sexta-feira, 22 de abril de 2011

A ANSIADA REVOLUÇÃO NA JUSTIÇA


Esclarecedor o artigo do Rui Rangel sobre a Justiça (ou a falta dela).
"A revolução que falta fazer é a da justiça. Neste País de democracia adiada e sem esperança, o que falta é fazer a justiça erguer-se, enquanto pilar vital do funcionamento do Estado, contra as injustiças, a pobreza e as desigualdades sociais.
Contra a corrupção, o tráfico de influências, a avidez dos governantes e os “job for de boys”. Contra os vampiros que comem tudo e não deixam nada. Contra a classe política e partidária que delapidou os dinheiros públicos, deixando Portugal nas mãos dos credores.
Os políticos, de um modo geral, falharam ao receberem, de mão beijada, dos militares de Abril, esta jovem democracia.
A justiça, mesmo sendo morosa e acusando um desgaste no seu prestígio, é o único sector que ainda pode desempenhar esse papel. Os portugueses acreditam na seriedade e na independência dos tribunais e dos juízes. Pode ser tardia mas ninguém põe em causa a probidade, a honestidade e a verticalidade de quem faz a justiça. É preciso que os juízes saiam dos tribunais, falem com as pessoas, esclareçam e apontem, sem medo, o dedo aos responsáveis. Esta mais-valia ética e moral, que os juízes e a justiça detêm, ainda respira. Não se pode deixar o destino do País só aos políticos e exigir-lhes responsabilidades apenas de quatro em quatro anos. Há que reinventar uma nova forma de democracia, uma nova maneira de exigir transparência, responsabilidade e prestação de contas. A classe política ficou sozinha com o País e vejam no que deu.
A legitimidade conferida pelo voto visa o interesse público e perde-se sempre que se deixa subordinar a outros interesses. A revolução procura que a justiça assuma o seu papel activo, exija essa cultura ética e moral e não deixe passar, pelos pingos da chuva, gente que se serve do voto para dele tirar proveito próprio. Mas, para isso, não pode ficar acantonada nos tribunais. E não se tenha receio da acusação de se estar a judicializar a política quando o que está em causa é o superior interesse nacional e o Futuro. E quando assim é, não há limites para a intervenção pública.
Na desgraça e na crise invoca-se o interesse nacional, com várias caras e pede-se a solidariedade das pessoas. Na abastança e no despesismo não se convoca o cidadão.
Como pode a justiça condenar alguém que deixou de cumprir as suas obrigações fiscais e outras, que deixou de ter dinheiro para alimentar a família porque lhe foi retirado abusivamente parte do seu salário, por ordem de quem, abusando dos poderes que lhe foram conferidos pelo voto, contribuiu para a desgraça em que vivemos. Quem, perante estas situações não tem meios para pagar a prestação da casa, age com causa de exclusão da responsabilidade, não podendo ser condenado por um tribunal. O leque das excepções de não cumprimento da obrigação deveria contemplar este caso.
A isto se chama administrar a justiça em nome do povo.
A justiça não pode ficar só nos tribunais.
Esta é a forma de a justiça se fazer presente e de cumprir o seu papel social."

quarta-feira, 13 de abril de 2011

PORTUGAL AJOELHOU


Mais um artigo de Mário Soares que só peca pela lucidez."É triste dizê-lo. Mas as coisas são o que são. Não vale a pena esconder a realidade. A verdade vem sempre ao de cima, cedo ou tarde. Portugal estava a viver, há muito tempo, acima dos seus recursos. O excessivo despesismo do Estado e das famílias, o endividamento, público e privado, o espectro de falências sucessivas e do desemprego crescente, conjugado com a avidez dos mercados especulativos e a pressão das agências de rating, ao serviço dos mesmos especuladores - que poucos ousam contestar -, conduziram-nos à beira do colapso: seria a bancarrota ou o pedido de auxílio ao FEEF (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) e ao FMI (Fundo Monetário Internacional).
Foi na quarta-feira passada, 6 de Abril, que José Sócrates e o Governo demissionário foram forçados, pelas circunstâncias, não havia outra alternativa, a dirigir a carta formal de pedido de apoio às instituições monetárias europeias e internacionais. Podia tê-lo feito antes e com menos dramatismo? Provavelmente. Mas um conjunto de circunstâncias adversas, políticas e económicas, em que as culpas estão repartidas, como a história o dirá, precipitou as coisas. A seu tempo, com isenção e transparência, saberemos como tudo se passou.
Agora, entrámos numa nova fase, que devemos saber negociar, com inteligência e bom senso, procurando defender do aperto terrível que aí vem - como foi prometido, prioritariamente - os mais pobres, os desempregados, os idosos que recebem pensões de miséria e os jovens da "geração à rasca", abrindo-lhes alguns horizontes. Para isso é preciso que os três pilares sociais, proclamados por Sócrates, não sejam atingidos, nos pontos principais, pelos cortes da austeridade exigidos: o Serviço Nacional de Saúde, a educação pública e a segurança e a dignidade de quem trabalha. Será possível realizar tal objectivo estando Portugal a entrar - como está - em recessão? Tenho as minhas dúvidas. Mas oxalá me engane.
O certo é que Portugal entrou no grupo das vítimas dos mercados especulativos: Grécia, Irlanda e agora, Portugal. Sem protestos sérios, até agora, contra a suicidária política europeia. Estamos, aliás, em boa companhia, porque tanto a Grécia como a Irlanda são grandes nações europeias, que muito deram, no plano histórico e cultural, à Europa, e esta muito lhes deve. A partir de agora era bom que nos pudéssemos entender, os três Estados, para o que der e vier...
A Islândia - que não faz parte ainda da União, mas pretende entrar - realizou, no domingo último, um referendo perguntando aos islandeses se estavam dispostos a pagar ou não à Holanda e ao Reino Unido, Estados que lhes tinham emprestado dinheiro, por causa da crise. A resposta popular foi não, pela segunda vez. Atenção: é uma opção que pode ser contagiosa para Estados membros da União, em idêntica situação..."

A UNIDADE DA UNIÃO EUROPEIA


Um artido do DNOpinião que dá que pensar e que merece um registo especial."Na Alemanha, uma associação cívica avançou com uma providência cautelar junto do Tribunal Federal, em Karlsruhe - o correspondente ao nosso Tribunal Constitucional -, com o fim de impedir a República Federal da Alemanha de participar no financiamento de emergência à República Portuguesa. Na Finlândia, país que vai às urnas no próximo domingo, a primeira-ministra e o ministro das Finanças afirmam que, desta vez, a troika negocial tem de ser muito mais dura, não se podendo ficar pelo PEC 2011/2014, acordado a 11 de Março passado, enquanto os ultraconservadores, seus rivais, querem mesmo vetar a ajuda a Portugal. No Reino Unido, a imprensa popular reclama que o País não gaste uma só libra a ajudar países da Zona Euro à beira da falência. Tudo isto são indícios da fractura que cresce nas diversas opiniões públicas nacionais entre aqueles que continuam a achar que faz todo o sentido apostar na construção europeia e aqueles - fustigados pelas consequências adversas da Grande Recessão 2008/2009 - UE culpam os parceiros incumpridores pelos seus males e preferem seguir o seu caminho sem eles.
A coesão interna da União Europeia, bem como os seus mecanismos de cooperação económica e de estabilização financeira, em fase de construção, não se encontram ainda ameaçados. Mas as réplicas deste verdadeiro terramoto económico global têm minado a confiança de parte da população europeia e reforçado o campo dos xenófobos e nacionalistas, cujo fim é o de desmantelar o que foi construído com tanto esforço ao longo de mais de meio século.
Justificar completamente
Por mais que se argumente que Portugal participa financeiramente na ajuda acordada à Grécia e à Irlanda, por mais que se relembre que os países contribuintes líquidos da UE devem boa parte da sua prosperidade ao alargamento do mercado interno à dimensão de um continente, com 500 milhões de cidadãos consumidores a acalmia só voltará a muitos espíritos quando esta crise, com contornos continentais, estiver debelada. O contributo de Portugal para tanto só poderá vir de uma negociação séria, comprometida e corajosa, que assuma compromissos à altura de poderem ser cumpridos. E, por parte da troika, o que se pede é que abandonem estereótipos e encontrem um caminho de ajustamento financeiro e de reestruturação económica exigente, consentâneo com aquilo que somos e que queremos ser."

terça-feira, 12 de abril de 2011

Proibição da burqa é um passo em falso - The Independent

Mais um artigo do Presseurope sobre a famigerada e tão acessa discussão sobre o uso da burqa. "Usar a burqa em locais públicos é agora proibido em França. Para o Independent, a nova lei é uma arma de campanha eleitoral de um Nicolas Sarkozy que está sob fogo e irá piorar a situação dos muçulmanos na Europa. Quando, nos anos 1870, Otto von Bismark, o "Chanceler de ferro" da Alemanha, tentou conquistar o poder da Igreja Católica na Alemanha recentemente unificada, essa luta ficou conhecida como kulturkampf – a luta pela cultura. Baseada na ideia de que nenhum bom alemão podia ser leal a uma autoridade religiosa estrangeira com sede em Roma, a iniciativa foi apresentada como um meio para libertar e não para reprimir os crentes. Não teve resultados. Os católicos intuíram a existência de segundas intenções, juntaram-se em torno do seu Pontífice e, quando foram obrigados a escolher entre a fé e a lealdade ao Estado, optaram pela primeira. Estas considerações deveriam estar presentes no espírito dos franceses, num momento em que a sua própria kulturkampf contra o uso do véu integral ganha força legal – e em que muitas francesas muçulmanas deixam claro que, agora que correm o risco de serem presas, se sentem mais, e não menos, decididas a usar a burqa e o niqab em público. A opinião pública britânica não levou a sério a força do sentimento existente em França quanto a este assunto, partindo frequentemente do princípio de que a hostilidade contra o véu é uma palavra de ordem dos islamofóbicos de extrema-direita. Trata-se de um erro de interpretação. Muito mais do que o Reino Unido, a França sabe o que significam de facto as guerras religiosas. Nos anos 1570, Paris foi literalmente alagada com o sangue de protestantes chacinados e o conflito que se seguiu dividiu o país ao longo de gerações. O conhecimento do muito que a França sofreu por causa da religião sustenta o consenso esquerda-direita quanto à necessidade do laicismo como base da vida pública. Infelizmente, esta filosofia, admirável sob muitas formas, acabou por ficar enredada nos cálculos obscuros de um Presidente que se encontra debaixo de fogo, na altura em que se prepara para a re-eleição em 2012, enfrentando uma situação em que as sondagens – algumas das quais o colocam atrás da representante da extrema-direita, Marine Le Pen – lhe atribuem resultados miseráveis. Há suspeitas de que Nicolas Sarkozy acolheria mesmo com agrado confrontos públicos com muçulmanos radicais por causa do véu, por os considerar como fonte de votos. Se isso for verdade, está a brincar com o fogo. Em França, são poucas as mulheres muçulmanas que usam o véu integral. Mas muitos muçulmanos franceses não gostam de ver destacada a sua comunidade e existe o perigo de a nova proibição se revelar contraproducente. Ainda bem que nenhum grande partido britânico quer arrastar o país por este caminho."

BERLIM NÃO QUER REFUGIADOS

A Alemanha parece pré-destinada a repôr a História, no seu pior. Volta à carga o nacionalismo exacerbado. Agora, a propósito dos refugiados. "Os refugiados que não venham para a Alemanha", assegura Die Welt. Esta posição será defendida por Berlim, a 11 de abril, no âmbito de uma reunião dos ministros europeus do Interior consagrada à imigração, agora que a Itália faz apelo à solidariedade europeia para fazer face à chegada de milhares de imigrantes oriundos do Norte de África. "O jogo sujo de Itália é uma chantagem inaceitável", considera o diário conservador, admitindo que "é inadmissível que Itália e Malta paguem o preço das transformações que são do interesse de toda a Europa". Para Die Welt, a Europa devia investir mais nos países árabes para facilitar as alterações positivas e reforçar a cooperação em matéria de refugiados: "Aquilo que representa um pesado problema para Itália e Malta tornar-se-ia mais leve se fosse partilhado pelos Vinte e Sete." Será assim tão difícil reconhecer que qualquer precedente nesta matéria trará revivalismos que em nada abonam o espírito humanista que a crise exige e a que tanto se apela?

quarta-feira, 6 de abril de 2011

CENSOS SOB CENSURA


Contundente e assertiva este texto do Jugular. Não poderia dizer melhor por isso transcrevo. Escrevo este texto no dia em que preenchi o questionário do Censos. Confesso que o achei estapafúrdio em alguns aspectos – por exemplo, perguntar às pessoas se alguém que não faz parte do agregado passou a meia noite do dia 21 de Março naquela morada e, caso afirmativo, qual o seu nome (como é natural e talvez até desejável, muita gente não responderá com verdade a tal questão); se têm garagem mas não se têm carro, e quantos por agregado; sobre a existência de uniões de facto de sexo diferente e do mesmo mas, no caso do casamento, ignorando a alteração existente desde Maio de 2010; solicitar a quem trabalha com falsos recibos verdes -- que foi contratado para trabalho dependente mas é tratado pelo empregador, para efeitos fiscais e de segurança social, como independente -- que se assuma como trabalhador dependente. Mas a questão que mais escândalo me suscitou – até por não ter dado conta de qualquer reacção institucional que se lhe referisse -- é a última do questionário individual, facultativa (por imperativo constitucional) e sobre religião. Nada tenho contra a pergunta sobre crenças, mas tenho tudo contra a forma como é formulada. E o tudo começa no título: “Indique qual é a sua religião”. Pressupõe-se assim que todos temos religião – incluindo os que a não têm, já que entre as respostas possíveis, se encontra, em último lugar (!), “Sem religião”. Era muito fácil evitar esta estultícia: bastava que o título do bloco fosse “situação face à religião”, ou mesmo só “religião”. Mas a forma como o bloco está elaborado é mais que estulta: é capciosa e completamente contraditória com a natureza laica do Estado português. Não só por pressupor a existência de uma afectação religiosa como norma – independentemente de poder ser essa a verdade estatística o Estado não pode impor esse princípio – mas pelo elenco das oito hipóteses possíveis, a saber, “Católica”; “Ortodoxa”; “Protestante”; “Outra Cristã”; “Judaica”; “Muçulmana”; “Outra não cristã”; “Sem religião”. Não é preciso ser uma águia para apreender a total arbitrariedade quer da enumeração quer da ordem (que, como se sabe, nunca é despicienda – basta lembrar que no caso dos boletins de voto é sujeita a sorteio, et pour cause – e que não é a alfabética, a única aceitável, nem sequer a da representatividade numérica, já que coloca os protestantes depois dos ortodoxos e os muçulmanos depois dos judeus). Numa matéria tão reconhecidamente sensível como esta – daí, desde logo, o carácter facultativo da pergunta – exigir-se-ia que não subsistisse a menor suspeita de discriminação; que quer os termos da pergunta quer as respostas possíveis respeitassem a ideia da igualdade constitucional entre a crença e a não crença e entre os variados credos. Nada disso, porém. Ao ponto de podermos – devermos – questionar qual o objectivo desta questão. É que se fosse perceber quantos residentes em território nacional se afirmam religiosos e quantos não, nunca podia partir do pressuposto de que todos o são; se a ideia é saber quantas crenças existem no território e qual a sua natureza, jamais se efectuaria uma lista que assume a existência de uma religião “ortodoxa” (existem várias seitas cristãs ortodoxas), deixa de fora hindus e budistas (por exemplo) mas inclui os judeus, escassas centenas, não tem a opção evangélicos (que de um modo geral não se assumem como protestantes -- por exemplo, no Censos de 2001, cujo questionário era nesta matéria igual, as respostas identificaram cerca de 47 mil cidadãos protestantes e quase o triplo como “outra cristã”, o que é esclarecedor) e – mais grave de tudo – não permite a possibilidade de as pessoas se inscreverem simplesmente como “cristãs”. Ao impedir essa inscrição, o que o Instituto Nacional de Estatística está a fazer é a distorcer, consciente ou inconscientemente – e a este nível não pode haver distorção inconsciente – a representatividade da religião católica no País, já que muitos dos que se assumiriam simplesmente como “cristãos” (numa definição sobretudo cultural) vão assinalar-se como “católicos”. Tal como está elaborada, a questão sobre religião censura – porque manipula e rasura -- a realidade. Não deve ser preciso dizer que isso é inaceitável e deveria merecer, de volta, a censura de todos. E levar-nos a exigir uma explicação sobre os critérios utilizados e as entidades consultadas para a elaboração da pergunta, sendo certo que a Comissão da Liberdade Religiosa não o foi. (publicado na coluna 'sermões impossíveis' da notícias magazine de 27 de março). É como digo, não poderia dizer melhor.