lei Sálica que proibia as mulheres de reinarem, só foi introduzida no século XlV. Até então, a mulher medieval, tal como a mulher celta, podia suceder ao marido e tomar conta do feudo após a morte dele. Foi Filipe o Belo, “carrasco” dos templários, o primeiro a decretar uma lei que visava afastar a mulher da sucessão ao trono. 
É um facto que durante a Idade Média muitos casamentos eram fabricados desde o berço. Contudo, quer se tratasse de rapaz ou rapariga, não havia discriminação sexual. Ambos podiam ser vítimas desse tipo de situação. 
No tempo de Luís IX de França (1214-1270), o rei que exercia a justiça debaixo de um carvalho (como os celtas), há exemplos de mulheres que votavam como os homens nas assembleias urbanas ou rurais, exactamente como faziam os celtas da Gália antes da conquista romana.
Durante a Idade Média, o ensino das crianças era ministrado quer por religiosos quer por laicos, quer por homens quer por mulheres, e indistintamente às raparigas e aos rapazes nas mesmas escolas. Só a partir do século XVI é que apareceu a ideia segundo a qual as raparigas não tinham necessidade de saber ler nem escrever. Foi também no século XVI que reapareceu a escravatura, após ter sido abolida no século V." in "TEMPLÁRIOS, Vol. 3 - A Perseguição e a Política de Sigilo de Portugal: a Missão Marítima", Eduardo Amarante

"A sociedade portuguesa avançou um novo passo para a abjecção." - Vasco Pulido Valente


Vasco Pulido Valente considera que "A sociedade portuguesa avançou um novo passo para a abjecção."

«Nunca pensei em ser polícia. Agora, o governo quer fazer de mim um polícia (ainda por cima à paisana) e também um denunciante.
O processo não é complicado. Quem pedir sempre a factura a quem lhe vende um café, um bife ou um casaco, chega ao fim do ano com um molho de bilhetes de lotaria para o sorteio de um carro “topo de gama”, que o governo oferece ao “bom cidadão”. Isto permite ao ministério das Finanças comparar o volume de negócios declarado de qualquer restaurante ou de qualquer loja com a documentação que lhe entregou a classe média à procura de um Audi ou de um Mercedes, que a faça brilhar na vizinhança e espicace a sempre viva inveja da família e amigos. Para animar as coisas, que, segundo consta, não andam bem, o Estado obriga toda a gente a pedir factura.
Como se compreenderá, o Estado transforma assim com habilidade e subtileza os portugueses numa corporação de espionagem encarregada de se espiar a si mesma, sem gastar mais do que um carro apreendido a um criminoso ou contrabandista. Vivendo perto da falência, o comércio e a restauração tendem a subtrair uma factura ou outra à tosquia fiscal a que estão submetidos. Esta prática irrita os peritos que aconselharam ao sr. primeiro-ministro este método democrático. A Espanha acha o estratagema “pitoresco”. Por mim, que não sou a Espanha, acho a ideia tenebrosa: vexatória, indigna, irresponsável, excessivamente parecida com episódios conhecidos da Ditadura e dos regimes que ela imitava e venerava. E, no fim do ano, gostava de ver a cara do meu compatriota que ganhou esse glorioso concurso.
Estou daqui a imaginar a cena. O indivíduo gordo e triunfante que atrapalhou a vida a centenas de pessoas, que tinham cometido o erro de confiar nele. O sr. Passos Coelho, seguido da sua trupe e da sua inconsciência. O automóvel cintilando ao longe. O premiado começará por apertar a mão a S. Exa. com uma grande vénia. E, a seguir, S. Exa. retribuirá com um pequeno discurso sobre as vantagens da coesão social, do enorme esforço que se espera do conjunto da Pátria e dos milhões que a operação angariou para os pobrezinhos, que ele particularmente estima. Um secretário entregará a chave do carro ao polícia e denunciante do ano e essa virtuosa personagem tornará a apertar com respeito a mão do sr. Passos. A sociedade portuguesa avançou um novo passo para a abjecção."»